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AOS MEUS RESPEITÁVEIS LEITORES O D C.

No documento AO CORRER DA PENA José de Alencar (páginas 154-158)

Em sinal de consideração e preguiça de escrever o folhetim de hoje.

O AUTOR.

(Ora muito bem: quanto a título e dedicatória, estamos arranjados; passemos à terceira página, em que naturalmente deve vir o prólogo.

O prólogo é o bom dia de um escritor ao seu leitor, é o aperto de mão amigável de um sujeito que é apresentado a outro a quem não conhecia; é a cortesia do orador que cumprimenta o seu auditório antes de começar o discurso.

Vamos ver como nos saímos do prólogo: tenha o leitor a bondade de passar à outra página).

PRÓLOGO

Não é a ambição de glória que me faz dar hoje à luz este pequeno Livro da Semana, fruto de algumas horas de trabalho; é unicamente o desejo de tornar-me útil no meu país e de concorrer com um óbulo para a grande obra da nossa literatura pátria, que induziu-me a registrar os fatos importantes da semana que acabou ontem 1.

Se o público acolher bem este meu primeiro filho, talvez que animado pela sua benevolência me resolva a continuar na carreira encetada. Do contrário consolar-me-ei com a consciência de ter cumprido o meu dever.

Rio, 18 de novembro. O AUTOR. Depois do prólogo, o autor costuma fazer uma introdução, na qual apresenta o plano geral de sua obra, e prepara o espírito do leitor para seguir o desenvolvimento das idéias contidas na sua obra.

Passemos pois à

INTRODUÇÃO

Esta semana que acabou apresentou uma face curiosa pelo lado da insipidez.

Portanto o leitor não deve esperar uma descrição poética, nem mesmo essa variedade que encanta e deleita.

Omnis variatio delectat2.

Apenas procurarei fazer a narração fiel, não desses boatos sem fundamento que pôr aí correm, mas daquilo que eu próprio vi e ouvi3.

Começarei pelo começo.

1 O autor alude naturalmente à representação da Fidanazata Corsa, à subida do balão, ao desenvolvimento e

progresso da ciaque do teatro lírico, que sem dúvida teve um grande alcance para o futuro do país.

2 A citação latina, além de dar ao livro um certo cunho de erudição, é uma linha que se poupa e que o autor

enche à custa dos que o precederam. (Nota do folhetinista).

Feita a introdução, passa-se ao primeiro capítulo, que é uma espécie de segunda introdução.

Alguns autores usam capítulos com sumários; outros apenas dão uma idéia geral daquilo sobre que vão tratar.

O meu autor é deste último sistema.

Eis o índice dos capítulos, que forma a 4ª página:

Cap. 1º - Em que o autor mostra pôr que feliz acaso lhe veio a idéia de escrever este livro.

Cap. 2º - Em que o autor, depois de refletir profundamente; resolve-se a começar pelo princípio e acabar pelo fim.

Cap. 3º - Que serve para mostrar como o domingo e a segunda-feira foram dois dias muito insípidos.

Cap. 4º - Como o autor foi ao teatro lírico terça-feira ouvir música, e voltou muito desgostoso pôr causa da chuva, que fez com que a casa estivesse inteiramente vazia.

Cap. 5º - No qual se contam duas viagens importantes que fez o autor esta semana, uma ao redor da baía no vapor Marques de Olinda, e outra ao redor de uma mesa de almoço ao vapor do champanha.

Cap. 6º - Em que o autor, não tendo mais nada que contar, começa a dar tratos à imaginação para descobrir alguma boa idéia e encher o resto das páginas que lhe faltam.

Cap. 7º - Como o autor, sempre à busca da sua idéia, começa a roer as unhas, indício certo de que a imaginação já vai se iluminando.

Cap. 8º - No qual o autor lembra-se finalmente que podia falar da Grua e da Charton; mas pôr fim resolve-se a fazer reticência.

Cap. 9º - Em que o autor trata de diversas coisas, e especialmente de encher papel. Cap.10º - Que serve de conclusão à obra.

Agora, eu podia escrever todos estes capítulos: mas de que servia?

Todo o mundo sabe que um livro hoje em dia não é mais do que o título, o prólogo, a introdução, e o índice dos capítulos.

O leitor passa os olhos rapidamente, folheia o livro, e apenas de espaço a espaço encontra uma boa idéia, um trecho interessante.

O mais não vale a pena ler, porque reduz-se a uma meia dúzia de palavras, a uma caterva de citações.

Suponha portanto o leitor que, depois de ter lido o título, folheia o nosso livro, e lê unicamente os seguintes trechos:

Afonso Karr diz não sei onde que o elogio não tem merecimento, senão quando aquele que elogia podia dizer o contrário, e aquele que é elogiado podia consentir que se fizesse uma censura.

Eu, que não posso deixar de aceitar este preceito de mestre, que o acho muito justo e razoável, sempre que censuro é unicamente para dar valor ao elogio quando chegar a ocasião de faze-lo.

Quando censurar a Charton, é unicamente para mostrar que os elogios que lhe fizeram foram merecidos; quando fizer um reparo a respeito da Grua, é somente porque desejo ter ocasiões de lhe fazer todos os elogios.

Demais uma censura tem sua graça e seus chistes, enquanto que o elogio constante é de uma monotonia insuportável.

Quem poderia aturar um céu azul, um sol brilhante e um dia límpido e sereno, se não fosse a chuva e a temperatura de que lhe servem de contraste?

Quem admiraria as moças bonitas, se não fosse a quantidade de mulheres feias que existe neste mundo, e que se encontra a cada passo?

Quem apreciaria certas iguarias, se não fosse a pimenta, a mostarda, e o tempero de que são adubadas?

O mesmo sucede com o elogio; a censura é a pimenta que lhe dá o sainete, é a fome que o faz saboroso, é a tempestade que quando se desfaz deixa o céu mais límpido e sereno.

Acho esta teoria tão boa que estou resolvido, pelo bem de todos, a sacrificar-me e a não elogiar a mais ninguém.

De agora em diante arrogo-me o direito de crítico, e começo a fazer censuras pôr conta dos elogios que já fiz e dos que possa vir a fazer.

E portanto comecemos.

Censuro em primeiro lugar os admiradores das cantoras que não admitem a menor observação, pôr mais delicada que seja.

Parece que ´`a força de olharem para o sol ficaram deslumbrados, e não vêem pôr conseguinte aquilo que salta aos olhos.

Censuro depois as próprias cantoras, porque julgam que é, exagerando-se que hão de realçar o seu merecimento.

Todos nós sabemos que isto nada vale; há bem pouco tempo que o céu mesmo nos deu uma lição mostrando-nos ao meio-dia uma estrela junto do sol.

O sol brilhava, mas a estrela derramava sua luz calma e serena.

Finalmente censuro-me a mim mesmo, porque não penso como os outros; e censuro ao meu leitor pôr não ter melhor empregado o seu tempo.

Finalmente censuro-me a mim mesmo, porque não penso como os outros; e censuro ao meu leitor pôr não ter melhor empregado o seu tempo.

VII

25 de novembro de 1855 Falemos das flores.

O que é uma flor?

Será esta criação vegetal que na primavera se abre do botão de uma planta?

Não: a flor é o tipo da perfeição, é a mais sublime expressão da beleza, é um sorriso cristalizado, é um raio de luz perfumado.

Pôr isso há muitas espécies de flor.

Há as flores do céu – as estrelas, - que brilham à noite no seu manto azul, como os olhos de uma linda pensativa.

Há as flores do ar – as borboletas, - que têm nas suas asas ligeiras as mais belas cores do prisma.

Há as flores da terra – as mulheres, - rosas perfumadas que ocultam entre as folhas os seus espinhos.

Há as flores dos lábios – os sorrisos, lindas boninas que o menor sopro desfolha.

Há as flores do mar – as pérolas, - filhas do oceano que saem do seio das ondas para se aninharem no seio de uma mulher morena.

Há as flores da poesia – os versos, - às vezes tão cheios de perfumes e de sentimentos como a mais bela flor da primavera.

Há as flores da religião – as preces, - modestas violetas que perfumam a sombra e o retiro.

Há as flores da harmonia – os gorjeios – que brincam nos lábios mimosos de uma bonequinha sedutora.

Há as flores do espírito – os ziguezagues, - que nascem sobre o papel como rosas silvestres e sem cultura.

(Não falo dos nossos ziguezagues, que, quando muito, são flores murchas).

Há enfim uma espécie de flor que é tão rara como a tulipa negra de Alexandre Dumas, como o cravo azul de Jean-Jacques, como o crisântemo azul de George Sand.

É a flor da vida, este sonho dourado, este puro ideal a que todos aspiram e de que tão poucos gozam.

Porque a flor da vida apenas vive um dia, como as rosas da manhã que a brisa da tarde desfolha.

E quando murcha, deixa dentro d’alma os seus perfumes, que são essas recordações queridas que nos sorriem ainda nos últimos tempos da existência.

Para uns a flor da vida nasce nos lábios de uma mulher; para outros no seio de um amigo.

Feliz do caminhante que à beira do bosque pôr onde passa colhe esta florzinha azul, espécie de urze cingida de uma coroa de espinhos.

Muitas vezes, depois de muitas fadigas, quando já tem as mãos feridas dos espinhos, e que vai colher a flor, ela se desfolha.

O vento soprou sobre ela, ou um verme roeu-lhe os estames.

Até aqui os meus leitores têm visto o mundo pelo prisma de uma flor; mas não se devem iludir com isso.

Algum velho político de cabelos brancos lhes dirá que isto são simples devaneios de uma imaginação exaltada.

A flor é a poesia, mas o fruto é a realidade, é a única verdade da vida.

Enquanto pois os poetas vivem à busca de flores, os homens sérios e graves, os homens práticos só tratam de colher os frutos.

Eles vêem desabrochar as flores, exalar os seus perfumes, e esperam como o hortelão que chegue o outono e com ele o tempo da colheita.

E na verdade, a flor encerra sempre o germe de um fruto, de um pomo dourado, que outrora perdeu o homem, mas que é hoje a sua salvação.

A explicação disto me levaria muito longe, se eu não me lembrasse que até agora ainda não escrevi uma linha de revista, e ainda não dei aos meus leitores uma notícia curiosa.

Mas, a falar a verdade, não me agrada este papel de noticiador de coisas velhas, que o meu leitor todos os dias vê reproduzidas nos quatro jornais da corte, em primeira, segunda e terceira edição.

Poderia dizer-lhe que depois da epidemia vai-se revelando uma outra epidemia de divertimentos, realmente assustadora.

Fala-se em clube artístico, em baile mascarado no teatro lírico, em passeios de máscaras pelas ruas, numa companhia francesa de vaudevilles, e em mil outras coisas que tornarão esta bela cidade do Rio de Janeiro um verdadeiro paraíso.

Neste tempo é que os folhetinistas baterão as asas de contentes, e não terão trabalho de escrever tiras de papel; preferirão ir ao baile, ao passeio, ao teatro, colher as flores de que hão de formar o seu bouquet de domingo.

Enquanto porém não chega esta bela quadra, essa primavera dos salões, esse abril florido da nossa sociedade, não há remédio senão contentarmo-nos com o que temos, e em vez de rosas, apresentar ao leitor as folhas secas do ano.

A respeito de teatro, não falemos; é uma casa em cujo pórtico (digo pórtico figuradamente) a prudência parece ter gravado a inscrição de Dante: - Guarda e passa.

Se desprezais o aviso e entrais, daí a pouco tereis razão de arrepender-vos.

Sentai-vos em uma cadeira qualquer: a vossa direita está um guísta; a vossa esquerda um chartonista.

Levanta-se o pano: representa-se a Norma ou a Fidenzata Corsa; canta uma das duas prima-donas, uma das duas prediletas do público.

-Bravo! grita o gruísta entusiasmado.

-Que exageração! diz o chartonista estirando o beiço. -Divino!

-Oh! é demais! -Sublime! -Insuportável!

E assim neste crescendo continuam os dois dilettanti, de maneira que o vosso ouvido direito está sempre em completa oposição com o vosso ouvido esquerdo.

Cai o pano.

No intervalo conversai um pouco com os vossos vizinhos.

-É preciso ser completamente ignorante, diz o gruísta com o aplomb de um maestro, para não se apreciar a sublimidade do talento desta mulher!

Vós, meu leitor, que não quereis assinar um termo de ignorante, não tendes remédio senão confessar-vos gruísta, e em lugar de dois pontos de admiração dais três.

-Com efeito, é uma artista exímia!!!

Apenas acabais a palavra, quando o chartonista vos interroga do outro lado.

-É possível que um homem de gosto e de sentimento admita semelhantes exagerações? Ficais embatucado; mas, se não quereis passar pôr homem de mau gosto, deveis imediatamente responder:

-Com efeito, não é natural.

Daí a um momento o vosso vizinho da direita retruca: -Veja, todos os camarotes da 4ª ordem estão vazios. -É verdade!

Torna o vizinho esquerdo: -Com esta chuva, que casa, hem! -Boa!

Agora acrescentai a isto as desafinações do Dufrene, a rouquidão do Gentile, os cochilos do contra-regra, e fazei idéia do divertimento de uma noite de teatro.

No documento AO CORRER DA PENA José de Alencar (páginas 154-158)

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