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Apesar de você: A Música Popular Brasileira sob censura (1964-1970)

O Brasil da Música Popular Brasileira desenvolveu-se nos anos de 1960, uma década que impulsionou nossa música a seu estágio mais fértil. Primeiro, foi através da A Era dos

Festivais que os concursos televisivos consagraram cantores, compositores e canções, e

através do seu público fizeram da música a principal forma de expressão dos jovens da época. Podemos identificar algumas composições que se sobressaíram as demais, e tentamos identificá-las nesse estudo. Porém, é imprescindível que perceba-se que tantas outras canções e também artistas, fizeram parte do mesmo processo exposto aqui, portanto não significa que estas tenham mais importância que as outras, apenas limitou-se o espaço de estudo aos anos de 1964-1970, principalmente as músicas dos Festivais.

O 1º Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior ocorreu em 1965. A composição de Edu Lobo com interpretação de Elis Regina conquistou o primeiro lugar com

Arrastão, uma música que se relacionava ao folclore nacional e atingiu grande sucesso entre o

público, ganhando logo as rádios nacionais.

A partir disso, Arrastão foi um divisor de águas, a interpretação de Elis Regina mostrou ao Brasil que tínhamos artistas de bom nível, e podíamos construir uma Música Popular Brasileira.

Seu sucesso significou uma verdadeira ampliação do público de música brasileira moderna, na medida em que suas canções e sua perfomance trouxeram novos segmentos socioculturais, cujo o gosto musical não havia sofrido, ao menos de maneira profunda, o impacto da bossa nova (NAPOLITANO, 2005, p. 83).

Em 1966, o II Festival da MPB, agora sob direção da TV Record, dirigiu-se a um público engajado e nacionalista. Nas eliminatórias do Festival, dois artistas se sobressaíram, com a música Disparada, de Geraldo Vandré e com a música A Banda, de Chico Buarque de Hollanda. Os dois sintetizavam a situação histórica da MPB nascente dos anos de 1960, a idolatria pop e o engajamento político (NAPOLITANO, 2004).

Chico Buarque, um jovem carioca de 22 anos, intelectual e tímido, possuía uma grande sensibilidade artística. Ele foi um dos maiores talentos que a Música Popular

Brasileira dos anos de 1960 revelou. Sua formação como compositor e escritor passou pela convivência com artistas como João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, e sua inspiração está em nomes como Noel Rosa, Ismael Silva e Dorival Caymmi.

Na noite da decisão do Festival, o auditório estava lotado, e Chico Buarque, em parceria com Nara Leão, interpretou a sua música. A reação da platéia foi explosiva, Chico e Nara foram consagrados pelo público. Mas o júri entendeu que houve um empate técnico entre as duas músicas, o que gerou alguns conflitos com a apuração do júri (MOTTA, 2000).

A Banda, composição de Chico Buarque, demonstrava romantismo, sua letra era de um estilo

mais carioca:

Estava à toa na vida / O meu amor me chamou Pra ver a banda passar / Cantando coisas de amor A minha gente sofrida / Despediu-se da dor Pra ver a banda passar / Cantando coisas de amor (WERNECK, 2006, p. 147).

Porém havia claramente um lado político e engajado:

A moça triste que vivia calada sorriu / A rosa triste que vivia fechada se abriu [...] O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou / Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou / A moça feia debruçou na janela / Pensando que a banda tocava pra ela / A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu / A lua cheia que vivia escondida surgiu / Minha cidade toda se enfeitou / Pra ver a banda passar cantando coisas de amor/ Mas para meu desencanto / O que era doce acabou/ Tudo tomou seu lugar / Depois que a banda passou

(WERNECK, 2006, p. 147).

A letra dessa música, ouvida até hoje em todos os cantos do Brasil, traz algumas particularidades. A questão da banda pode lembrar o folclore, das cidades pequenas e suas festas populares. Mas pode também lembrar que essencialmente naquela época era de costume que no domingo a banda do exército saísse às ruas ‘alegrando as pessoas’, que acabavam então se esquecendo da sua realidade (http://www.chicobuarque.com.br/).

Já a música Disparada, de Geraldo Vandré, era uma música mais paulista, falava de políticos e de homens, mas também apresentava um caráter folclórico:

Não pude seguir valente em lugar tenente / E dono de gado e gente, porque gado a gente marca / Tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente / Se você não concordar não posso me desculpar / Não canto prá enganar, vou pegar minha viola / Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar (http://letras.terra.com.br/geraldo- vandre/46166/).

A música traz uma comparação entre a exploração das classes sociais pobres pelas mais ricas e a exploração das boiadas pelos boiadeiros, entre a maneira de se lidar com gado e

se lidar com gente. Uma letra com folclore, mas também com a proposta da nova MPB, mais brasileira e no fundo contestadora também. Vandré, um paraibano que se mudou para o Rio de Janeiro, participou ativamente do CPC da UNE, através da faculdade de Direito que cursava. Conheceu outros parceiros musicais e se tornou uma espécie de mito da resistência a ditadura através de suas músicas (VILARINO, 1999).

Assim, Geraldo Vandré e Chico Buarque, ganharam o sucesso nacional, com suas músicas tocando direto nas rádios, ascendendo como marcas da juventude universitária no momento. Segundo Napolitano, “Chico Buarque, entre 1966 e 1969, seguiu como um dos três maiores vendedores de LP’s e compactos, só perdendo para Roberto Carlos e para os Beatles. Vandré tem gravações nos anos de 1964, 1965, 1966” (2001, p. 18). E em 1966 temos a gravação do primeiro LP de Chico, trazendo músicas como Pedro, Pedreiro:

Pedro pedreiro fica assim pensando / Assim pensando o tempo passa / E a gente vai ficando pra trás / Esperando, esperando, esperando / Esperando o sol / Esperando o trem / Esperando o aumento / Desde o ano passado / Para o mês que vem

(WERNECK, 2006, p. 141).

Pelas suas próprias palavras (apud BOLLE, 1980, p. 5): "[...] os sonhos políticos, as frustrações, a profissão, o tijolo, o pedreiro, o engenheiro. São Paulo vista de dentro. [...] foi aí que eu encontrei a fonte do meu samba urbano, cheirando a chaminé e a asfalto".

Observa-se que o retrato da canção nos mostra o cotidiano de um homem da massa, um homem do povo. Um operário que fica - esperando, esperando - por alguma coisa que não acontece, que se sente manobrado pelos governantes nacionais. Desse modo, é visto que os artistas demonstravam as ambigüidades e contradições entre a cultura e a modernização, um choque entre a produção cultural, no caso a música e a realidade socioeconômica brasileira.

Mais tarde, em 1966, no primeiro Festival Internacional da Canção da TV Globo, a música Saveiros, de Dorival Caymmi e Nelson Motta, foi eleita em primeiro lugar. A mensagem da letra dizia:

Quantos partiram de manhã/ Quem sabe quantos vão voltar /Só quando o sol descansar/ E se os ventos deixarem/ Os barcos vão chegar/ Quantas histórias pra contar/ Em cada vela que aparece/ Um canto de alegria/ De quem venceu o mar (http://letras.terra.com.br/elis-regina/109733/).

O III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1967, em São Paulo, é considerado o auge do ciclo histórico dos Festivais. É nele que temos a explosão do movimento designado de Tropicalismo incitado por dois artistas baianos, Caetano Veloso e

Gilberto Gil. As letras de suas canções (Domingo no parque, de Gil, e Alegria, alegria, de Caetano) tinham arranjos que soavam como uma ruptura dos padrões musicais estabelecidos até então. O resultado final foi o esboço de uma mudança estética proposta no momento cultural mais efervescente da década de 1960, surgia assim o Tropicalismo.

O primeiro lugar do Festival ficou com Edu Lobo pela música Ponteio:

Era um dia, era claro/ Quase meio/ Era um canto falado/ Sem ponteio/ Violência, viola/ Violeiro/ Era morte redor/ Mundo inteiro/ Jogaram a viola no mundo/ Mas fui lá no fundo buscar/ Se eu tomo a viola/ Ponteio!/ Meu canto não posso parar/ Não!/ Eu espero não vá demorar/ Esse dia estou certo que vem/ Digo logo o que vim/ Prá buscar/ Correndo no meio do mundo/ Não deixo a viola de lado/ Vou ver o tempo mudado/ E um novo lugar prá cantar (http://letras.terra.com.br/edu-lobo/45628/).

A letra fala de um violeiro, que afirma que seu canto não pode cessar, ele quer ver seu tempo mudado, ou seja, ele espera pelo dia melhor de amanhã. Assim, novamente está presente a esperança no futuro, a busca pelo dia que virá.

O segundo lugar do Festival trouxe uma novidade, a música tropicalista de Gilberto Gil, acompanhado do grupo Os Mutantes. Em Domingo no Parque, cantava-se:

A semana passada, no fim da semana/ João resolveu não brigar, no domingo de tarde/ saiu apressado e não foi pra ribeira jogar capoeira/ não foi pra lá, pra ribeira, foi namorar/ O sorvete e a rosa/ Ô, José!/ A rosa e o sorvete/ Ô, José!/ Oi girando na mente/ Ô, José!/ Do José brincalhão/ Ô, José!/ Olha a faca! (Olha a faca!)/ Olha o sangue na mão/ Ê, José!/ Juliana no chão/ Ê, José!/ Outro corpo caído/ Ê, José!/ Seu amigo João/ Ê, José!(http://letras.terra.com.br/gilberto-gil/46201/).

A letra composta de ritmos e arranjos diferentes, advindos da tropicália, lembrava um jogo de capoeira, contava a história de dois amigos que acabaram brigando por causa de uma menina. O que fugia um pouco das outras letras do Festival.Os personagens são dois amigos: José, o rei da brincadeira, e João, o rei da confusão. O momento trágico de que a letra dá notícia é favorecido por um desvio da rotina, e ocorre em um dia em que esses personagens se contrariam, porque João escolhe a brincadeira, José se encaminha para a confusão. Além disso, um elemento muito presente é o recurso da anáfora, a repetição de palavras.

Chico Buarque conquistou o terceiro lugar do Festival com a música Roda-Viva, uma música cheia de metáforas, que alia resistência, exílio, liberdade, censura e crítica. Sua letra pode ser dividida em duas partes para este estudo:

Tem dias que a gente se sente / Como quem partiu ou morreu/ A gente estancou de repente/ Ou foi o mundo então que cresceu/ A gente quer ter voz ativa / No nosso

destino mandar/ Mas eis que chega a roda viva/ E carrega o destino prá lá/ A gente vai contra a corrente/ Até não poder resistir / Na volta do barco é que sente / O quanto deixou de cumprir (WERNECK, 2006, p. 161).

Nessa primeira parte, Chico retrata diversas situações, primeiro se refere aos amigos que partiram, ou pro-exílio, ou aos que já morreram. Depois ele trata da liberdade, a busca pela voz ativa, e surge então a resistência. Porém, não se pode deixar de esquecer que existe também a peça Roda Viva. Nela é retratado um problema muito presente em nosso cotidiano, o das substituições, da 'descartabilidade' das pessoas e das coisas, produto da economia capitalista de consumo.

Na segunda parte da letra, Chico canta:

Não posso fazer serenata/ A roda de samba acabou/ A gente toma a iniciativa / Viola na rua, a cantar/ Mas eis que chega a roda viva/ E carrega a viola prá lá (WERNECK, 2006, p. 161).

Aqui a letra demonstra a perseguição da censura em torno das músicas e das canções, inclusive sobre a música tocada e cantada nas ruas, uma metáfora como se a roda-viva fossem os militares, e eles que levavam a viola prá lá. A roda aqui arranca aquilo que estava em desenvolvimento: a gente estancou de repente, a gente parou, de crescer, de repente. O ambiente de mal-estar provocado pela censura e pela repressão foi filtrado por Chico Buarque com muita cautela: era preciso despistar a censura, daí a letra de rodas e de versos encantatórios.

Roda-Viva é, portanto, uma metáfora da vida, e existe, é verdade, um incalculável

número de interpretações de sua letra. Até Chico, ou seja, o próprio compositor, não tem mais certeza de quantas metáforas usou, mas o importante é identificar que se trata de uma análise conjuntural do período, sob a forma de poesia. Toda ela traz um conteúdo histórico, ou seja, os obscuros anos da ditadura civil-militar no Brasil.

O quarto lugar do Festival ficou com a música Alegria, Alegria, de Caetano Veloso. Nessa música, Caetano faz um manifesto contra o nacionalismo e o clima anti-guitarra, concretizado em desabafo no apelo da frase Por que não? Percebe-se, ainda, oimprevisto da realidade urbana, fragmentada, onde predominam substantivos: crimes, espaçonaves, guerrilhas, cardinales, caras de presidentes, beijos, dentes, pernas, bandeiras, bombas ou Brigitte Bardot:

Caminhando contra o vento/ Sem lenço e sem documento/ No sol de quase dezembro/ Eu vou/ O sol nas bancas de revista/ Me enche de alegria e preguiça/ Quem lê tanta notícia/ Eu vou/ Por entre fotos e nomes/ Os olhos cheios de cores/ O

peito cheio de amores vãos/ Eu vou/ Por que não, por que não/ Sem lenço, sem documento/ Nada no bolso ou nas mãos/Eu quero seguir vivendo, amor/ Por que não (http://letras.terra.com.br/caetano-veloso/43867/).

O III Festival Internacional da MPB também foi um festival marcante. Ocorrido em 1968 em São Paulo, teve como finalistas uma música de Chico Buarque e outra de Geraldo Vandré. A música Sabiá, de Chico tratava-se de uma paródia, nela pensa-se na pátria ideal, mas a realidade brasileira tinha uma pátria saqueada e depredada, onde não havia mais palmeiras, em cuja sombra se possa deitar, ou flores que possam ser colhidas. Uma tensão entre um passado marcado pela nostalgia, e um futuro marcado pela esperança:

Vou voltar/ Sei que ainda vou voltar/ Vou deitar à sombra/ De uma palmeira/ Que já não há/ Colher a flor/ Que já não dá/ E algum amor/ Talvez possa espantar/ As noites que eu não queira/ E anunciar o dia/ Vou voltar/ Sei que ainda vou voltar /E é pra ficar/ Sei que o amor existe/ Não sou mais triste/ E a nova vida já vai chegar (WERNECK, 2006, p. 172).

Chico na verdade achava a música serena demais para impressionar em um festival. Pois uma música de festival devia ser movimentada e barulhenta, para causar impacto no público. Mas, em sua serenidade, Sabiá era uma bela composição, valorizada pelo poema gonçalviano e a música tornou-se uma espécie de Canção do Exílio daquele tempo. Nela, o sentimento da saudade tem um sentido social, a saudade de tudo o que se perdeu, e não meramente espacial, como no poema de Gonçalves Dias (SOUSA, 2004).

A música finalista de Vandré, Pra não dizer que não falei das flores ou Caminhando, batia de frente contra os militares e foi alvo imediato dos censores, pois dizia a letra:

Caminhando e cantando/ E seguindo a canção/ Somos todos iguais/ Braços dados ou não/ Nas escolas, nas ruas/ Campos, construções/ Caminhando e cantando/ E seguindo a canção/ Pelos campos há fome/ Em grandes plantações/ Pelas ruas marchando/ Indecisos cordões/ Ainda fazem da flor/ Seu mais forte refrão/ E acreditam nas flores/ Vencendo o canhão/ Há soldados armados, amados ou não/ Quase todos perdidos de armas na mão/ Nos quartéis lhes ensinam/ Uma antiga lição/ De morrer pela pátria/ E viver sem razão/ Vem, vamos embora/ Que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora/ Não espera acontecer (http://letras.terra.com.br/geraldo-vandre/46168/).

Os versos de Vandré caíam sob medida em uma música simples, pronta para consumo imediato nas passeatas, bares, centros acadêmicos e festas estudantis. Tornou-se então o hino dos jovens, cantada por todos os cantos do Brasil. A canção chegou a dar nome ao álbum

Caminhando, que foi censurado e nunca lançado, além do show Pra não dizer que não falei

Os censores, ao colocarem as palavras ou a música sob suspeita, pretendiam aprisioná- las aos seus sentidos oficiais permitidos, porém elas assumiam sua liberdade, e não se submetiam completamente a consignações militares de quem nada entendia de música, explodindo assim nos compositores o sentido metafórico das letras. Desse modo, após a censura os compositores procuravam manter sua mensagem de protesto, mesmo com as alterações impostas (VILARINO, 1999).

Além destas músicas, apresentadas e defendidas nos Festivais de TV, a Música Popular Brasileira, transformada em música de protesto no fim da Era dos Festivais, teve outras composições características do período. Optou-se por mostrar algumas delas como exemplo, mas é importante lembrar que o leque de composições foi muito além do exposto.

Um dos símbolos de resistência cultural da década de 1960 foi a cantora Nara Leão. Nascida no Espírito Santo, Nara veio para o Rio de Janeiro ainda pequena. Com 14 anos aprendeu a tocar violão, e já aos 20 anos teve sua estréia profissional ao lado de Vinícius de Moraes. De musa da Bossa Nova, passou a ser cantora de protesto, simpatizante das atividades dos CPC’S da UNE. Em 1964 lançou um dos seus primeiro LP, onde encontravam- se canções como Opinião e Acender as Velas. Em suas letras a mensagem:

Podem me prender, podem me bater/ Podem até deixar-me sem comer/ Que eu não mudo de opinião./ Daqui do morro eu não saio não, daqui do morro eu não saio não (http://letras.terra.com.br/nara-leao/130956/).

Deus me perdoe, mas vou dizer/ O doutor chegou tarde demais/ Porque no morro não tem automóvel pra subir/ Não tem telefone pra chamar/ E não tem beleza pra se ver/ E a gente morre sem querer morrer (http://letras.terra.com.br/nara- leao/130925/).

Seus discos ainda são regravados e suas músicas fazem parte do repertório de muitos jovens nos dias atuais. Outro símbolo da Música Popular Brasileira da década de 1960 foi o já comentado cantor e compositor Chico Buarque de Hollanda. Sua extensa obra traz músicas, peças de teatro e até literaturas ligadas ao período do regime civil-militar brasileiro. Dentro de um universo bem amplo de composições, podemos destacar músicas como A televisão de 1967. A letra da canção dizia:

O homem da rua/ Com seu tamborim calado/ Já pode esperar sentado/ Sua escola não vem não/ A sua gente/ Está aprendendo humildemente/ Um batuque diferente/ Que vem lá da televisão (WERNECK, 2006, p. 163).

Trata-se de uma crítica a sociedade industrializada e a explosão da televisão como meio de comunicação de massa, transmitindo apenas a desumanização da cultura, devido ao seu caráter mecânico, onde o contato advindo das relações interpessoais e das emoções fica eliminado.

Outra canção que merece destaque chama-se Tamandaré, de 1965. É dessa ocasião o primeiro problema significativo de Chico com a censura, pois a música foi considerada uma ofensiva contra o patrono da marinha. Proibida pelo regime ela não chegou a ser gravada, vejamos o que dizia a letra:

'Seu Marquês', 'Seu' Almirante/ Do semblante meio contrariado/ Que fazes parado/ No meio dessa nota de um cruzeiro rasgado/ 'Seu Marquês', 'Seu' Almirante/ Sei que antigamente era bem diferente/ Desculpe a liberdade/ E o samba sem maldade/ Deste Zé qualquer/ Perdão Marquês de Tamandaré/ Pois é, Tamandaré/ A maré não tá boa/ Vai virar a canoa/ E este mar não dá pé, Tamandaré/ Meu marquês de papel/ Cadê teu troféu/ Cadê teu valor/ Meu caro almirante/ O tempo inconstante roubou (WERNECK, 2006, p. 144).

Seguindo a linha dessas canções Chico compôs a canção Bom Tempo, em 1968. Nela o compositor expõe o desejo de um tempo bom, como marca constante das músicas engajadas neste período, a busca pelo futuro que virá.

Um marinheiro me contou/ Que a boa brisa lhe soprou/ Que vem aí bom tempo/ Um pescador me confirmou/ Que um passarinho lhe cantou/ Que vem aí bom tempo/ Ando cansado da lida/ Preocupada, corrida, surrada, batida/ Dos dias meus/ Mas uma vez na vida/ Eu vou viver a vida/ Que eu pedi a Deus (WERNECK, 2006, p. 168).

Em 1970, Chico de volta do exílio compõe uma canção que viria a ser uma de suas mais famosas, Apesar de você. A música, uma verdadeira metáfora do Regime Civil-Militar, foi composta no período do General Médici, quando a tortura e o desaparecimento de pessoas eram uma constante. Chico fez a música e enviou para a censura certo de que não seria aprovada, pois sua letra dizia:

Hoje você é quem manda/ Falou, tá falado/ Não tem discussão, não./ A minha gente hoje anda/ Falando de lado e olhando pro chão./ Viu?/ Você que inventou esse Estado/ Inventou de inventar/ Toda escuridão/ Você que inventou o pecado/ Esqueceu-se de inventar o perdão./ Apesar de você/ amanhã há de ser outro dia./ Eu pergunto a você onde vai se esconder/ Da enorme euforia?/ Como vai proibir/ Quando o galo insistir em cantar?/ Água nova brotando/ E a gente se amando sem parar. Quando chegar o momento/ Esse meu sofrimento/ Vou cobrar com juros. Juro!/ Todo esse amor reprimido,/ Esse grito contido/ Esse samba no escuro./ Você que inventou a tristeza/ Ora tenha a fineza de desinventar/ Você vai pagar, e é dobrado/ Cada lágrima rolada/ Nesse meu penar (WERNECK, 2006, p. 184).

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