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FOLHETINS DO “DIÁRIO DO RIO” (De 7 de outubro de

No documento AO CORRER DA PENA José de Alencar (páginas 137-147)

a 25 de novembro de 1855) 1

7 de outubro de 1855 Correi, correi de novo, minha boa pena de folhetinista!

És livre, como tuas irmãs, que cortam os ares nas asaa ligeiras; abri o vôo, lançai-vos no espaço.

Avante.

Mas como estão mudados os tempos; como são diferentes os dias de agora, daquelas semanas em que brincavas sorrindo com os bailes, com as moças, com a música, com tudo que era belo e sedutor!

Então tudo eram flores, - flores mimosas que desabrochavam aos raios de um belo sol de primavera, - que brilhavam sob um céu azul perfumando aqueles dias tão tranqüilos e tão serenos.

Hoje as rosas murcharam, o céu turvou-se; e nesta sáfara da vida por que passamos atualmente, apenas florescem os cardos com seus espinhos, as saudades com a sua melancolia, e os goivos com o seu triste emblema.

Felizmente todo o deserto tem seus oásis, nos quais a natureza por um faceiro capricho, parece esmerar-se em criar um pequeno berço de flores e de verdura, concentrando nesses cantinhos de terra toda a força de seiva necessária para fecundar as vastas planícies.

Assim nesta quadra de amarguras e sofrimentos, encontram-se de espaço a espaço alguns corações ricos de virtudes e de sentimento; são os oásis deste tempo.

Aí sim; aí há flores; não as rosas brilhantes de outrora ou as camélias aveludadas dos salões; mas as flores modestas, filhas da sombra e do retiro, as flores do – sentimento, as violetas.

Vós, minhas leitoras, que sabeis sentir, bem compreendeis o que são estas violetas de que falo; são as flores singelas de vossa alma, - a caridade, a beneficência, o zelo e a abnegação.

Também me compreendem os pobres e infelizes, que tantas vezes durante estes tempos de provação tem sentido os perfumes suaves, a fragrância consoladora dessas flores do coração, - flores que desabrocham orvalhadas com as lágrimas da desgraça e do sofrimento.

E sobre tudo isto, há ainda a religião, - a nossa bela religião de Cristo, - mãe extremosa de todos os órfãos, - a irmã desvelada de todos os infelizes, - a amiga e companheira fiel dos pobres, - a consoladora de todas as misérias, e todas as aflições.

É ela que nos há de dar força e coragem para atravessarmos com resignação esses dias de atribuição, que felizmente parece irão pouco a pouco se acalmando, até nos deixarem aquela serenidade dos belos tempos de que hoje temos tanta saudade.

E agora, minhas leitoras, deixai-me dar-vos um conselho, que estou certo haveis de acolher com toda aquela amabilidade com que outrora acompanháveis os ziguezagues desta minha pena caprichosa, que bem vezes vos dava sérios motivos para um arrufo, para um enfado.

Voltemos porém ao conselho; não penseis já que é algum conselho muito grave, muito sério, vestido de calça e casaca preta com gravata branca, - à guisa de um antigo conselheiro da coroa.

Não; - é um pequeno conselho bem próprio para moças bonitas como sois, - um conselho que tem além de todas as outras vantagens, o merecimento de mostrar as pérolas de vossos dentes, e de fazer da vossa boca uma florzinha cor-de-rosa.

Aconselho-vos, que apesar dos tempos em que estamos, apesar de tanta tristeza e melancolia que envolve esta bela cidade, apesar de tudo, apesar mesmo das lágrimas, não deixeis de sorrir.

Notai porém que eu digo simplesmente sorrir e não rir.

O riso, é esta expressão vulgar com que exprimimos a alegria, e o humor; é muitas vezes mesmo um movimento nervoso, sem sentido sem significação, um hábito que se contrai como tantos outros, como o costume de estalar os dedos, de alisar o bigode, ou endireitar o colarinho.

Assim rir, quando alguém sofre, quando nossos irmãos padecem, é uma ofensa amarga, um insulto à dor e a desgraça; porque esse riso, se não é um escárnio, é uma indiferença fria. É uma insensibilidade estúpida.

Mas o sorriso, é diferente.

O sorriso, é esta exalação da alma, que nos momentos de calma e tranqüilidade vem desabrochar nos lábios, e abrir-se como uma dessas flores silvestres que o menor sopro desfolha.

Nunca vistes nas noites cálidas e límpidas, essas estrelas brilhantes que atravessam o horizonte, traçando no espaço um rasto luminoso, e brilhando um momento entre a escuridão das trevas?

Dizem que isto é um efeito da eletricidade. Pois o sorriso, - como as estrelas filantes, - é produzido também por esse choque de emoções, e de sentimentos, que se pode bem considerar como a eletricidade moral.

Portanto não há mal nenhum, minhas belas leitoras, em que deixeis vossos lábios sorrirem, e vossas almas expandirem-se no lindo rosto; há sorrisos alegres, porém, também os há serenos, tristes e melancólicos.

Demais, peço-vos isto também por nós. Que quereis que façamos, se nestes dias aflitos não virmos brilhar uma estrela, uma flor, um sorriso?

Quanto a mim, sou como o marinheiro do Mediterrâneo, perdido na vasta amplidão dos mares, batido pela procela, que no meio da escuridão e do vendaval, apenas vê brilhar no céu uma estrela furtiva, sente-se reanimado, cria novas forças, e murmura a sua prece. Ave Maria Stella.

Assim no meio dos desgostos e das tribulações, quando virdes um sorriso despontar nos lábios de uma linda mulher que vos ame, podeis fazer como o marinheiro; ajoelhai e murmurai a vossa prece. Ave Maria Stella.

Portanto, minhas belas leitoras, sorri, sorri sempre, como sorri o céu, o mar, e tudo que é belo; porque foi este o destino que deus deu as coisas mimosas: porque é esta a missão que representam neste mundo a beleza e a graça.

E quando quiserdes sorrir, não esquecei o vosso protegido, o Ginásio, aquele pequeno e lindo teatro, sobre o qual tantas vezes conversamos outrora, nos domingos.

Ainda é o mesmo; sempre digno da vossa solicitude, sempre esforçando-se em corresponder a amabilidade com que o tratais.

Depois que nos separamos tão repentinamente, tem havido nele muita coisa de novo, muita representação interessante; porém de tudo o que se me tem contado, a mais bela noite do Ginásio foi a de quinta-feira, - em que teve lugar o benefício dos pobres.

Se eu já não soubesse, minhas leitoras, que amais de coração este bom teatrinho, que vos dá tantas horas de agradável passatempo, podia contar que depois deste ato de beneficência, não lhe recusaríeis a vossa proteção, e sobretudo a vossa presença, que é a maior proteção que pode dar uma linda moça.

Não sei sobre que mais hei de falar-vos que já não tenha sido dito e repetido pôr tantas penas delicadas, que vos apresentam todos os domingos a história da semana.

Sobre Norma?

Quem é que não foi ver no teatro lírico esta criação de Emy La Grua; quem não ouviu esse canto inspirado e profundo que os faz correr pelo corpo um arrepio de emoção?

Norma, como a vi num desses dias no teatro lírico, fez-me compreender o episódio da Velleda dos Mártires de Chateaubriand, que, segundo dizem, forneceu o assunto deste pequeno poema de paixão violenta, de ciúme selvagem, e de amor sublime.

Falam pôr aí de algumas exagerações que pretendem haver na criação deste papel dramático; mas quem assim pensa, não tem uma verdadeira idéia da arte.

Pôr mim, não concebo que um crítico possa dizer ao poeta, ao artista, ao gênio, enfim como Deus disse ao mar: - Vós não passareis daqui.

Desde o momento em que o homem, nos vôos de sua inteligência se eleva acima das circunstâncias ordinárias da vida, desde que o seu pensamento se lança no espaço, possuído desse desejo ardente, dessa inspiração insaciável de atingir ao sublime, não é possível marcar- lhe um dique, um ponto que lhe sirva de marco.

Ide dizer ao poeta que não deixe correr a sua imaginação pelos espaços infinitos da fantasia, - ide dizer ao pintor que force o seu pincel quando corre inspirado sobre a tela, e eles vos responderão que o pensamento que os anima neste instante escraviza e esmaga a sua vontade; que a alma e o corpo cedem à força da inspiração que os arrebata neste momento.

Como o poeta, como o pintor, é o artista dramático, quando se acha possuído de seu papel, quando sente abrasar-se-lhe nas veias o fogo sagrado; é preciso ainda notar que este tem mais um motivo para deixar-se arrastar, tem os aplausos e os bravos de uma multidão inteira.

Assim, tudo isto a que vulgarmente chamam exagerações, são apenas os arrojos da imaginação do artista, os primeiros esboços de sua criação, que ele ainda não teve tempo de polir e de limar; pôr isso se houverdes visto a Norma todas as vezes como eu, de certo tereis reparado que cada dia uma dessas exagerações vai tomando nova forma, vai-se desenhando mais brilhante, mais luminosa, como um painel que se retoca.

Pôr tudo isso que tenho escrito, não penseis que me faço um defensor cego de La Grua, um defensor quand même da cantora que é hoje a estrela brilhante do teatro Lírico.

Não: - nem ao público, nem a ela, nem a nós, conviria uma admiração tão cega, que excluísse a franqueza, quando pôr acaso se tornasse necessária.

O artista, a quem julgo ofender dizendo-lhe a verdade, e apontando-lhe um erro, - é sempre um artista medíocre que vive da sombra da glória, sem merecimento real.

Pôr isso nós, com Emy La Grua, faremos, se for necessário, como dizia Afonso Karr a propósito das mulheres bonitas; faremos como o escultor que talha o mármore de uma estátua, não para ofende-la, mas para modelar-lhe as formas elegantes e arredondar-lhe os mimosos contornos.

Se for necessário, o dissemos nós, porque parece-nos que nunca teremos ocasião de fazer de nossa pena de folhetinista um buril de escultor.

Al. II

Estava olhando para o fundo do meu tinteiro sem saber o que havia de escrever, e de repente veio-me à idéia um pensamento que teve Afonso Karr, quase que em idênticas circunstâncias.

Lembrei-me que talvez aquela meia onça de líquido negro contivesse o germe de muita coisa grande e importante. E que cada uma gota daquele pequeno lago tranqüilo e sereno podia produzir uma inundação e um cataclismo.

De fato o que é um tinteiro?

É a primeira vista a coisa mais insignificante do mundo; um traste que custa mais ou menos caro, conforme o gosto e a matéria com que é feito.

Entretanto, pensando bem, é que se compreende a missão importante que tem um tinteiro na história do mundo, e a influência que pode exercer nos futuros destinos da humanidade.

Assim pôr exemplo, aquele meu tinteiro, que ali está encestado a um canto, se pôr voltas deste mundo fosse parar a Europa, podia tornar-se célebre na história do gênero humano.

Lamartine ou Vitor Hugo se quisessem tirariam dali um poema, um drama, um livro cheio de poesia e de sentimento.

Rotschild, ou qualquer banqueiro da Inglaterra, podia com uma simples gota fazer surgir milhões e produzir de repente uma nova chuva de ouro.

Qualquer mulher bonita, com um só átomo daquela tinta, faria a felicidade de muita gente escrevendo na sua letrazinha inglesa três ou quatro palavras.

Meyerbeer ou Rossini num momento de inspiração achariam ali uma ópera divina, uma música sublime, como o Trovador, a Semiramis, ou o Nabuco

Enfim, o papa amaldiçoaria o mundo inteiro, como acaba de fazer com o Piemonte; Napoleão declararia a guerra à Europa; a Inglaterra levaria a destruição pôr todos os mares; e a guerra à Europa; a Inglaterra levaria a destruição pôr todos os mares; e a guerra do Oriente se terminaria de repente.

E tudo isto, todas essas grandes revoluções, todos esses fatos importantes, todas essas coisas grandes, dormiam talvez no fundo do meu tinteiro, e dependiam apenas de um capricho do acaso.

Para mim porém, para mim, obscuro folhetinista da semana, o que podia haver de interessante nas ondas negras da tinta que umedecia os bicos de minha pena?

Um devaneio sobre o teatro lírico, uma poesia sobre algum rostinho encantador, uma crítica mais ou menos espirituosa sobre a quadra atual, tão fértil em episódios interessantes para uma pena que os soubesse descrever e comentar?

A minha pena porém, já não presta para essas coisas; de travessa, de ligeira, e alegre que foi em algum tempo, tornou-se grave e sisuda, e olha pôr cima do ombro para todas essas pequenas futilidades do espírito humano.

A culpa porém não é dela; é a influência diabólica dessa quadra, que merece ser riscada dos anais da crônica elegante.

De fato, como se pode hoje brincar sobre um assunto, escrever uma página de estilo mimoso, falar de flores e de música, se o eco da cidade vos responde de longe: - Pão, - epidemia, - socorros públicos, - socorros públicos, - enfermaria!

Estais no teatro, esquecido deste mundo e de suas misérias, ouvindo a Grua cantar algum belo trecho de música, ou a Charton trinar as suas notas de rouxinol francês; não vos lembrais de coisa alguma, senão de que tendes a alma nos olhos, e os olhos noutros olhos, - quando sentis no ouvido um zumbido pouco harmônico.

É um sujeito que acabou de cear à luta e que vos pergunta como vai a epidemia, ou vos conta dois ou três casos que ele presenciou, e cuja impressão agradável deseja comunicar-vos como vosso amigo.

Se deitais o óculo para algum camarote e começais a contemplar um talhe elegante ou um colo acetinado, é justamente neste momento que um economista de polpa vos agarra para discutir a magna questão da farinha de trigo, e do comércio do pão de rala. Ainda se fosse a questão das carnes, - podia ter sua analogia!

Como é possível pois ter um pouco de poesia, e de espírito numa semelhante época? Conto escrever duas linhas sem falar da epidemia reinante, dos atos de caridade, e das enfermarias?

Se isto continua, daqui a pouco os jornais tornar-se-ão uma espécie de boletim; não há nada que diga respeito à moléstia que não se anuncie.

Abri um jornal qualquer do dia, e vereis pouco mais ou menos o seguinte:

“O Sr. A, partiu para tal parte; o Sr. B, voltou de tal lugar; o Sr. C, vai para tal vila; o Sr. D, tem dado providências; o Sr. E, ofereceu mil cobertores; o Sr.F, adoeceu, mas já ficou bom.

E assim pôr diante; ninguém escapa a esta febre de publicação, que já se estendeu até aos diversos períodos da moléstia.

No meio de tudo isto, as mulheres andam inteiramente absorvidas com a caridade, e não pensam noutra coisa; e a tal ponto, que as moças bonitas já não aparecem, de tão ocupadas que têm estado a fazerem trabalhos para o leilão de hoje.

O que há de ser este leilão, eu adivinho; há de ser uma linda festa, muito concorrida, onde a caridade brilhará no meio de sorrisos graciosos e de olhares brilhantes; em que o amor, a vaidade, o orgulho, todas essas paixões mundanas servirão de pedestal à bela estátua da virtude celeste.

É aí, que as lindas mulheres vão retribuir à Providência, os tesouros de beleza e de graça, que a natureza lhes deu; é aí que o seu belo olhar, o seu sorriso, o seu gesto elegante, pedindo para os pobres, renderão a Deus um verdadeiro culto.

Hoje pois terá lugar uma larga remissão de pecadilhos, e uma justa penitência da parte das moças bonitas e coquettes, que pôr tanto tempo zombaram impunemente dos protestos e da paciência de seus adoradores.

Deixemos porém estes assuntos já esgotados, e voltemos ao teatro lírico, que é atualmente o ponto de reunião mais interessante desta bela capital.

Ultimamente a nossa cena lírica ia perdendo muito no espírito público; embora possuísse duas artistas de incontestável merecimento, o repertório estava já tão conhecido que não oferecia a menor variedade.

Eu, pelo menos, ia ao teatro como um homem levado pelo hábito e acostumado a ouvir todas as noites, recostado à janela, cantar nas moitas do seu jardim alguma ave melodiosa.

Uma noite, era um rouxinol que gorjeava as suas canções mimosas, - era a Charton. Outra, era a sereia que embriagava com os sons palpitantes de sua voz harmoniosa, - era Emy. Havia gente, que gastava o seu tempo a discutir o que era mais agradável e mais artístico. Os homens de juízo e de bom gosto faziam como eu; admiravam a estrela do céu, e a flor do campo, sem procurar saber qual era mais bela.

Agora porém parece-nos que o teatro lírico vai tomar outro aspecto; preparam-se novas óperas, e trata-se de criar um novo repertório.

Além da Sapho que se deve representar breve, teremos com a Charton a Fidanzata Corsa cujo ensaio começou ontem, e depois o Nabuco com E. La Grua e o Walter.

Para o dia 2 de dezembro fala-se numa composição francesa, e numa ópera em que cantarão juntas as duas prima-donas rivais.

Com a chegada porém de Tamberlich e de Julienne Dejean, é que a nossa cena se reanimará completamente; e que fará gosto assistir a uma dessas lutas do talento e da arte, lutas cujos troféus são as camélias, as rosas, e os lindos ramos de flores que se abatem aos pés do vencedor.

A vinda do Tamberlich, é sobretudo muito necessária, não só pôr não termos um bom tenor, como pôr consideração para com as nossas patrícias.

Na verdade é uma injustiça imperdoável, que elas não tenham um cantor pôr quem se entusiasmem; entretanto, que nós temos Emy, Arsene, e Anneta; nada menos do que três, isto é; - um número suficiente para revolucionar o mundo.

Começo de novo a olhar para o fundo do meu tinteiro para ver se ainda há alguma coisa.

Esperai! Lá vejo surgir o que quer que seja, - um pequeno ponto, um ponto quase imperceptível e confuso, que vai pouco a pouco se tornando mais distinto, como uma vela que desponta no horizonte entre a vasta amplidão dos mares.

Talvez nos traga coisas interessantes e curiosas; notícias que vos compensem da insipidez destas páginas ingratas.

Oh! O ponto cresce, cresce! Vai tomando a fisionomia de uma espécie de porteiro de secretaria, ou de bedel de academia.

Agora vejo-o distintamente; é um amigo velho!

-Bem-vindo, meu bom amigo, bem-vindo, amigo sincero dos folhetinistas e dos escritores, bem-vindo, ponto final!

Não há remédio, senão ceder-vos o lugar que vos compete; ei-lo,

(.) III

28 de outubro de 1855 Estava sem inspiração, o que me sucede muita vez.

Abri um livro, nem me lembra que livro era.

A primeira palavra que vi foi em latim; era um provérbio: Res est magna tacere.

Façam idéia, pois, que impressão podia produzir uma semelhante máxima num espírito que procurava inspirações.

Quando eu desejava um tema para falar, - e falar mais do que uma moça que discute modas, ou um ministro que falta a uma promessa, - salta-me pela frente a sabedoria romana, e manda-me calar da maneira mais impertinente.

Ora para um folhetinista que não quer absolutamente indispor-se com os sábios, não havia remédio senão obedecer.

Resolvi portanto calar-me.

A resolução era a mais prudente, e também a mais cômoda possível mas tinha um inconveniente.

Os meus leitores, e sobretudo as minhas maliciosas leitoras, eram muito capazes de supor que me calava pôr não ter nada que dizer.

Isto seria uma quebra para a minha reputação de folhetinista; seria uma falta imperdoável para aqueles que julgam que o espírito de um escritor de revista deve ser uma esponja que durante a semana se embebeda e sature de idéias, e que ao domingo se esprema no papel, e deite uma chuva de bonitos pensamentos e lembranças graciosas.

Ora, apesar de não pretender a glória desta comparação polipiana, contudo o meu amor-próprio não podia consentir que me visse decaído das boas graças do leitor pôr causa de três palavras latinas.

E três palavras latinas que eram pôr si mesmas uma mentira e uma contradição; porque, se o tal sábio (Salomão ou Sócrates) estivesse bem convencido da utilidade de calar-se, não teria a indiscrição de falar e dizer aquelas palavras: Res est magna tacere.

Mas é que todos os sábios deste mundo são assim; pregam muito boas máximas, excelentes conselhos, e eles são os primeiros que fazem o contrário, e que dão o mau exemplo.

Tudo isto porém nada tem com a questão; o que é verdade é que me achava na mais difícil posição do mundo; pôr um lado a prudência e a sabedoria mandavam que me calasse,

No documento AO CORRER DA PENA José de Alencar (páginas 137-147)

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