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Quarto encontro: o teatro-debate (ou teatro-fórum)

4. CONSTATAÇÕES DA PESQUISA E DISCUSSÃO ​ ​

4.2 Constatações das Intervenções ​ ​

4.2.4 Quarto encontro: o teatro-debate (ou teatro-fórum)

O quarto encontro contemplou o "teatro-debate" (também chamado de "teatro-fórum"), a partir de encenações das situações de opressão vivenciadas pelos sujeitos da pesquisa, promovendo efetivamente a intervenção dessas alunas na ação teatral. Essa fase possibilitou a consolidação da proposta concebida pelo Teatro do Oprimido, haja vista que se estabeleceu, efetivamente, a conversão do espectador, que é um ser passivo, em ator, que é um ser ativo, do objeto em sujeito que reflete, age e transforma a realidade, a partir da discussão de alternativas concretas para os conflitos apresentados.

Boal relembra, em vídeo documentário sobre o Teatro do Oprimido , o surgimento 56 dessa técnica teatral, que se deu quando ele fora trabalhar no Peru. Naquela época, a técnica utilizada era a dramaturgia simultânea, que consistia na interpretação de uma peça teatral até o momento de crise. Uma vez apresentado tal conflito, pausava-se a peça e questionava-se a plateia sobre possíveis soluções para a situação exibida, ressaltando que o protagonista não sabia o que fazer. Dessa forma, as alternativas propostas pelos espectadores continuavam a ser encenadas pelos próprios atores, mantendo-se, ainda, a separação entre atores e espectadores. Segundo Boal, em certa ocasião, uma mulher da plateia pediu para contar sua história. De acordo com a tal senhora, seu marido não trabalhava e vivia lhe pedindo

56 O Teatro-Fórum. Disponível em: <<​https://www.youtube.com/watch?v=IZhlpnSVRUg​>>. Acesso em: 08

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dinheiro, declarando estar construindo uma casa para ela. À medida que ela lhe dava o dinheiro solicitado, o marido sumia por longos períodos de tempo e voltava com papéis que lhe entregava em mãos, afirmando se tratar dos recibos referentes ao material utilizado na construção da tal casa. Após uma briga com o marido, que havia viajado, a mulher, que era analfabeta, pediu a uma vizinha para ler tais recibos. Qual foi a surpresa quando a vizinha lhe revelou que não se tratavam de recibos, e sim de cartas de amor, escritas pela amante do tal marido. Como ele estava prestes a chegar de viagem, a senhora pediu ajuda, alegando não saber o que fazer diante de tal situação. A plateia, então, propôs algumas alternativas que foram encenadas pelos atores, até que uma mulher muito forte e brava gritou, aos berros, ter uma ideia. Questionada pelos atores qual seria essa ideia, ela afirmou que a senhora deveria ter uma conversa muito clara com o marido devendo, em seguida, perdoá-lo. Após a encenação dessa sugestão, na qual a atriz conversou claramente com o ator sobre a amante, perdoando-o ao final, a tal mulher forte se pôs furiosa, atestando que os atores não haviam entendido nada. Diante desse impasse, os atores decidiram convidar a tal mulher para subir ao palco e mostrar que tipo de solução muito clara se tratava. Assim, ela subiu ao palco e assumiu o lugar da atriz, esbofeteando o ator para representar a tal conversa muito clara. Eis que surgiu, assim, o teatro-debate, também conhecido teatro-fórum, em menção ao termo espanhol ​foro​.

Isso posto, partiu-se dos contextos de opressão colocados no encontro anterior pelas alunas, instruindo-as a se organizarem em torno de cada situação apresentada a fim de executarem a montagem das cenas, que deveriam se estender até o ponto alto do conflito. Desse movimento decorreram quatro cenas:

1. uma mulher que sempre viveu submissa ao marido e que, após o divórcio, desejava aproveitar a vida mas era repreendida pelos filhos por conta de sua idade - aqui é impossível não rememorar a história de Madame Bertini no filme inspirado na obra de Bertolt Brecht "A Velha Dama Indigna" (1965), que após ficar viúva decide começar uma nova vida aos 70 anos, desfrutando de pequenos prazeres que até então ela não tivera acesso -;

2. uma filha que cuidava do seu pai, já muito idoso e sofria repressões dele, que a acusava de estar gastando todo o seu dinheiro;

3. uma mulher que durante uma viagem ao Rio de Janeiro foi repreendida por uma jovem na fila de um estabelecimento por "passar na frente de todos";

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4. uma viúva que desejava começar um novo relacionamento mas era repreendida pelos filhos, que afirmavam que ela não tinha mais idade para namorar.

FIGURA 14 - teatro-debate (ou teatro-fórum).

Fonte: acervo pessoal.

A figura 14 retrata o exercício chamado de "teatro-debate" (ou teatro-fórum), por meio do qual as alunas propuseram alternativas para conflitos gerados por situações de opressão vivenciadas por elas, a partir da encenação de tais conflitos.

Foi possível constatar, por meio desse exercício, que a opressão na terceira idade começa geralmente na própria família, com os filhos ou com os companheiros, reforçando ideias estereotipadas sobre a velhice contra as quais é preciso lutar.

As encenações dessas situações de opressão constituíram um processo muito profícuo, já que as próprias alunas construíram as cenas, que eram representadas até o momento dos conflitos. A partir daí, cada uma era convidada a assumir o papel de protagonista, apresentando sua solução para o problema. Segundo Boal (1980, p. 152), "esta forma teatral não tem a finalidade de mostrar o caminho correto (correto de que ponto de vista?), mas sim a de oferecer os meios para que todos os caminhos sejam estudados".

Vale ressaltar que, na execução dessa etapa, cuidou-se para que as sugestões propostas fossem pautadas pela ética e pela solidariedade, que constituem as bases do Teatro do Oprimido.

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Dessa forma, quando se apresentava propostas que vislumbravam a resolução de um conflito por meio do uso de violência, por exemplo, questionava-se as alunas sobre tal atitude, levando-as a refletirem sobre as consequências de tal conduta e estimulando-as a considerarem o diálogo como a melhor alternativa frente às questões colocadas.