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3. TEATRO DO OPRIMIDO E PEDAGOGIA DO OPRIMIDO: APROXIMAÇÕES ENTRE

3.5 O Aparelhamento Ideológico do Estado

De acordo com o filósofo francês Louis Althusser (1918-1990), “o Estado é uma

43​Em oposição à transgeneridade, a cisgeneridade diz respeito à pessoa que se identifica como pertencendo ao

mesmo gênero (masculino ou feminino) que lhe foi designado ao nascer.

44​A heterossexualidade refere-se à atração afetivo-sexual por pessoas do gênero oposto. 45​Grifos do autor.

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'máquina' de repressão que permite às classes dominantes [...] assegurar a sua dominação sobre a classe operária [...]” (ALTHUSSER, 1985, p. 62). Para isso, o Estado introjeta a ideologia dominante na classe dominada, determinando seu modo de ser e de pensar. Aqui, é essencial recuperar o conceito de "ideologia", cuja definição Althusser realiza por meio das palavras de Marx. Este concebe a ideologia como “[...] um sistema de ideias, de representações que domina o espírito de um homem ou de um grupo social.” (ALTHUSSER, 1985, p. 81). Essas ideias adquirem materialidade por meio de instituições chamadas de aparelhos ideológicos do Estado, definidos por ele como “[...] um certo número de realidades que apresentam-se ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas” (ALTHUSSER, 1985, p. 68). Althusser propõe uma "lista empírica" das instituições que compõem o aparelhamento ideológico do Estado (AIE), a saber:

AIE religiosos (o sistema das diferentes igrejas)

AIE escolar (o sistema das diferentes “escolas” públicas e privadas) AIE familiar

AIE jurídico

AIE político (o sistema político, os diferentes Partidos) AIE sindical

AIE de informação (a imprensa, o rádio, a televisão, etc…)

AIE cultural (Letras, Belas Artes, esportes, etc…)​(ALTHUSSER, 1985, p.

68).

Os AIEs, enquanto instituições destinadas a disseminar a ideologia burguesa, são responsáveis também pela construção e consolidação das máscaras sociais. Pode-se trazer como um exemplo concreto de doutrinação ideológica do Estado o AIE midiático, que por meio de novelas, propagandas, filmes, revistas e internet, ditam freneticamente um padrão estético inatingível, que converge intencionalmente com o modelo da máscara humanizadora, mantendo a massa trabalhadora num estado efetivo de alienação.

No que diz respeito às máscaras coisificadoras, é possível dizer que elas são responsáveis por promoverem nos oprimidos uma profunda e dolorosa contradição: o "eu", que deveria ser "senhor" de si mesmo, passa a ser "escravo" de si mesmo; cada boicote à liberdade corresponde a um grau de submissão. A cada permissão inconsciente para a adoção das máscaras impostas pela pequena parcela dirigente da sociedade corresponde inevitavelmente a proibição da máscara da autenticidade, da possibilidade - em termos freireanos - de "estar sendo mais" . 46

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Os oprimidos não possuem controle sobre sua consciência, tampouco sobre seu próprio corpo. Esse, que deveria ser, sobretudo, um símbolo de construção, expressão e manifestação do direito de ser mais ​e da autenticidade, na sociedade e no mundo, nada mais representa que um ente estranho aos oprimidos, que não conseguem se reconhecer na imagem refletida pelo espelho. A máscara coisificadora aprisiona os oprimidos em consciências e corpos e homogeneizados, enrijecidos e engessados pelos moldes da ideologia opressora.

Não obstante, a máscara humanizadora revela como usuários indivíduos que se perdem em suas contradições referentes aos discursos proferidos e às ações demonstradas. Basta lançar um olhar mais atento às notícias que envolvem políticos como Donald Trump, Eduardo Cunha, Aécio Neves, Jair Bolsonaro, Marco Feliciano, entre outros. São homens que se escondem sob o padrão "homem - branco - heterossexual - cisgênero - cristão - jovem", ao passo que alimentam discursos de ódio, de apologia ao estupro e de reverência à ditadura. Em consequência disso, percebe-se um cenário nacional desolador, onde a violência exacerbada contra os oprimidos - os mesmos que têm sua essência sufocada pelas máscaras coisificadoras - consolida diariamente estatísticas que sinalizam para 13 mulheres assassinadas por dia , o genocídio de jovens negros , uma morte LGBT a cada 28 horas ,47 48 49 ataques constantes contra os adeptos de religiões de matriz africana , além do aumento da 50 violência e das denúncias de maus-tratos contra os idosos . São crimes impregnados de ódio 51 e intolerância contra todo indivíduo que esteja à margem do modelo estético, ideológico, comportamental e etário daquele determinado pela classe dominante.

47 MAPA da violência revela que 13 mulheres são mortas por dia no Brasil. Disponível em:

<​http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/500721-MAPA-DA-VIOLENCI A-REVELA-QUE-13-MULHERES-SAO-MORTAS-POR-DIA-NO-BRASIL.html​>. Acesso em: 29 nov. 2016.

48​ESCÓSSIA, Fernanda da. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil, diz CPI. Disponível

em: <​http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36461295​>. Acesso em: 29 nov. 2016.

49 ​VITA, Vinícius de. UMA pessoa LGBT morre a cada 28 horas no Brasil. Disponível em:

<​http://sinprominas.org.br/noticias/uma-pessoa-lgbt-morre-a-cada-28-horas-no-brasil/​>. Acesso em: 29 nov. 2016.

50 PUFF, Jefferson. Por que as religiões de matriz africana são o principal alvo de intolerância no Brasil?

Disponível em:

<​http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160120_intolerancia_religioes_africanas_jp_rm​>. Acesso em: 30 nov. 2016.

51 ​Um em cada seis idosos sofre algum tipo de violência, alerta OMS. Disponível em:

<<​http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2017-06/um-em-cada-6-idosos-sofre-algum-tipo-de-viol encia-alerta-oms​>>. Acesso em: 20 jan. 2018.

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3.6 O AIE escolar

A educação no Brasil mostra, historicamente, uma estreita relação com sua intencionalidade repressiva, já que o processo de catequização dos povos aqui encontrados pelos jesuítas visavam exclusivamente sua dominação para posterior escravização. Ainda hoje, os resquícios desse evento revelam-se muito presentes na forma de organização da sociedade brasileira, constituída sobre as bases das desigualdades sociais.

De um lado, os opressores procuram convulsivamente fortalecer seu poderio, moldando o comportamento da classe proletária em prol de seus interesses. Isso significa extirpar-lhes qualquer possibilidade de consciência, autonomia, criticidade e atitude frente às injustiças sofridas. Do outro lado, os oprimidos assumem inconscientemente uma postura arquitetada ao bel-prazer da burguesia, transformando-se em marionetes a serem manejadas por aqueles que detêm o capital. Esse movimento ilegítimo de controle é abordado por Paulo Freire (1981), segundo o qual:

A manipulação aparece como uma necessidade imperiosa das elites dominadoras, com o fim de, através dela, conseguir um tipo inautêntico de "organização", com que evite o seu contrário, que é a verdadeira organização das massas populares emersas e emergindo. (FREIRE, 1981, p. 173).

À vista disso, Freire discorre acerca da relação inversamente proporcional entre a manipulação e o pensar crítico. Isso significa que, quanto menos um indivíduo pense criticamente sobre seu papel no mundo, mais passível de ser manipulado pela elite ele será. Por conseguinte:

A manipulação [...] tem de anestesiar as massas populares para que não pensem. Se as massas associam à sua emersão, à sua presença no processo histórico, um pensar crítico sobre este mesmo processo, sobre sua realidade, então sua ameaça se concretiza na revolução. Chame-se a este pensar de “consciência revolucionária” ou de “consciência de classe”, é indispensável à revolução, que não se faz sem ele. As elites dominadoras sabem tão bem disto que, em certos níveis seus, até instintivamente, usam todos os meios, mesmo a violência física, para proibir que as massas pensem. (FREIRE, 1981, p. 174).

No âmbito escolar, o processo de anestesiamento das classes oprimidas com vistas à incursão da ideologia opressora consolida-se por meio do que Freire (1981) chamou de "educação bancária", em menção ao depósito de informações por parte dos educadores aos educandos, considerados como recipientes vazios, incapazes de promover questionamentos,