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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 171 REFERÊNCIAS

F. Infância em perspectiva: políticas, pesquisas e instituições São Paulo: Cortez, 2010.

1.3 OS LUGARES DOS DIREITOS DA CRIANÇA E ESFORÇOS NO CENÁRIO NORMATIVO INTERNACIONAL

1.3.1 Anterioridade às Declarações de 1924 e

Nos anos anteriores a 1924, ano em que foi aprovada a Declaração de Genebra ou a Carta da Liga sobre a Criança, a fala da comunidade internacional111 não era tão coesa para a formalização de um documento jurídico que viesse a reconhecer os direitos da criança. Isto se deve, pois, não há ainda não haver um processo tão brusco de internacionalização de direitos humanos como um todo; há que se ressaltar a já existência do Direito Internacional Humanitário112 e da

109 Pontua-se que será feita a discussão sob o plano normativo internacional universal, pois a

pretensão é a de abraçar os documentos legais os quais geram mecanismos de proteção e de responsabilização dos Estados no âmbito global, com os fins de no capítulo terceiro desta dissertação discorrer sobre o Comitê dos Direitos da Criança da ONU.

110 CANÇADO TRINDADE, A. A. A humanização do Direito Internacional. Belo

Horizonte/MG: Del Rey, 2006.

111 Entende-se por comunidade internacional o conjunto de atores estatais e não estais que se

relacionam por meio de acordos, tratados, reuniões, fóruns, com os fins supra-individuais para estabelecer a unidade natural e espontânea de vontades em prol de um bem-estar a nível global. OLIVEIRA, O. M. Relações Internacionais: Estudos de introdução. Curitiba/PR: Juruá, 2011.

112 Por Direito Internacional Humanitário (DIH) compreende-se como um conjunto de normas

internacionais aplicadas nos conflitos armados voltadas para regulação de métodos e meios de guerra e a proteção das populações militar e civil.

Liga das Nações113, porém, não havia um discurso mais homogêneo para a tutela de garantias aos indivíduos no plano internacional universal.

Naquele instante, a Europa convivia com as sombras da I Guerra Mundial (1914-1918), o conflito armado que gerou consequências danosas às populações combatente e civil e que em especial às crianças. O Comitê Internacional da Cruz da Vermelha, organização não governamental criada na Suíça no final do século XIX para prestar assistência humanitária em casos de conflitos armados114 ou de desastres, alertara para a necessidade de proteger as crianças vítimas das hostilidades, dos escassos recursos, as que se tornaram órfãs ou que foram abandonadas, pois, ratifica-se que ainda não existia resguardo jurídico internacional à parcela infantil.

Nos períodos da Guerra e no pós-conflito (do ano de 1918 por diante), a reflexão sobre a infância e os direitos da criança era realizada mediante reuniões de classes de profissionais e congressos internacionais com vinculação à temática. Os debates orbitavam sobre a definição de criança, as formas de proteção, o papel que deveria desempenhar a educação e as questões de higiene e saúde. Tais eventos ocorriam com apoio dos governos dos Estados e da sociedade civil, tornando esse movimento de discussão mais forte no final do século XIX e início do século XX115.

Estes congressos, deste modo, tinham como funções: (i) denúncia de problemas envolvendo a infância à sociedade e (ii) pressionar os Estados para que tenham responsabilidade jurídica com os infantes;

113 Organização Internacional fundada em 1919 com o intuito de estabelecer a paz universal,

não tendo resultado satisfatório (como a eclosão da II Guerra Mundial em 1939, por exemplo) foi extinta em 1946.

114 Os conflitos armados que pode ser internacionais ou convencionais: “casos de guerra

declarada ou de qualquer outro conflito armado que possa surgir entre duas ou mais Altas Partes Contratantes, mesmo que o estado de guerra não seja reconhecido por uma delas” , isto é, aqueles que têm a participação direta de Estados e de todo o seu aparato militar, ou podem ser não internacionais, internos ou não convencionais: “[aquele que é] realizado em território de uma Alta Parte Contratante, entre suas forças armadas dissidentes, ou grupos armados organizados que, sob a chefia de um comandante responsável, exerçam sobre uma parte de seu território um controle tal que lhes permita levar a cabo operações militares contínuas e concertadas”. COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA.

Convenções de Genebra de 1949 e Protocolos Adicionais de 1977. Disponível em:

<https://www.icrc.org/pt/guerra-e-o-direito/tratados-e-direito-consuetudinario/convencoes- de-genebra>. Acesso em: 15 nov. 2016.

115 BALSERA, P. D; GARMENDIA, L. M. N. La evolución de los derechos de la infancia:

Una visión internacional. Encounters on Education, Kingston/CAN, v. 7, 2006, p. 71 – 93.

estas reuniões eram compostas por médicos, professores, pedagogos, que ao final publicavam livros, folhetos, informes sobre infância. O primeiro encontro ocorreu em 1883, em Paris, denominado “Congresso Internacional de Proteção à Infância”, no qual se observa a preocupação à primeira idade e cuidados médico-hospitalares; os sucessores ocorrem em 1905, 1907 e 1911, os “Congressos Internacionais de Gotas de Leite”, com a participação em grande volume de países, pediatras e organizações internacionais116.

Um dos casos mais emblemáticos ocorreu em 1874, na cidade de Nova York, onde um assistente social visitou uma residência e verificou que havia uma criança em um dos cômodos que recebia maus tratos e subnutrida. O fato tomou maiores proporções de discussão, pois, na época não havia legislação que tutelasse os direitos específicos da criança, disto, defensores dos animais realizaram protestos para que todos os pertencentes do reino animal fossem protegidos. Com isso, a preocupação em resguardar garantias dos infantes se avolumava117.

Em 1917 foi pensado um documento jurídico internacional para sanar tais vazios de proteção. O primeiro projeto se intitulava “Carta Magna Internacional” – proposta pela Liga Internacional de Proteção à Infância, mas que não logrou sucesso. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, foi a primeira instituição de caráter internacional a propor e ter aprovada Convenção que limitava a idade para o início da vida economicamente ativa dos jovens118.

A primeira norma internacional universal só viria a ser concebida em anos mais tarde, em 1924, no corpo de Declaração, sendo esta patrocinada pela Liga das Nações pela ONG Save the Children e por alguns Estados e entidades civis119. Identifica-se a intenção de circunscrever as especificidades dos direitos da criança na agenda internacional; entre 1919 e 1929, tem-se em caráter literário de grande aceitação os textos de Janusz Korczak (1878-1942) e Declaração de Proletkut, em 1917, aprovada logo após a Revolução Bolchevique no mesmo ano.

116 Nomeadamente, as organizações: Associação Internacional para a Proteção da Infância, a

União Internacional para a Proteção da Infância na Primeira Idade, a União Internacional de Socorros de Crianças e a Liga de Sociedades da Cruz Vermelha.

117 MONACO, G. F. C. A proteção da criança no cenário internacional. Belo

Horizonte/MG: Del Rey, 2005.

118 DOLINGER, J. Tratado de Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Renovar,

2003.

Quando aprovada a Declaração em 1924, o médico e educador polonês Korczak criticava o teor frágil da norma, atribuindo a alcunha de “regalo dos adultos às crianças”. A imagem e os escritos do autor impactaram o mundo, pois utilizava a fala da criança para dirigir-se a si mesma; também ganhou notoriedade pela sua militância em prol da defesa dos pequenos e do empoderamento destes, como na instituição criada por ele em parceira com Stefa Wilczinska, na qual havia um parlamento, um tribunal, dentre outras instituições protagonizadas por crianças120.

Infelizmente, Korczak foi conduzido ao Gueto de Varsóvia e em seguida ao campo de concentração e de extermínio nazista Treblinka, sendo executado junto às crianças que atendia no Orfanato Don Sierot. A violência perpetrada contra meninos e meninas durante a II Guerra Mundial (1939-1945) demonstrou as insuficiências da Declaração de 1924 e as faces do conflito que gerou aproximadamente 13 milhões de crianças abandonadas, cerca um milhão de órfãos na Polônia121, em torno de 1,2 milhão de crianças judias foram mortas em decorrência das atividades nazistas122.

Como se percebe, era preciso a aprovação de outro documento e a criação de medidas que visassem proteger os direitos das crianças, fornecendo-as caminhos mais seguros para sobrevivência e bem-estar social. No próximo tópico serão colocados os pontos positivos e negativos de tais legislações internacionais.