• Nenhum resultado encontrado

APÊNDICE E ENTREVISTA COM PRISCILA ARANTES

Entrevista com a Profa. Dra. Priscila Almeida Cunha Arantes, que é crítica, curadora, professora e pesquisadora no campo da arte e estética contemporânea.

Cristina Landerdahl: Qual é a sua história com a obra original? Quando conheceu/ jogou Desertesejo?

Priscila Arantes: Na verdade, esse trabalho do Gilbertto [Prado] eu conheci em 2002, logo depois dela ter sido lançada, que foi nos anos 2000, dentro da minha pesquisa de doutorado que eu fiz na PUC/SP, e que foi publicada pelo SENAC junto à FAPESP. Estamos já na segunda edição desta publicação chamada Arte e mídia: perspectivas da estética digital, que foi fruto do meu doutorado desenvolvido no Programa de Comunicação e Semiótica da PUC em São Paulo. Esta pesquisa teve como mote trabalhar com o conceito de estética que eu desenvolvo, de estética de interface ou interestética, a partir do mapeamento de produções naquele momento, que expandiam as especificidades de linguagem tal como colocadas dentro dos âmbitos da modernidade, escultura, pintura, trabalhando em diálogo a interface com outros meios, não só os meios tecnológicos e eletrônicos, mas também os digitais. Então, principalmente com o foco na questão do digital ali nesse momento, onde a gente fala muito em pós-digital, foi que eu tive, nesse mapeamento aí de uma produção inclusive brasileira, então eu fiz um levantamento da produção de arte e mídia não só dos pioneiros da arte e tecnologia no Brasil, mas com artistas que estavam trabalhando ali no início dos anos 2000. Foi aí então que eu entrevistei uma série de artistas, artistas hoje já consagrados, desde artistas como Mario Ramiro, discussões relacionadas a Diana Domingues, Suzete Venturelli, a Tânia [Fraga], Lucas Bambozzi, artistas que lidaram com slow ??? VE entre outros meios, e foi aí então que eu contatei o Gilbertto Prado em função de algumas produções dele do qual Desertesejo fazia parte. A minha história, o contato com esse trabalho, foi em função de pesquisa que eu estava fazendo naquela área sobre a produção que trabalhava com mídias digitais dentro do contexto do país no início dos anos 2000. Uma pesquisa que era mapeamento de área junto, obviamente, com o desenvolvimento do conceito de estética da interface, que é um conceito que eu venho desenvolvendo, hoje em dia em outras áreas, não só em interface de

linguagens, mas a ideia de museu como interface e trabalhando conceito de interface não só dentro do contexto das tecnologias, mas interface como aquilo que coloca em contato, estabelece uma conexão.

C: Qual foi a sua impressão inicial desta interação, relativa à época de instauração da obra?

P: Na época, ela era também, junto com as outras obras, uma obra bastante inovadora. Um ambiente completamente virtual pra aquela época era uma questão aqui no Brasil, então é um dos primeiros trabalhos, entre outros que a gente vai ter. Mas, realmente essa obra do Gibertto marca uma época desse movimento de uma série de artistas que, tal como ele, vão empreender uma pesquisa no campo dessas novas linguagens. Desertesejo ganhou alguns prêmios, foi exposta em alguns lugares, em vários lugares fora do país, e ela de fato foi uma obra, assim como outras, que inauguração essa nova faceta de produção de pesquisa com novos meios dentro do campo brasileiro.

C: Como você classifica a questão de obsolescência tecnológica com relação ao não funcionamento iminente de diversas obras que utilizam tecnologias do passado? P: A questão da obsolescência é bastante problemática mesmo, que eu venho trabalhando. É óbvio que você vai ter a questão do restauro, e a questão da conservação em relação a obras de arte, não é uma especificidade da discussão da tecnologia. Você já vai ter toda essa discussão das novas mídias, você vai ter a questão sempre do restauro e da conservação em papel, em pintura e mesmo em escultura, mas obviamente com a questão das obras computacionais, essas dimensão da memória e do esquecimento ela ganhamos novo campo de discussão, se torna mais complexo em função da obsolescência tecnológica que é um problema e que faz parte do mercado, porque na verdade faz parte de uma estratégia de mercado pra a tecnologia esteja sempre inventando pra dar conta desse suposto avanço tecnológico. Então, é uma questão, e lidar com a memória desses trabalhos é uma outra questão muito importante não só através de instituições que trabalham com iniciativas assim, que não são muitas, mas de como os museus, os espaços museais, as instituições e os próprios artistas têm lidado com a questão da memória do seu trabalho.

P: Acho que a questão do restauro de obras computacionais, esse nome acho que não é um consenso na área, mas diz respeito também à questão de restauro de obras não computacionais. Acho que é uma questão importante porquê, aí eu me coloco no lugar da historiadora, acho que é importante da gente tentar dar conta da memória e da história das coisas, ou dos artefatos, ou das produções de arte contemporânea no nosso país. Mesmo que a priori um trabalho é feito para desaparecer, se você pensar em trabalho de fax art, por exemplo, ou um trabalho que utiliza uma tecnologia que vai ficar obsoleta. Eu enquanto historiadora, do lugar da pessoa que lida com crítica de arte, do lugar da pessoa que trabalha com história, com memória, eu acho que é importante criar dispositivos pra dar conta dessa memória e documentação desses trabalhos ou do restauro desses trabalhos. Para que futuras gerações tenham acesso às questões que foram feitos [os trabalhos, os projetos].

C: Você acredita que a participação do autor na reconstrução das obras computacionais é relevante? Por quê?

P: Eu acredito que a participação do autor é importante, ou se o autor não é importante, a questão do acesso a informações fundamentais para a possibilidade de restauro do trabalho, sem que perca as questões conceituais que foram incorporadas, ou que foram delineadas pelo artista da obra.

C: Com relação à aquisição de obras computacionais, você acredita necessária a inclusão de algumas observações específicas no contrato em que apareçam instruções de instalação, croquis, possibilidades de modificação de peças físicas por outras mais atuais, e qual rumo tomar no caso de não funcionamento da obra por obsolescência tecnológica?

P: Isso diz respeito não só a obras computacionais. Por exemplo, você em termos de aquisição de acervos para museu, no caso já de instalações que não utilizam necessariamente recursos tecnológicos, a questão de você ter acesso ao projeto, a questão de você ter acesso a que tipo de material que tem que ter, da planta, ou seja, de uma espécie de documentação expandida, que é o termo que eu tenho utilizado, pra depois você poder ter acesso para conseguir remontar esse trabalho. O mesmo acontece com a aquisição das obras computacionais, eu acho que você tem que ter não só questões especificas que dizem respeito não só à instalação do

trabalho, croquis, mas também a discussão de acesso, a questões que dizem respeito a programação, outros detalhes pra poder remontar o trabalho.

Um exemplo que a gente usa é o Beabá, do Waldemar Cordeiro, que foi remontado pelo Itaú Cultural, mas porque o Itaú Cultural tinha acesso ao Giorgio Moscati que pôde, através de conversas com o pessoal do Itaú, passar as informações que diziam respeito ao “algoritmo” do trabalho, o funcionamento. Acredito que as instituições, para aquisição desse material, deveriam se certificar de todos os detalhes para que isso não fique numa dependência exclusiva da figura do autor. O problema é que eu acho que as instituições ainda não estando preparadas pra isso, essa é a questão. Elas vem os trabalhos de arte digital, por exemplo, muito semelhantes ainda ao trabalho de vídeo. Acho que as equipes institucionais ainda estão muito afeitas a uma arte mais tradicional, ainda. Acho que existe diferença sim entre a obra de arte original e o “restauro”. Não exatamente em termos conceituais, mas em termos tecnológicos. Eu acho que a experiência da obra mais restaurada, não só em termos de qualidade de imagem, mas de experiência com a imagem dentro de um contexto de ambiente imersivo de fato. Então, ela é em função do desenvolvimento tecnológico, ela ganha uma outra dimensão, podendo possibilitar àquele que tem experiência com o trabalho uma imersão maior, uma experiência diferente.

Tive sim experiência com a obra restaurada numa curadoria que eu fiz recentemente. Foi uma parceria do Paço das Artes com o MAC USP, o Museu de Arte Contemporânea da USP, eu fiz uma curadoria lá junto com a Ana Magalhães, chamada Paradoxo(s) da arte contemporânea: diálogos entre acervo do MAC USP e o acervo do Paço das Artes. E nessa exposição, a gente partia de um trabalho, o Paradoxo do Santo da Regina Silveira, mas era toda uma exposição que lidava ou discutia questões relacionadas a acervo, a coleção, colecionismo, memória, tanto do ponto de vista de memória, da história do país, como por exemplo o trabalho da Regina Silveira (Paradoxo do Santo), mas também a memória do trabalho de arte digital. Daí a inclusão do trabalho do Gilbertto Prado nessa curadoria.

O trabalho do Gilbertto entrou nessa curadoria, já nessa versando restaurada, não só por questões conceituais eminentemente, mas também ela tinha uma questão ali importante dentro do acervo do MAC USP, que ela foi a primeira obra de arte digital adquirida no MAC USP. Então ela tem uma questão ali bastante importante no

contexto da exposição e de acervo de obras digitais dentro de espaços institucionais.

C: Como você situa Desertesejo na Arte Contemporânea brasileira?

P: A obra, o texto que eu fiz sobre ela, que está pra ser publicado numa organização no qual tem um texto da Nara [Cristina Santos], Desertesejo: mistura das palavras deserto com desejo, nessa ideia do desejo de movimentar-se, de conectar-se com o outro, de estar em outros espaços, em outros territórios. A ideia de desejo como algo que se move, então eu acho que é um pouco essa ideia do trabalho do Gilbertto.