A humanização de anticorpos de interesse clínico visa a produção de anticorpos recombinantes derivados de anticorpos monoclonais murinos com potencial terapêutico. Com a humanização de anticorpos objetiva-se produzir biofármacos menos imunogênico e com melhor função efetora. A estratégia de humanização de anticorpos envolve a substituição progressiva das sequências murinas por sequências homólogas humanas, visando obter uma molécula com menor número possível de resíduos humanos para preservar a afinidade de ligação ao antígeno (Morrison et al., 1984). Estudos foram direcionados para aumentar a eficiência e diminuir a imonogenicidade causada pelos anticorpos monoclonais murinos. Inicialmente foram produzidos anticorpos monoclonais quiméricos, onde foi realizada a troca da região Fc murina por uma sequência de Fc humana correspondente (Morrison et al., 1984), gerando uma molécula com 66% da sua sequência humana e 34% murina (Figura 6).
Figura 6. Classificação de anticorpos terapêuticos. A tabela de inserção explica a nomenclatura de anticorpos
terapêuticos em indicações de câncer, de acordo com o Sistema de Nomes Internacionais.
Apesar de sua maior parte ser considerada humana, as sequências murinas ainda presentes podem causar respostas imunogências no organismo, com a geração de anticorpos humanos contra os anticorpos quiméricos, esta resposta é conhecida como HACA (do inglês,
Human Anti-Chimeric Antibody) (Adair, 1992; Mirick et al., 2004).
Com o advento de técnicas sofisticadas de engenharia genética, tornou-se possível a manipulação dos genes codificadores das cadeias do anticorpo gerando alterações na sua estrutura, mas mantendo a especificidade original advinda do anticorpo murino, neste processo são formados os anticorpos monoclonais humanizados (huAcMos). Existem diferentes metodologias para obtenção de anticorpos humanizados em laboratórios de pesquisa em muitos países. As metodologias utilizam técnicas de rearranjo e reprodução de sequências codificadoras humanas. Para isso utilizam sequências similares ao anticorpo murino na região de CDRs. Esta técnica é conhecida como a do “melhor encaixe” (do inglês,
best fit) (Riechmann et al, 1988, Co & Queen, 1991).
O método atualmente mais utilizado para obtenção de anticorpos humanizados é realizado pela união da região constante de uma imunoglobulina humana a uma região variável desenhada de forma que sua sequência seja a mais próxima possível de uma Fv de anticorpo humano. As cadeias pesada e leve variáveis são redesenhadas baseando-se em regiões variáveis leve e pesada da imunoglobulina humana homóloga à imunoglobulina murina. Uma fração variável, com atividade preservada, é conseguida pelo transplante das CDRs do anticorpo murino para o anticorpo humano (Maranhão & Brígido, 2001). Um dos desafios dessa técnica seria a preservação da ligação com o antígeno (Figura 7).
O primeiro anticorpo humanizado pela técnica de transplante de CDR foi aprovado para uso clínico em 1997 foi o IL2R Zenapax#, produzido pela PDL (do inglês, Protein
Design Labs) (Kim et al., 2005). No Brasil, o Instituto Butantan de São Paulo foi pioneiro na
produção de anticorpos monoclonais com qualidade para utilização clínica. A utilização clínica desses anticorpos já é uma realidade no Brasil. No Centro de Biotecnologia do Instituto Butantan os anticorpos murinos anti-CD3 e anti-CD18 foram produzidos pelo cultivo dos hibridomas em bioreatores de alta capacidade. As normas utilizadas para o processamento dos anticorpos permitem a obtenção de produtos com qualidade para uso injetável humano. O anticorpo anti-CD3 foi testado clinicamente, com êxito, na reversão da rejeição de transplante de rim, fígado e coração e vem sendo utilizado regularmente pelo Instituto do Coração - INCOR (Maranhão & Brígido, 2001).
Figura 7. Organograma do processo de humanização de anticorpos. FONTE: Adaptada de Maranhão & Brígido, 2001.
Determinação da estrutura primária das cadeia variáveis Leve (VH) e Pesada (VL)
por sequenciamento
Identificação das sequências humanas germinais mais similares
Alinhamento das seqüências e proposição da sequência humanizada
Síntese da cadeia variável pesada (VH) por PCR
Clonagem e expressão em vetor contendo cadeia constante humana
Clonagem e expressão em vetor contendo cadeia constante humana Análise por modelagem molecular para
verificação de entraves e proposições estruturais
Síntese da cadeia variável leve (VL) por PCR
Expressão de anticorpo humanizado completo em cultura de células co- transfectadas com os vetores para cadeia
leve e pesada
N - terminal
Atualmente, 290 anticorpos monoclonais estão em fase de estudos I, II ou III e 32 já possuem a aprovação dos órgãos competentes nos Estados Unidos e União Européia (Tabela1).
Tabela 1: Anticorpos monoclonais terapêuticos aprovados pelos órgãos competentes (FDA) dos Estados Unidos e União Européia.
Anticorpo Molécula
Alvo Tipo Indicação Empresa
Ano de aprovação OKT3 (Muromonab-CD3) CD3 Murino Rejeição a transplantes Johnson & Johnson 1986 Reopro
(Abciximab) CA17-1A Quimérico PTCA Centocor 1994 Panorex
(Edrecolomab) GPIIb/IIIa Quimérico
Câncer coloretal Centocor 1995 Rituxan (Rituximab) CD20 Quimérico Linfoma Non- Hodgkin Biogen IDEC 1997 Zenapax
(Daclizumab) IL2R Humanizado
Rejeição a
transplantes Prot Design Labs 1997 Simulect
(Basiliximab) IL2R Quimérico
Rejeição a
transplantes Novarts 1998 Synagis
(Palivizumab) RSV F Humanizado Profilaxia de RSV MedImmune 1998 Remicade
(Infliximab) TNF-# Quimérico
Artrite reumatóide
e doença de Crohn Centocor 1998 Herceptin
(Trastuzumab) Her2/neu Humanizado
Metástase de
câncer de mama Genentech 1998 Mylotarg (Gemtuzumab) CD33 Humanizado Leucemia mielóide Wyeth 2000 Campath (Alemtuzumab) CD52 Humanizado Leucemia linfocítica Millennium/ ILEX 2001 Zevalin (Ibritumomab) CD20 Murino Linfoma Non- Hodgkins Biogen IDEC 2002 Humira (Adalimumab) TNF-# Humano Artrite reumatóide,doenç a de Crohn Abbott 2002 Xolair
(Omalizumab) IgE Humanizado Asma Genentech 2003 Bexxar
(Tositumomab-I131) CD20 Murino
Linfoma Non-
Hodgkins Corixa 2003 Raptiva
(Efalizumab) CD11a Humanizado Psoríase Genentech 2003 Erbitux
(Cetuximab) EGFR Quimérico Câncer coloretal Imclone Systems 2004 Avastin
(Bevacizumab) VEGF Humanizado
Câncer coloretal,
renal Genentech 2004 Tysabri
(Natalizumab) Integrina A4 Humanizado
Doença de crohn, esclerose
Biogen
IDEC 2004 Lucentis
(Ranibizumab) VEGF-A Humanizado
Degeneração
Vectibix
(Panitumomab) EGFR Humano Câncer coloretal Amgen 2006 Soliris (Eculizumab) C5 Humanizado Hemoglobinúria (PNH) Alexion Pharm 2007 Milatuzumab CD74 Humanizado Mieloma múltiplo, Linfoma Non- Hodgkin Immunomedics 2008 Cimzia
(Certolizumab) Integrina Humanizado Doença de Crohn
Biogen
IDEC 2008 Simponi
(Golimumab) TNF-# Humano Artrite reumatóide
Johnson &
Johnson 2009 Ilaris
(Canakinumab) IL-1$ Humano CAPS Novartis 2009 Stelara
(Ustekinumab) IL-12 e IL-23 Humano Psoríase
Johnson &
Johnson 2009 Arzerra
(Ofatumumab) CD20 Humano
Leucemia
linfocítica crônica Genmab 2009 Raxibacumab B. anthrasis PA Humano
Antígeno protetor da toxina do antraz Letha Healey, MD & Human Genome Sciences 2010 Prolia
(Denosumab) RANK-L Humano
Osteoporose e Perda Óssea
Amgen Europe
B.V. 2010 Actemra
(Tocilizumab) IL6R Humanizado
Artrite Reumatóide
Hoffmann-La
Roche e Chugai 2010 Yervoy ™
(Ipilimumab) CTLA-4 Humano
Melanoma Avançado Bristol-Myers Squibb Company 2011 Benlysta™ (Belimumab) Estimulador de linfócitos B Humano Lupus Eritrematoso Sistemico Human Genome Sciences and GlaxoSmithKlin e PLC (GSK) 2011 *Adaptada de Pavlou & Reichert, 2004, Kim et al. 2005, Walsh, 2005, Cohen & Wilson, 2009, Beerli & Rader, 2010, Reichert, 2011.
1.6 Expressão Heteróloga de Anticorpos
Uma das grandes limitações no emprego de anticorpos terapêuticos é o seu complexo processo de produção. As limitações encontram-se principalmente na baixa quantidade produzida e no alto custo no processamento e purificação das proteínas, o que de certa forma dificulta o acesso ao medicamento por boa parte dos pacientes (Makrides, 1999).
Um sistema de expressão que tem se mostrado eficiente para a produção de anticorpos e seus fragmentos é a expressão em leveduras. As leveduras já são utilizadas na síntese de diversas proteínas recombinantes para uso terapêutico, como por exemplo, a insulina, glucagon, antígeno de superfície da hepatite B, dentre outras (Gerngross, 2004). Esse sistema combina o rápido crescimento e a facilidade de manipulação genética dos procariotos com