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Apensação de Processos

CAPÍTULO III – ARBITRAGEM NO CONTENCIOSO DAS DELIBERAÇÕES

6. Apensação de Processos

De acordo com o necessário alargamento subjetivo da eficácia do caso julgado arbitral, em matéria societária, é ainda preciso impedir a existência de ações e decisões contraditórias sobre o mesmo caso.308

Nesse sentido, será necessário que se possa cumular num único processo a junção de dois ou mais processos já em curso.

A LAV não regula a matéria da apensação de processos arbitrais, sendo esta ausência comum à maioria dos ordenamentos jurídicos. Porém, alguns que regulam esta matéria, atribuem poderes para apensar processos arbitrais aos processos judiciais e

69 outros aos tribunais arbitrais, sendo que a maioria deles faz depender este poder de estipulação ao acordo entre as partes.309

Face à falta de regulamentação desta matéria na LAV, na opinião de Jorge Morais de Carvalho e Mariana França Gouveia, a apensação só será admissível se houver acordo entre as partes ou se o regulamento da instituição arbitral escolhida o permitir, uma vez que, face às dificuldades na construção de um único processo arbitral com diversas partes, diversas convenções e diversos objetos, só o acordo das partes salvaguarda a jurisdição do tribunal arbitral. Não havendo acordo, tal apensação não será possível, na medida em que violaria a convenção arbitral e, logo, transcenderia a jurisdição do tribunal arbitral.310

Sucede que, em virtude da especificidade da arbitragem societária, principalmente quando estejam em causa deliberações sociais, o processo arbitral tem, necessariamente, de assegurar a unidade da decisão, ou seja, tem de garantir que, sobre determinado litígio, se produza uma, e apenas uma, decisão arbitral.311

Este princípio é assegurado, no Código das Sociedades Comerciais, pela apensação de ações, prevista no art. 60º, n.º2, que dispõe que, “havendo várias ações de invalidade da mesma deliberação, devem ser elas apensadas, observando-se a regra do n.º2 do art. 275º do Código de Processo Civil”.312

Na ratio desta norma está consagrado o princípio de economia processual mas também a ideia de prevenir soluções jurídicas díspares relativamente à validade da mesma deliberação.313

No direito alemão, para as ações de declaração de nulidade de deliberações sociais interpostas nos tribunais estaduais vigora uma norma semelhante à nossa e, porque a sua transposição para o processo arbitral suscitava dificuldades, o BGH, através de acórdão datado de 06.04.2009, exigiu que ficasse a constar da cláusula compromissória estatutária uma estipulação conducente a resultado semelhante, sob pena de invalidade

309 É o caso da Austrália, Irlanda e Singapura. - Jorge Morais de Carvalho e Mariana França Gouveia, Arbitragens Complexas… ob. cit. p. 158.

310 Jorge Morais de Carvalho e Mariana França Gouveia, Arbitragens Complexas… ob. cit. pp. 158-159. 311 Pedro Maia, Arbitragem Societária… ob. cit. p. 66.

312 Atual art. 267º do CPC (Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), que prevê que os processos sejam apensados ao que tiver sido instaurado em primeiro lugar.

313 Sampaio Caramelo, Arbitragem de Litígios… ob. cit. p. 394 e António Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, Vol. I, 2ª Edição, Almedina, 2007, p. 754.

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da cláusula e consequentemente da sentença decretada em ação proferida com base naquela. Devendo nessa cláusula determinar-se que o “início de uma ação de anulação ou declaração de nulidade preclude o direito de os outros sócios proporem outra ação com a mesma finalidade, perante outro tribunal arbitral”.314

Assim, tendo em conta que, no âmbito da arbitragem, a lei não determina a obrigatoriedade de apensação à ação que primeiro começou, das ações posteriormente instauradas, o BGH procurou, por essa via, impedir a submissão de várias ações sobre invalidade da mesma deliberação social a diferentes tribunais arbitrais, permitindo, dessa forma, que a sentença arbitral, proferida em tais litígios, tenha eficácia geral no seio da sociedade e consequentemente, aqueles litígios pudessem ser decididos por árbitros, uma vez que seria inaceitável que diferentes tribunais arbitrais pudessem proferir decisões contraditórias sobre a invalidade da mesma deliberação.315

Na esteira da jurisprudência alemã, Sampaio Caramelo, defende que, também no Direito português, a inclusão na cláusula compromissória estatutária de uma estipulação deste teor é de considerar como condição de arbitrabilidade destas ações,316 não havendo qualquer impedimento à introdução de uma disposição com este conteúdo na cláusula compromissória estatutária, porquanto os sócios são livres de regularem os termos em que podem ser instauradas ações arbitrais de anulação ou de declaração de nulidade de deliberações sociais e, se são livres de estipular a submissão de litígios a arbitragem, nesta matéria, também serão livres de a condicionar.317

Já na opinião de Pedro Maia, tendo em conta que cada decisão iria produzir efeitos sobre todos os sócios, tanto os que houvessem sido partes na respetiva ação, como também, sobre os que fossem partes apenas noutra ação, a unidade do processo e da decisão será facilitada através da institucionalização da arbitragem, defendendo o autor que, através da institucionalização, será mais fácil garantir a concentração dos processos quando tenham surgido diferentes iniciativas processuais.318

Foi esta, também, a solução encontrada pela APA, no ante-projeto sobre o regime jurídico da arbitragem societária, determinando que a apensação de processos será feita

314 Sampaio Caramelo, Arbitragem de Litígios… ob. cit. pp. 394-395. 315 Sampaio Caramelo, Arbitragem de Litígios… ob. cit. p. 395.

316 Posição também partilhada por Paulo de Tarso Domingues, A Arbitrabilidade dos Litígios Societários… ob. cit. p. 257.

317 António Sampaio Caramelo, Arbitragem de Litígios… ob. cit. p. 395. 318 Pedro Maia, Arbitragem Societária… ob. cit. p. 66.

71 pelo Presidente do Centro a requerimento das partes ou por iniciativa própria (n.º1, do art. 10º), devendo os processos ser apensados ao que tenha sido apresentado em primeiro lugar, sendo que, em caso de dúvida sobre o que tenha sido apresentado em primeiro lugar, cabendo ao Secretário determinar qual o processo cujo requerimento de arbitragem foi primeiramente apresentado (n.º2, art. 10º). O ante-projeto prevê ainda que, estando já o tribunal arbitral constituído em processo que venha a ser apensado a outro, caduca a nomeação dos respetivos árbitros (n.º4).

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