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Antologias Poéticas

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CAPÍTULO 2: A ANTOLOGIA POÉTICA E BIOGRÁFICA DE JANUÁRIO DA

2.2 Antologias Poéticas

O século XIX brasileiro foi momento crucial para a definição do que era ser brasileiro e para o debate sobre a existência de uma literatura nacional, considerada como expressão e testemunho da própria história pátria.213

Por isso, o papel dos parnasos poéticos, não só do Brasil, mas também dos países recém emancipados da América espanhola, era o de buscar um distanciamento das características que os ligavam a suas antigas metrópoles. Nesse processo, buscava-se uma literatura que afirmasse as singularidades das novas unidades nacionais.214 As antologias e florilégios poéticos

funcionaram, naquele momento, como indicadores do “grau de civilização” das nações emancipadas.

Levando em consideração o léxico, a palavra “antologia” só começa a ser utilizada de forma disseminada durante o século XIX. Sobre a origem da palavra, Janaína Senna observa que esta surgiu na Grécia Antiga, com anthologium que, no latim tornou-se Florilegium, significando “coletânea de flores”. Porém, com o passar do tempo, o vocábulo muda seu sentido, se esvazia e se transforma. Segundo a historiadora, os livros escritos no Brasil do século XIX, já não colhem as características dos antigos, pois, nesse momento, essas coletâneas serão voltadas para o universo pedagógico.215 Para a historiadora,

pouco importa que o volume traga o título de antologia, crestomatia, florilégio etc., o que conta é especificar que se trata de uma coletânea da poesia de tal ou qual país, da literatura produzida neste ou naquele século, e assim por diante.(...) É curioso observar que os próprios organizadores de coletâneas poucas vezes mencionam essa escolha, reservando as suas explicações para o tipo de texto selecionado, a motivação de seu trabalho ou as expectativas quanto à recepção do mesmo.216

Uma característica comum da estrutura desses parnasos é o uso de paratextos - introduções, notas – por seus autores, para explicar os critérios adotados para a confecção da obra.217

213 SENNA, Janaína Guimarães de. Flores de antanho: as antologias oitocentistas e a construção do passado

literário. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006. Tese de doutorado. p. 10.

214 Idem, p. 12. 215 Idem, p. 29. 216 Idem, p.37.

217 SENNA, Janaína. A ponto precário: o parnaso fundacional de Januário da Cunha Barbosa. In: LIMA, Ivana

Stolze; CARMO, Laura do (Org.). História social da língua nacional. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 2008. p. 44.

Organizadas a partir da seleção e compilação de trechos de obras e autores considerados representativos, a função primordial dessas coleções era fundar uma identidade comum, calcada na preexistência de um patrimônio literário coletivo.218

Referindo-se ao papel da literatura como testemunho da singularidade de cada povo, Valdei Lopes de Araújo salienta que “todas as literaturas modernas estariam marcadas por essa luta entre duas forças: a expressão de seu próprio tempo e lugar e um conjunto de obras, referências e procedimentos herdados”.219 Mesmo após o processo de Independência,

desvincular-se da antiga metrópole não foi tarefa fácil, sobretudo porque era necessário, para o novo Império, afirmar seus vínculos com a civilização europeia.220

A partir desta perspectiva, podemos pensar que a elaboração das antologias poéticas no século XIX representava um primeiro passo para a construção de uma história da literatura brasileira e da própria compreensão da história nacional.221 Não por acaso, as compilações

poéticas, cujo marco inaugural no Brasil é o Parnaso de Cunha Barbosa, publicado entre 1829 e 1932, aparecem no período político imediatamente posterior à Independência, momento decisivo para a criação de um sentimento de pertencimento identitário a ser compartilhado pelos brasileiros. 222 Como bem observou Janaína Senna, as obras antológicas contribuem para a fundação das identidades nacionais, na medida em que afirmam a existência de um patrimônio coletivo, “às vezes preexistente à institucionalização do grupo cultural cuja realidade atesta e ao qual fornece referências comuns”.223

Neste sentido, o esforço de Januário da Cunha Barbosa em reunir “as melhores poesias” de poetas nativos era uma forma de dotar o Brasil de um patrimônio literário próprio e, desse modo, tornar conhecida uma coleção de obras exemplares que serviriam de modelo para o futuro da literatura nacional.

218 Idem, p. 40. 219 Idem, p. 120.

220 ARAUJO, Valdei Lopes de. A Experiência do Tempo – Conceitos e Narrativas na Formação Nacional

Brasileira (1813-1845). op. cit., p. 126.

221 SENNA, Janaína Guimarães de. Flores de antanho: as antologias oitocentistas e a construção do passado

literário. op. cit., p. 11.

222 Marco A. Pamplona, ao estudar a mudança do vocábulo “Nação” no período de 1750-1850, percebe que “(...)

reconhecer-se “brasileiro”, entre 1820 e 1822, não significava necessariamente abrir mão do sentimento de pertencimento político à “grande família lusitana”. PAMPLONA, Marco A. Nação. In: Léxico da História dos

Conceitos Políticos do Brasil. João Feres Júnior (org). Editora UFMG, Belo Horizonte, 2009. p. 170.

223 SENNA, Janaína Guimarães de. Flores de antanho: as antologias oitocentistas e a construção do passado

Como se salientou até o presente momento, o Parnaso de Cunha Barbosa foi um empreendimento pioneiro na literatura nacional. Mas vale apontar que ele não foi o único realizado no século XIX, podemos citar o Parnaso Brasileiro, de Pereira da Silva224, o Mosaico poético, de Noberto e Adêt225 e o Florilégio da Poesia Brasileira, de Francisco Adolfo de Varnhagen.226 Consideradas em conjunto, essas diversas compilações contribuíram para a configuração da imagem da nação independente, funcionando como obras de fundação daquilo que passou a se constituir como “literatura brasileira”, traçando as diretrizes para a sua história.

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