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Da antropologia de Canevacci à filosofia dionisíaca: de Bataille a Nietzsche, uma inversão no tempo?

Grupo II – Este grupo contou com a participação ativa de diversos

Parte 3: A “eróptica” como método de interpretação

VII. Da antropologia de Canevacci à filosofia dionisíaca: de Bataille a Nietzsche, uma inversão no tempo?

Como afirmamos no início deste trabalho, interessava-nos investigar uma “ruptura” possível “de campo” 91

na cultura escolar que poderia ser provocada pelas culturas juvenis, não somente aquelas vistas como claramente de protesto, mas também toda e qualquer recriação ou “hibridação”92

possível realizada pelos jovens, consciente ou inconscientemente, entre as culturas populares, as juvenis de vanguarda, e aquelas veiculadas pela mídia. Com a preocupação de fazer um recorte epistemológico que acompanhasse os movimentos e metamorfoses do objeto, propusemo-nos a investigar os fundamentos teórico-metodológicos da “eróptica” de Canevacci, que, por sua vez, se apoiava amplamente na combinação entre o olhar e o erotismo, tal como concebidos por Bataille.

Vejamos, então, o que pudemos investigar em algumas obras de Bataille, que pudesse oferecer subsídios para uma abordagem epistemológica inovadora, capaz de apreender a potência crítica das manifestações culturais juvenis, ao mesmo tempo em que sua leitura poderia significar para os professores uma possibilidade de um olhar amplo e aberto ao campo de interesses dos alunos.

O dia em que discutimos o erotismo, segundo Bataille...

Neste dia, a nova coordenadora esteve presente e nos ajudou bastante a avançar na discussão. Desde o início de nossa pesquisa, dissemos que nosso método de pesquisa baseava- se na “eróptica” de Canevacci, antropólogo italiano que vinha se dedicando ao estudo das manifestações culturais da juventude contemporânea. Por isso, propusemo-nos a compartilhar com os professores nossas leituras de algumas obras de Bataille, de maneira a compreender melhor a ideia do “olhar participante de Eros”, inspirador do método etnográfico adotado por

91 Como já foi dito, ruptura de campo, segundo Herrmann (1991), no sentido psicanalítico, significa fazer

emergir novos sentidos (conscientes e inconscientes) das práticas e discursos, capazes de ressignificá-los.

92 Esta temática foi amplamente trabalhada pela mestranda Maíra Soares Ferreira em seu trabalho de campo

nessa mesma escola. Um dos trabalhos que mais a auxiliou em sua investigação acerca dos hibridismos poéticos cultivados pelos jovens foi o estudo de Herom Vargas: Hibridismos musicais de Chico Science & Nação Zumbi (Intervenção Editorial, 2007).

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Canevacci para se aproximar das culturas juvenis pós-modernas. Detivemo-nos particularmente na leitura de A experiência interior (2004a)93, depois de salientar que sua obra de ficção literária, História do olho (1979)94, contivesse mais claramente a essência do método proposto por Canevacci.

Alguns comentadores sugerem que Bataille95, filósofo do século XX, teria se deixado tocar por tudo que havia de mais irreverente e revolucionário no campo da cultura, sem se engajar, entretanto, inteiramente em um movimento ou corrente filosófica ou literária, dedicando-se, em 1922, ainda jovem, aos estudos de religião e teologia. Após uma crise de misticismo, teria se “internado” junto aos beneditinos, posição que abandonou um ano depois, ao entrar em contato com a obra de Nietzsche, em 1923, com a qual ficou fascinado, porém, sem se tornar um discípulo do mesmo. Aproximou-se do movimento surrealista, mantendo com ele, ou mais especificamente com André Breton, uma relação de proximidade, embora tensa e conflituosa. Fez análise com Dr. Borel, entre 1926 e 1927, sobre a qual faz menção em seu ensaio literário, História do olho, publicado inicialmente em 1928, obra em que também faz referência à experiência mística.

Salientamos que, para quem lesse História do olho (1979), uma espécie de ficção literária de cunho filosófico, seria possível ter uma ideia do método proposto pelo autor: em que o sujeito que escreve (o narrador) se mistura com o objeto (os personagens), representado, no romance, por um grupo de jovens que experimenta sua vida erótica no limite, entre a vida e a morte, entre a razão e a loucura. Uma experimentação da escrita que aponta para a fusão entre sujeito e objeto, dando-nos uma ideia do que seria fazer a verdade explodir por dentro, no limite (ideia que será retomada por Canevacci a propósito da etnografia do olhar dirigida para as manifestações culturais juvenis).

Começamos pela discussão de A experiência interior (2004a), uma obra que paradoxalmente, a despeito do título da obra, aponta para uma espécie de fusão entre o interior e o exterior, o sujeito e o objeto, e como sustentara o editor, que toma o desconhecido como objeto e se comunica por meio da experiência interior com um sujeito abandonado ao “não saber”.

No prefácio, Bataille levanta uma questão importante para o homem moderno, que

93 Bataille, G. (1954) L’experience intérieure. Paris: Gallimard, 2004a. 94 Bataille, G. (1928) Histoire de l’oeil. Paris: Gallimard, 1979. 95

As informações acerca da produção do Bataille (1897-1962) foram investigadas a partir do livro: Arnaud, A. et Excofon-Lafarge. G. Bataille. Paris: Ed. du Seuil, 1978.

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será objeto de reflexão da psicanálise contemporânea: Como se pode apaziguar no Homem “o desejo de ser tudo”? Elenca diversas vias: o sacrifício, o conformismo, a astúcia, a poesia, o esnobismo, a revolta, o dinheiro, a vaidade... Para encobrir no fundo o sofrimento de não poder ser tudo, de ter mesmo limites muito estreitos. Critica a moral kantiana por considerar suas exigências “solenes” como reflexos das dificuldades de se admitir este sofrimento.

No intuito de se contrapor exatamente ao desejo de ser tudo é que propõe a experiência capaz de pôr tudo em questão. Tal experiência, que o autor denomina “experiência interior”, nasce do não saber e do sentimento de insuficiência diante do desconhecido. Adverte-nos que essa experiência em nada apazigua, daí considerar esta obra “um tratado da desesperança”, uma vez que se refere à possibilidade de experienciar sem juízos prévios, sem julgamento moral e permanecer decididamente na posição do não saber. Sugere, por fim, a existência de um ponto em que dois tipos de conhecimento – o emocional e o discursivo – até então concebidos como estranhos um ao outro, possam se encontrar, conferindo, assim, uma consistência inesperada a essa ontologia (refere-se à experiência do riso, ou do êxtase do riso como sendo esse ponto de encontro).

− O autor estaria se referindo aqui a uma experiência-limite (ou do excesso)? E com que intuito? − perguntamo-nos.

Por meio dessa experiência, de acordo com os comentadores, Arnaud e Excoffon- Lafarge (1978), o autor pretendia criticar não apenas as crenças religiosas, mas toda e qualquer pressuposição dogmática. Para tanto, propôs uma experiência que se deixasse conduzir onde fosse, sem definir uma finalidade prévia, que nascesse do não saber e nele permanecesse.

Aqui fizemos uma pausa para refletir sobre essa atitude de despojamento, não dogmática, que a adoção desse método sugeria, e quão difícil era levar adiante essa postura seja diante dos alunos, seja dos professores e mesmo da comunidade, embora fosse essa a nossa intenção.

Tomar a experiência (interior) de abertura para o outro como única fonte de autoridade do conhecimento era o grande desafio. Uma autoridade, porém, que implicasse o rigor de um método e a existência de uma comunidade. Mas a pergunta colocada pelo autor era se a experiência fosse ela mesma autoridade, se não remeteria, ao mesmo tempo, ao paradoxo: fundada no questionamento, punha em questão a própria autoridade. E, uma vez que se tratava da autoridade do homem, acabava pondo em questão ele mesmo (o sujeito) em última instância.

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Refere-se a uma experiência que só pode ser vivida a partir de dentro, como um transe, terminando por unir o que o pensamento discursivo tende a separar, produzindo a fusão entre sujeito e objeto. A experiência de “si mesmo” obtém-se, assim, não se isolando do mundo, mas se constituindo como lugar de comunicação, de “fusão do sujeito e do objeto”.

Como a experiência interior se aproxima da experiência erótica...

A experiência interior se obtém pelo êxtase que, por sua vez, é sinônimo de comunicação, em oposição a qualquer fechamento sobre si mesmo. Uma experiência que só é atingida pela contestação do saber (“Estaria se referindo ao saber discursivo e dogmático?”, perguntamo-nos). E à qual se tem acesso por intermédio da dramatização aliada à vontade de não se ater ao enunciado e, assim, deixar-se levar por contágio, recorrendo à sensação não discursiva. Exorta a importância do método dramático por se tratar de uma forma de ir além daquilo que se sente naturalmente. Ou seja, impulsionar a vivência do limite como forma de entrar em contato com o que há de humano em cada um de nós.

Um método que, conforme salientamos no início, pareceu-nos bastante adequado à apreensão das culturas juvenis, que tendem a encontrar na dramatização da experiência uma forma de expressar a vida que habita seus corpos e mentes.

A ideia de Bataille é no sentido de dar vazão a uma parte do Humano que não é drenada pelas palavras – aquilo que em nós permanece mudo, que nos escapa e é, mesmo, inapreensível.

Para ele, a filosofia só faz sentido desde que se ligue à experiência interior que, por sua vez, não existe sem uma comunidade que a compartilhe, do mesmo modo que não há conhecimento sem uma comunidade de pesquisadores. Menciona, nesse sentido, sua afinidade com Nietzsche, chegando a afirmar que é do sentimento de comunidade com esse filósofo dionisíaco que nasceu seu desejo de comunicar o que pensa. Nele encontrara o sonho do desconhecido, a recusa de ser tudo, a crueldade e a fecundidade natural; enfim, a concepção do homem como sustentaria “um filósofo bacante”. Em seguida, expõe como a experiência vivenciada no limite do suplício aproxima o prazer erótico da experiência da morte.

Nesse ponto, discutimos como as noções de pulsão de vida e de morte96, concebidas

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Freud, em Para além do princípio do prazer (1920, 2001), elabora sua última teoria das pulsões, contrapondo as pulsões de vida (eróticas e de autoconservação) às pulsões de morte ou de destruição. Enquanto as primeiras tenderiam a conservar a vida e a reuni-la em unidades maiores (um movimento presente tanto na ontogênese do

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por Freud, se aproximariam de algum modo desta concepção do erotismo tal como sustentada por Bataille, a partir da qual Canevacci defende ser possível ter um novo olhar sobre as culturas juvenis “extremas”, que apontam para um recriar-se no limite entre a vida e a morte, tão bem descritas na ficção literária − História do olho (1979). Note-se que Bataille, diferentemente de Freud, sustenta uma espécie de “pulsão erótica de morte”, o que é diferente do entrelaçamento entre as pulsões admitido por este último no sadomasoquismo, por exemplo.

Nesse momento retomamos nossas discussões sobre o rap apresentado pelos alunos da 8a série no ano anterior e a dança erotizada das garotas que fizeram a apresentação do estilo “funk”. Salientou-se como, no ano anterior, foi difícil para muitos dos professores que participavam de nosso grupo de pesquisa compreender que ambas as manifestações − o rap que apontava para uma mensagem que se situava no limiar entre o lícito e o ilícito, e o funk, que parecia situar-se entre a livre expressão erótica daquelas garotas e sua vulgarização tal como veiculada pela mídia. Mas o que nos pareceu interessante das ideias de Canevacci, quando repensadas a propósito da realidade daqueles alunos, é que provavelmente o único modo encontrado pelos jovens para exprimir seu inconformismo com o existente era mimetizando o que a mídia oferecia como imagem deles e, com isso, fazendo explodir por dentro uma verdade inerente às suas tão sofridas existências.

Uma das professoras fez um depoimento para nos dar uma ideia de quão difícil era, às vezes, lidar com a irreverência dos alunos. Disse-nos que no meio de sua aula um aluno arrotou e que, nesse momento, não teve como ter outra reação a não ser lhe dizer que “seu comportamento lhe fez lembrar menos o comportamento de um menino e mais de um porco!”. Perguntou-nos como deveria reagir. A coordenadora pedagógica que felizmente estava conosco correu em nosso auxílio dizendo que o melhor teria sido que respondesse dentro do campo do conhecimento, dizendo, por exemplo, que em algumas culturas era sinal de boa educação arrotar após uma refeição. Mas que aqui, na escola, não tínhamos esse costume. Eu salientei que essa era uma forma de responder à irreverência do aluno com humor e com respeito a costumes e culturas diversas e assim manter-se na posição de professora, sem se deixar tomar pela provocação. Pois além de provocação, o aluno parecia exigir um olhar que se deslocasse de uma posição acima dele e o visse de acordo com sua própria realidade vivida. Depois de uma discussão acalorada, ficamos de fazer ainda uma apresentação das

psiquismo individual, como na filogênese, ou seja, na história da civilização), as segundas tenderiam à sua destruição e ao retorno ao estado inorgânico, enfim, à quietude, à morte.

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ideias de Nietzsche apresentadas em seu livro A visão dionisíaca de mundo, que teria inspirado Bataille a pensar o erotismo. Mas ainda tínhamos um caminho a percorrer com este autor tão irreverente. Interessava-nos adentrar um pouco mais em sua concepção de experiência interior, em que se confundiam o interior e o exterior, o êxtase, a dor e a angústia de morte.

O êxtase, a dor e a angústia de morte

Na primeira parte do livro, denominada Esboço de uma introdução à experiência interior, Bataille apresenta a “experiência interior” como algo muito próximo do que se chama de “experiência mística”: os estados de êxtase e de alegria. Mas, prefere o primeiro termo pelo fato de se distanciar da experiência confessional, referindo-se muito mais a uma experiência originária, “nua”, “livre de apegos” (de vínculos).

Na segunda parte, intitulada O suplício, começa o capítulo primeiro, com a seguinte declaração: “Eu vivo de experiência sensível e não de explicação lógica”.

Em seguida, relata a experiência-limite de estar sendo sufocado dentro de um saco de plástico para experimentar algo análogo ao suplício, em que todas as possibilidades se extinguem e se experimenta algo próximo do “impossível”.

Pondera que a filosofia não é sinônima de suplicação, porém sem ela, sem angústia, sem suplício, não há questão, nem resposta concebível.

Em um parágrafo, resume as relações necessárias que estabelece entre o excesso, a desesperança, o erotismo e o suplício:

Sentimento de cumplicidade entre: o desespero (desesperança), a loucura, o amor, o suplício. Alegria inumana, encavalada (échevelée), da comunicação, ou seja, desespero, loucura, amor e ainda: riso, vertigem, náusea, perda de si até a morte (Bataille, 2004a, p. 49).

O orgasmo que os franceses designam como “la petit mort”, que liga o erotismo à morte, faz parte do excesso que acompanha a experiência erótica. Esta, por sua vez, é fruto da transgressão da experiência interior.

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Em seguida, esclarece o que entende por desespero/desesperança, a sensação de estar “desfeito”, respirando um “odor de morte”, ao mesmo tempo, “pesado, dedicado ao seu destino, amando-o, não desejando mais nada” (Bataille, 2004a, p. 51). A completude da felicidade (le comble de la joie) não é a felicidade, uma vez que já se sabe quando será o seu fim, porém, quando se está mergulhado no desespero, sente-se apenas que é a morte que virá: a ausência da esperança, de todo engano (cf. Bataille, 2004a, p. 51).

Bataille nos impulsiona à vivência do extremo, que, num primeiro momento, parece ser inacessível, embora sem ele, observa o autor, a vida não passe de um grande engano. Mas, a qual vivência do extremo o autor está se referindo? Diz o seguinte a esse respeito:

“Por definição, o extremo do possível é este ponto onde, malgrado a posição

ininteligível que ele tem em ser, um homem, se desfazendo de todo logro e medo, avança tão adiante que não se pode conceber uma possibilidade de ir mais além” (Bataille, 2004a, p. 52). E a angústia é a forma encontrada pela inteligência de conhecer o extremo do possível, que não deixa de ser expressão da vida tanto quanto o que advém do conhecimento.

E o que seria o extremo do possível?

O riso, o êxtase, a aproximação aterradora da morte, mas ainda, a náusea, a agitação do possível e do impossível, o suplício e por fim, a “absorção no desespero”. Viver o extremo do possível faz tudo se afundar: “o edifício da razão”, “um instante de coragem insensata” (Bataille, 2004a, p. 52).

Deixa claro, no entanto, que a experiência interior é o contrário da ação. Para ele, a ação está inscrita no tempo adiado da existência, que surge no plano da reflexão, do projeto e do pensamento discursivo. A experiência interior é o ser sem adiamento (sans délai), o pensamento vivido.

E “sobretudo sem objeto!”, proclama Bataille de forma irreverente. “Não há mais sujeito=objeto, mas “brêche béante” entre um e outro e, na “brecha aberta”, o sujeito, o objeto são dissolvidos, há passagem, comunicação, mas não de um ao outro: um e outro perderam a existência separada” (Bataille, 2004a, p. 74).

Assim, esclarece a que veio sua ideia de experiência interior associada ao extremo do possível: proceder à crítica radical da crença absoluta na razão ocidental.

Podemos depreender dessa crítica de Bataille à razão ocidental uma ideia de homem moderno desesperançado − uma dimensão que o filósofo se propõe penetrar,

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experimentando, ele mesmo, o próprio desespero, como condição do pensamento filosófico, envolvendo, portanto, uma experiência-limite −que supõe uma dimensão existencial muito próxima do que é vivido pelo adolescente hoje como condição de sua existência; questão que é trabalhada pelo psicanalista Jeammet (2005b) no sentido de permitir que a vivência de sofrimento agudo se converta em um recriar-se, assim como urge uma mudança dos rumos da sociedade atual. Uma questão, pois, filosófica da modernidade, que, por sua vez, envolve uma dimensão existencial do mundo contemporâneo que, acreditamos, possa ser repensada à luz de uma verdadeira “transvaloração dos valores” a que se pode ter acesso por meio da estética irreverente proposta pelas músicas de protesto dos rappers do movimento hip-hop, ou mesmo das danças e músicas eróticas funk, como veremos a seguir.

O lugar do erotismo no campo da experiência interior, segundo Bataille

Para abordar a questão do erotismo e suas relações com a experiência interior, recorreremos inicialmente à obra O erotismo (1954, 2004b)97, para, em seguida, retomarmos as ideias do autor sintetizadas em uma de suas últimas obras, As lágrimas de Eros (1971)98, cujo intuito parece ter sido o de propor uma espécie de conclusão aos temas sobre os quais se debruçou em suas obras anteriores.

Em O erotismo (2004b), encontram-se formuladas as ideias centrais do autor, mas aqui gostaríamos de enfatizar o modo como associa a dimensão dionisíaca do erotismo ao excesso e à transgressão. Pretendemos nos ater apenas à primeira parte, intitulada O interdito e a transgressão.

Na introdução, apresenta uma definição paradoxal do erotismo: “o erotismo é a provação (approbation) da vida até a morte” (Bataille, 2004b, p. 17). Uma definição que o autor encontra inspiração nas ideias de Sade que apontam para a íntima relação entre a vida libertina, o assassinato e a morte, como se este autor pusesse em relevo uma “sexualidade aberrante”, o que para Bataille não se restringe ao vício, podendo revelar a verdade e ser mesmo a “base de nossas representações da vida e da morte”.

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Bataille, G. (1954) L’érotisme. Paris: Les Éditions de Minuit, 2004b.

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Pensando nos adolescentes que hoje experimentam o limite da vida e da morte em suas expressões eróticas e musicais, perguntamo-nos se, do mesmo modo que Bataille, na esteira do filósofo libertino, não estariam em busca da verdade do ser humano. E, ao mesmo tempo, procurando um sentido de continuidade de si – um sentido que, como veremos, para Bataille está muito mais próximo da morte − que suas vivências viram romper, uma vez que o mundo contemporâneo impõe a descontinuidade e a ruptura como ritmos a serem seguidos.

Para expor suas ideias acerca do erotismo, adverte logo de início que a filosofia cometeu um erro ao se distanciar da vida. E são partes integrantes da vida, o erotismo e a morte.

Embora Bataille refira-se a uma temática cara à psicanálise freudiana – que tratou do entrelaçamento do erotismo e da morte, por meio de sua última teoria das pulsões (de vida e de morte) – quando, por exemplo, aponta que o erotismo está em busca de um fim psicológico distinto do fim da reprodução, o faz, no entanto, sob um viés distinto da abordagem psicanalítica, ao salientar menos o objetivo da satisfação nele envolvido e mais o sentido de continuidade de si, que estaria presente nas experiências eróticas e da morte.

A reprodução, segundo Bataille, conduz à descontinuidade entre os seres, mas ao mesmo tempo põe em questão sua continuidade, ou seja, a morte. A morte, por sua vez, que