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1. Além dos filmes Bandeiras Verdes e Quem matou Elias Zi você participava de outras produções?

Murilo Santos: Sempre trabalhávamos em conjunto, colaborando um com o trabalho do

outro, principalmente no Super-8, éramos uma aldeia. Na Greve da meia passagem, do Euclides, eu fiz algumas imagens em 16mm. Foram as imagens da comemoração por terem conseguido garantir a meia passagem. Fiz muitas imagens também da confusão. Ainda tenho as cenas que gravamos em São José de Ribamar, uma semana depois da greve, pois, surgiu a conversa de que poderia haver uma greve também por lá. As pessoas

diziam a greve vinha se arrastando, igual uma romaria... Em Bandeiras Verdes, o Bala, se referiu a romaria também com esse sentido de confusão quando descreveu que em uma festa todos saíram correndo de greve, que seria a multidão correndo.

Na Greve da meia passagem nós produzimos uma cena de introdução ficcional, simulando um interrogatório pela polícia. E eu fiz a voz do policial. Naquela época, os filmes que tratavam de temáticas policiais, os dubladores paulistas descendentes de italianos puxavam muito o ‘r’, e decide fazer o mesmo, quase aquele tom que se falava no rádio. Queria fazer uns parênteses! Mesmo considerando a greve de 79 importante como marco político, eu acho mais importante como movimento a greve de 51. E ouso dizer que em termos de repressão a greve em 79 não representa todo a violência que sofreu o campo com a ditadura. O problema disso tudo é que fica como se ao se resolver a questão pontual da meia passagem, se resolveu o problema da repressão, o que é um engano. O camponês vivia um clima de tensão, chacina que até hoje é percebido.

Lembro que um determinado evento, uma mesa redonda que dividi com o Silvio Tendler foi questionado sobre a imagem da ditadura e isso me fez questionar que o que lembramos de fato é sempre o conflito ligado a força policial nos centros urbanos, como na greve da meia passagem, o problema é ter isso como a única versão e esquecer de que uma imagem forte da ditadura é ter um camponês fazendo compras no mercado e ser assassinato com tiros a queima roupa [morte de Elias Zí], isso para mim também uma imagem da ditadura. Não quero minimizar a força da mobilização dos estudantes, mas prefiro ressaltar que a função do cinema é sempre informar, um outro ponto de vista. Imagina a cena das pessoas cavando suas próprias sepulturas, ou sendo chacinadas? Isso era ditadura no campo. No caso do Elias Zí, o filme mostra que a violência rural também foi muito grande, mas muito deles acobertados, pois, além de não ser interesse da cobertura jornalística, a produção cinematográfica no campo sofria sérias limitações. Nos meus trabalhos indo para os municípios, sempre levava a máquina e um rolo 16mm, mas não era com objetivo de fazer um filme.

O grupo do super-8 naquele momento procurava uma maneira de se expressar, como poderia ter sido com grafite, ou fanzine, mas, o super-8 atendia uma demanda nacional por produzir imagens. Muitos mexiam com Super-8, mas poucos tinham a característica da militância.

O meu trabalho é fruto do envolvimento direto com as questões da terra, trabalhei na pastoral da terra e ajudei a fundar a Sociedade de Direitos Humanos.

Minha experiência no Laborarte e os trabalhos que desenvolvi com minha esposa na época, Maristela, que é antropóloga me ajudou a cultivar a ideia de que o cinema precisa ser uma linguagem de acesso ao povo, a serviço do povo, não me preocupo tanto com estética do filme ou em novar a linguagem a preocupação maior é se qualquer um que assistir vai entender a mensagem.

Quando eu trabalhei no Bandeiras Verdes, levou quase dez anos, pois, incialmente não era a proposta de um filme, e sim a pesquisa que desenvolvemos a pedidos da Associação do Trabalhadores Rurais que queria produzir um material didático que explicasse e conscientizasse a comunidade do campo. Assim, registrávamos por escrito e eu aproveitava para fazer algumas imagens. Em uma dessas viagens, a Santa Luzia do Tide, soubemos da morte de Elias Zí, daí mudamos a rota e fomos para lá. Chegamos no velório e fizemos cerca de sete minutos de gravação. A minha ideia era registrar o máximo de cenas, a proposta era a câmera na mão e eu como testemunha ocular.

2. E como foi pensar no roteiro e na montagem do Elias Zí?

MS: Quando montei, optamos por uma animação feita estilo cordel que meu irmão

desenhou e fez a trilha original. A ideia também era ser bem didático, pois, o filme era para ser exibido para os camponeses primeiramente, depois que surgiu a possibilidade exibir em festivais. A arte do desenho era inspirada no olho frontal que sempre dá a ideia de que o desenho enxerga o espectador. A animação também cumpriu um papel importante, pois, não tínhamos imagens do Elias, daí o desenho que representa ele foi inspirado em uma foto.

3. E como foi pensar no roteiro e na montagem do Bandeiras Verdes?

MS: A estratégia do off, neste caso a narrativa em primeira pessoa foi algo para aproximar

de um diário de campo, me fazer personagem também, mostrar que eu estive ali. As cartelas e mapas seguem essa proposta didática. Depois de alguns anos do trabalho de pesquisa feitos para descrever o processo de expansão de terras, voltei para fazer a entrevista com o Bala, mas ele já havia morrido e então entrevistei D. Rosa, na época mulher dele. Ela foi muito relutante, só decidiu dar a entrevista depois de três dias; senti que queria se preparar e que até existia um receio em função do novo marido, mas quando ela decidiu, pediu para que gravássemos com ela no local do túmulo do Bala. Na proposta de roteiro, esbocei uma forma que não se sentisse a falta da imagem do Bala quando D. Rosa dissesse que ele havia morrido, foi bem emocionante. Nesse trabalho no campo, a captação de imagem é essencial para mostrar as pessoas que não conhecem o que acontece de fato.

4. E a repercussão dos trabalhos?

MS: O Bandeiras Verdes ganhou pelo menos cinco premiações em Brasília, ganhamos

também na época na Jornada. Quem matou Elias Zí? Também foi muito bem recebido, exibimos primeiro na comunidade e foi um momento em que todos reconheceram a figura do Elias Zí na animação. Até hoje os filmes são discutidos e usados em palestras e treinamentos para ação educativa no campo. Essa é uma perspectiva que eu acredito que a obra deve ter, um prolongamento de sua mensagem no tempo, discutido e lembrado. No que se refere a linguagem eu nunca segui nenhuma tendência de Glauber Rocha ou outro ligado ao cinema direto, nem ninguém do super-8. Nunca nos reunirmos para definir que a partir daquele instante faríamos filmes daquela forma. Mas é relevante a influência que o momento nos fez aproximar dessa produção contestadora próxima ao cinema direto. Minha linha era mais antropológica, próximos dos franceses.