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Regras Processuais Particularidades

CAPÍTULO III – ARBITRAGEM NO CONTENCIOSO DAS DELIBERAÇÕES

1. Regras Processuais Particularidades

Em matéria societária, a necessária eficácia do caso julgado arbitral implica determinadas regras, as quais devem constar da cláusula compromissória estatutária.

Nesse sentido, importa não esquecer que o regime da arbitragem está pensado para a tutela de interesses individuais e, apenas, das partes que participam no processo arbitral, ao invés do que sucede na arbitragem societária, onde a sentença arbitral poderá afetar os interesses de sujeitos que não participaram na ação.174

Com efeito, a liberdade de que as partes dispõem para, de comum acordo, ajustarem o processo arbitral aos seus interesses, na arbitragem societária fica limitada.

Na Alemanha, país onde, à semelhança do que acontece em Portugal, não existe uma lei que regule especificamente esta matéria, o Supremo Tribunal Federal alemão (BGH), ao contrário das escassas decisões jurisprudenciais portuguesas, tem-se encarregado de assumir uma posição e definir as condições necessárias para a arbitrabilidade das questões societárias.175

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal alemão foi iniciada por um acórdão de 29.03.1996 e consolidada posteriormente por outro acórdão de 06.04.2009176 (também conhecido por “arbitrabilidade II”)177, que admitiu a arbitrabilidade das ações

174 Paulo de Tarso Domingues, A Arbitrabilidade dos Litígios Societários… ob. cit. p. 254.

175 A doutrina portuguesa tem acolhido, em geral, estas exigências identificadas pelo BGH. Vide António Menezes Cordeiro, Tratado da Arbitragem, ob. cit. pp. 99 e ss., António Sampaio Caramelo, Arbitragem de Litígios… ob. cit. pp. 38 e ss., Paulo de Paulo de Tarso Domingues, A Arbitrabilidade dos Litígios Societários… ob. cit. pp. 254 e ss. Pedro Maia, Arbitragem Societária… ob. cit. pp. 62 e ss.

176 Disponível para consulta em http://juris.bundesgerichtshof.de/cgi-

bin/rechtsprechung/document.py?Gericht=bgh&Art=en&Datum=2009&Seite=81&nr=47949&pos=2457 &anz=3418 (último acesso em 14.07.2018), comentado por Anja Mayer e Heiko Heppner, “Supreme Court Permits Arbitration on Validity of Shareholder Resolutions” in International Law Office, 3 de

Setembro de 2009, disponível para consulta em

https://www.internationallawoffice.com/Newsletters/Arbitration-ADR/Germany/Clifford-Chance-

LLP/Supreme-Court-Permits-Arbitration-on-Validity-of-Shareholder-Resolutions (último acesso em 14.07.2018).

177 Pedro Maia, Arbitragem Societária… ob. cit. p. 42 e António Sampaio Caramelo, Arbitragem de Litígios… ob. cit. pp. 380 e ss.

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de anulação e de declaração de nulidade de deliberações sociais nas sociedades de responsabilidade limitada, mediante o preenchimento de determinados requisitos pela convenção de arbitragem, exigências que a arbitragem societária tem de observar para dar cumprimento ao princípio constitucional do Estado de Direito e que são:

i) Obrigatoriedade da convenção de arbitragem ser inserida nos estatutos da sociedade ou fazer parte de um documento autónomo, mas com consentimento de todos os sócios (requisito de unanimidade);

ii) Menção de que a sociedade contra a qual é posta a ação deve notificar todos os acionistas a dar conhecimento do início do processo arbitral, permitindo-lhes que nele possam intervir e convidando-os a declarar se querem intervir no processo ao lado do sócio que iniciou o processo ou do lado da sociedade (requisito da notificação);

iii) Atribuição, a todos os sócios, do direito de participarem na escolha do árbitro, a não ser que tal escolha seja fixada ex ante pela convenção de arbitragem, sendo este requisito considerado indispensável, uma vez que serve para compensar a ausência de um juiz estadual independente (requisito da imparcialidade);

iv) A convenção de arbitragem deve assegurar que todos os litígios sobre a validade de deliberações sociais e relativos a questões semelhantes, quer de facto, que de direito, sejam decididas pelo mesmo tribunal arbitral178 (requisito da concentração).179

Por forma a assegurar o cumprimento deste último requisito, o BGH admitiu que se adotasse uma de duas soluções: ou a cláusula arbitral estatutária designa os árbitros ou indica uma entidade neutral que fará essa designação ou, contém uma disposição que impeça outro demandante de propor a ação de invalidade da deliberação num outro

178 Tendo em conta os efeitos inter omnes das decisões proferidas em vários litígios societários, nomeadamente, de invalidade de deliberações sociais, há-de estar assegurada a concentração num só processo, para evitar decisões contraditórias. Pedro Maia, Arbitragem Societária… ob. cit. p. 63.

179 As referências feitas ao conteúdo deste acórdão tiveram por base o comentário elaborado por Anja Mayer e Heiko Heppner, “Supreme Court Permits Arbitration on Validity of Shareholder Resolutions” in International Law Office, de 3 de Setembro de 2009 bem como a análise elaborada por António Sampaio Caramelo, Arbitragem de Litígios… ob. cit. ob. cit. p. 380-381 e Pedro Maia, Arbitragem Societária… ob. cit. pp. 63e ss.

39 tribunal arbitral diferente. De todo modo, se a cláusula compromissória estatutária não designar os árbitros, tem que estabelecer um processo especial para a escolha destes.180

Através destas decisões, o Supremo Tribunal veio a alterar significativamente a sua posição anterior, passando a considerar como arbitráveis os litígios sobre a validade das deliberações sociais (desde que cumpridos determinados requisitos). Por outro lado, passou a aceitar que a decisão proferida por árbitros sobre o pedido de anulação ou de declaração de nulidade de uma deliberação social tem eficácia idêntica àquela que é provocada pela decisão judicial emitida sobre o mesmo tipo de pretensões. Ou seja, a decisão arbitral, tal como a decisão judicial, vincula todos os sócios, o órgão de administração e o órgão de fiscalização, ainda que não tenham sido constituídos partes na ação.181

Assim, o preenchimento destes requisitos é condição necessária para que às sentenças arbitrais que ponham termo a este tipo de litígios, possa, em conformidade com a lei, ser reconhecida “eficácia geral no seio da sociedade”. Se tal não se verificar, a arbitragem constituirá um método de resolução de litígios menos eficiente do que o recurso aos tribunais estaduais, na medida em que não é capaz de assegurar, da mesma forma, a proteção dos direitos dos sócios e do interesse da sociedade em que as suas deliberações se tornem estáveis e definitivas.182

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