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Mecanismo de Ação do Anticorpo anti-CD

Os estudos realizados em pacientes tratados com o OKT3 forneceu informações importantes sobre o modo de ação desse anticorpo, que foram fundamentais para o aprimoramento e refinamento viabilizando sua utilização em clinica. Entretanto, o uso clínico de OKT3 foi impedido, devido aos efeitos secundários produzidos, com relação ao seu potencial imunogênico e mitogênico, que limitaram seu uso em pacientes transplantados, assim como a extensão de seu uso em outros casos clínicos, como por exemplo, em pacientes portadores de doenças autoimunes (Chatenoud, 2003).

Dois desenvolvimentos recentes permitiram uso clínico de anticorpos de CD3- specifico. Primeiramente, a produção de anticorpos humanizados (anticorpos recombinantes que possuem regiões hipervariáveis parentais de camundongos enxertadas em domínios de

cadeia leve (VL) e cadeia pesada (VH) de imunoglobulinas humanas) específicos para CD3 com mutações na região Fc e, em segundo, a demonstração de que o tratamento em curto prazo com os anticorpos monoclonais CD3 específicos, pode aumentar a tolerância (ação antígeno específica não reativa e ausência de imunossupressão crônica) no transplante e na auto-imunidade. Propõe-se que esta tolerância é em grande parte ativa, e que pôde ser mediada por um subconjunto das células T reguladoras CD4+, que controlam células T patogênicas (Herold et al., 2002).

Anticorpos monoclonais terapêuticos específicos para células T podem atuar por quatro mecanismos distintos: revestimento celular, depleção das células T, regulação negativa do TCR e alteração na sinalização. O desencadeamento de determinado modo de ação dependerá da especificidade do anticorpo e também do seu isotipo.

Estudos de cristalografia estrutural demonstraram que a ligação do OKT3 ao seu antígeno ocorre de forma oblíqua à cadeia CD3! (Kjer-Nielsen et al., 2004, Dunstone et al., 2004) e altera os sinais de transdução das células T, tornando-as incapazes de reconhecer o antígeno a que está sendo apresentada.

Modelos animais demonstram que o anti-CD3 ao se ligar ao FcR induz uma depleção parcial (40-50%) dos linfócitos T presentes no sangue periférico, pela sua função efetora, que é capaz de mediar a citotoxicidade celular dependente de anticorpo (ADCC, do inglês,

Antibody Dependent Cellular Cytotoxicity) (Figura 3b).

Apesar dos mecanismos de revestimento e depleção poderem ser desencadeados pelos anticorpos CD3-específicos, os modos de ação mais comumente associados à ação desses anticorpos são a regulação negativa do TCR e a alteração da sinalização celular.

A regulação negativa do TCR é observada em células CD3+ que não são depletadas, mas perdem a expressão do TCR e das cadeias proteicas CD3. Isso ocorre como resultado de internalização do complexo proteico TCR-CD3 mediada por anticorpos anti-CD3 específicos, o que não afeta a expressão de outras moléculas da superfície celular, mas torna as células imunocompetentes (Figura3c).

A sinalização celular é dependente da região variável da região de ligação ao antígeno da molécula de imunoglobulina, e ocorre com a ligação simultânea do anti-CD3 a uma célula alvo e uma célula T citotóxica, gerando uma transdução de sinal direta para a indução da apoptose celular (Figura 3d). Pode ocorrer também, um estado de anergia clonal, ou seja, incapacidade do organismo de reagir a um determinado patógeno (Chatenoud & Bluestone, 2007).

Figura 3. Propostas de mecanismos de ação de anticorpos monoclonais terapêuticos. A) Revestimento:

principal modo de ação dos anticorpos monoclonais específicos para marcar o CD4, B) Depleção: para anticorpos CD3-específicos ocorre pelo ADCC, C) Regulação Negativa: internalização do complexo antígeno- anticorpo, o que gera imunocompetência celular, D) Ligação simultânea do anticorpo a uma célula alvo e uma célula T citotóxica, o que gera indução de apoptose celular. FONTE: Chatenoud, L., 2003.

A molécula alvo do OKT3, o CD3, faz parte de um complexo de fundamental importância para a resposta imune adaptativa, o complexo receptor de célula T (TCR, do inglês, T Cell Receptor). Esse complexo é formado pelo próprio TCR e pelas moléculas acessórias CD3 e cadeias (. O TCR é responsável pelo reconhecimento de peptídeos antigênicos apresentados por moléculas chamadas Complexo Maior de Histocompatibilidade (MHC, do inglês, Major histocompatibility complex), presentes na superfície de todas as células animais. Após o reconhecimento do antígeno pelo TCR, ocorre a fosforilação dos domínios ITAMs presentes no CD3 e nas cadeias (, sendo essas fosforilações o ponto de

partida para o desencadeamento de uma cascata de transdução de sinal que pode acarretar na ativação e proliferação dessas células, e, assim, desempenhar as suas funções efetoras, como a produção de citocinas, por exemplo IL-2 e citotoxicidade celular (Figura 4) (Kindt et al., 2002).

Figura 4. Diagrama esquemático do complexo receptor de células T (TCR). Ele é constituído pelo TCR,

cadeias ( e pelo complexo CD3. As regiões carboxi-terminais das cadeias ( e do CD3 apresentam uma seqüência comum chamada de ITAM (do inglês, Immunorecptor Tyrosine-based Activation Motif), o qual irá agir no processo de transdução de sinal. FONTE: Elsevier. Abbas et al. www.studentconsult.com

Estudos estruturais revelam uma ligação lateral oblíqua entre o OKT3 e a molécula CD3. De acordo com o modelo proposto, essa ligação promoveria um deslocamento molecular diferente do observado na correta estimulação do complexo TCR (Figura 5, setas laranja). Esse arranjo aumenta a possibilidade de uma mudança conformacional no complexo TCR-CD3, podendo ser o modo de iniciação da sinalização da célula T mediado por anticorpos anti-CD3 (Kjer-Nielsen et

Figura 5. Modelo proposto para sinalização precoce de células T mediante ligação do CD3 ao %& TCR. (a)

Modelo de sinalização após a ligação de antígeno ao TCR, onde ocorre um deslocamento vertical do CD3 e assim desencadeando uma cascata de transdução de sinal. (b) Dinâmica de ligação do OKT3 ao CD3 mostrando a mudança no padrão de deslocamento do CD3 e alteração na iniciação da sinalização da célula T (Kjer-Nielsen

et al., 2004).

Recentemente, uma visão mais sistêmica da ação dos anticorpos anti-CD3, envolvendo a sua capacidade de induzir um estado de tolerância imunológica, provavelmente pela sua capacidade de induzir células T reguladoras foi proposta. O mecanismo de ação desses anticorpos não envolve necessariamente a depleção de linfócitos T, mas sim a modificação da sua atividade funcional, em grande parte devido à forma com que o TCR transduz o sinal de ativação (Chatenoud, 2010). Nesse sentido, poderíamos utilizar o anticorpo anti-CD3 para produzir uma resposta imunorreguladora em um organismo que apresente uma resposta imune inflamatória patológica, como em doenças autoimunes, e também no transplante alogênico. Um exemplo extremo dessa abordagem foi o sucesso na redução dos sintomas de EAE (encefalite autoimune experimental, do inglês, Experimental

Autoimmune Encephalomyelitis) em camundongos (o modelo animal da Esclerose Múltipla

em humanos), com a administração de anti-CD3 sublingual (Ochi et al., 2006). Esse novo paradigma imputa ao antígeno CD3 um alvo especial e com grande potencial para explorar novos fármacos para doenças que demandem uma imunomodulação como as doenças autoimunes e o transplante de órgãos (Chatenoud, 2010).