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Pra não dizer que não falei das flores: a Música Popular Brasileira diante dos fuzis

Sabe-se que a música como prática cultural e humana surgiu quando começou a ser construída em meio às sociedades ainda rústicas e antigas como uma forma de arte. Devido à dificuldade de se determinar o seu desenvolvimento de forma precisa, a história da música confunde-se com a própria história do desenvolvimento das culturas humanas. A música como instrumento cultural tornou-se ao longo dos séculos presença constante nas manifestações da sociedade em geral.

Os sons são objetos materiais especiais, produtos da ressonância e vibração de corpos concretos na atmosfera e que assumem diversas características [...]

carregados de características subjetivas proporcionam as mais variadas relações simbólicas entre eles e as sociedades (MORAES, 2000, p. 210).

Caracterizada por um tipo de expressão muito abrangente, a música atinge um significado importante entre as pessoas dos mais diversos níveis intelectuais e sociais, uma vez que não é necessário muito estudo para ser um apreciador de música, e talvez para ser um compositor também não. Como analisa Moraes (2000, p. 211): “o que denominamos de música, pressupõe condições históricas especiais que na realidade criam e instituem as relações entre som, criação musical, instrumentista e o consumidor/receptor”.

A música envolveu o cotidiano das pessoas, refletindo suas aflições e suas vitórias, trazendo a idéia e os sentimentos do compositor, mas transmitindo milhares de interpretações e sensações únicas aos seus ouvintes.

Sobretudo, a música popular pode ser compreendida como parte constitutiva de uma trama repleta de contradições e tensões em que os sujeitos sociais, com suas relações e práticas coletivas e individuais e por meio de sons, vão (re) construir partes da realidade social e cultural (MORAES, 2000, p. 213).

Logo, a propagação dessa arte cresceu muito ao longo dos séculos, e vem crescendo e se modificando cada vez mais. Novos sons são descobertos a todo o momento e a produção musical, como se percebe atualmente, nunca cessa.

No período de estudo (1964-1970), a música teve um papel importante e essencial. A década de 1960 é lembrada pelas mudanças musicais que até hoje fazem parte do nosso dia-a- dia. Mas principalmente esta década demonstra,

o florescimento cultural e político, que ligava-se a uma série de condições materiais comuns a diversas sociedades em todo o mundo: aumento quantitativo das classes médias, acesso crescente ao ensino superior, peso significativo dos jovens na composição etária da população, num cenário de crescente urbanização e consolidação de modos de vida cultural típicos das metrópoles, num tempo de recusa às guerras coloniais e imperialistas (RIDENTI, 2005, p. 90).

O mundo na década de 1960 vivia um modelo político-ideológico chamado de Guerra Fria. Esse modelo vigorou a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, quando duas potências - Estados Unidos e União Soviética - passaram a disputar entre si a hegemonia e a influência econômica, política e militar no resto do mundo. O confronto, que ficou também no campo ideológico, devido à posse que os dois países tinham de armas nucleares suficientes para destruir o planeta, acabou por alimentar conflitos de alta tensão em outras regiões, como forma de defrontar os dois países.

Por conseqüência, os norte-americanos, baseados no capitalismo, decidiram reformular sua política externa, para fazer frente à expansão do socialismo, base dos soviéticos. Nos anos de 1950 e 1960, essa política norte-americana de contenção da expansão socialista leva à participação da nação na Guerra da Coréia e na Guerra do Vietnã, fonte de grandes críticas e tensões internas no país (ZAPPA, 2008).

Dentro deste modelo, soviéticos e norte-americanos, servem-se dos meios de comunicação e de outras formas de produção cultural para difundir seus ideais de vida, de consumo e de sociedade.

A lógica econômica que vigorava no mercado mundial, determinava uma hegemonia do modo capitalista industrial e, portanto, um fortalecimento da burguesia enquanto agente de produção. Porém, a força de trabalho do proletariado, que também participa desse processo, necessita agora comportar-se tanto como produtores, quanto como consumidores, para que o sistema capitalista possa crescer mais. A abertura do mercado aliada ao período da Guerra Fria, onde apenas dois modelos eram ofertados aos países de Terceiro Mundo, propiciou a penetração e infiltração direta dos Estados Unidos no Brasil (PAES, 2004).

A sociedade norte-americana, orgulhosa pela vitória com o fim da Segunda Guerra Mundial e baseada em um sistema capitalista desenfreado, começou a viver basicamente da excessiva aquisição de bens de consumo, mas permanecendo ainda com padrões culturais e sociais de uma sociedade conservadora e antiga, que discriminava os negros e explorava as minorias sociais (BRANDÃO, 1990).

Os jovens dessa sociedade norte-americana, uma geração que cresceu num período de guerras e desentendimentos mundiais, apresentou por volta do ano de 1960, total aversão ao sistema em curso e iniciaram uma contestação exigindo a modificação imediata dos padrões definidos. Como ocorreu também na Europa em 1968, por um grupo de jovens que despertaram o sentimento crítico, e passaram a negar o tipo de sistema vigente, um sistema excludente, desumano e egocêntrico (BRANDÃO, 1990).

Para esses jovens que queriam uma nova vida, as manifestações culturais significaram uma via de acesso na demonstração de suas propostas e ideologias, e na tentativa de colocá- las em prática.

A década de 1960 em si é lembrada por uma forte mudança no comportamento dos jovens da época, marcada pela contestação, insatisfação e rebeldia. O quadro político-social em geral estava bastante agitado. Haviam protestos e manifestações crescentes em todo o mundo. Percebia-se a necessidade de mudar os conceitos sociais e os padrões culturais

firmados por uma sociedade antiga e conservadora, da qual os jovens não se interessavam em fazer parte.

A juventude da década de 1960 trazia consigo algo especial. Era uma vontade de mudar o mundo, de torná-lo melhor, mas não somente isso. Era uma busca pela liberdade, pelo respeito, era a ousadia de gerar mudanças profundas, de questionar o individualismo, a razão, valorizava-se acima de tudo a vontade de transformação, a ação para mudar a História e para construir o homem novo, como propunha Che Guevara (RIDENTI, 2005).

Assim, todo esse movimento preconizado por jovens norte-americanos e ingleses decretou-se contracultural, e nascia do protesto e da recusa da cultura dominante. Tratava-se de vários movimentos da juventude dos anos de 1960, como o movimento hippie, o cinema, o teatro, as artes plásticas e o rock. Onde não haviam princípios ou programas formulados, apenas uma revolta cultural, que contestava a cultura ocidental, valorizando: a natureza; a luta pela paz e o fim da repressão; a vida em comunidade; a alimentação natural; a liberdade sexual e amorosa; o anti-consumismo; a valorização da religiosidade oriental; a crítica a veículos de massa e a forma despojada e livre de expressão artística (PAES, 2004).

A contracultura era tida como algo exótico, devido as suas idéias desagregadoras da família e do sistema, mas todas essas atitudes pretendiam desacomodar a sociedade, provocando – ou tentando provocar - uma verdadeira desalienação. Suas manifestações deram-se através de shows improvisados, espetáculos teatrais, filmes e publicações (BARROS, 2004).

É possível perceber que

no Brasil, as idéias contraculturais foram difundidas por pequenos grupos, em sua maior parte, composto por jovens da classe média e por intelectuais entre outros, curiosos e antenados com os movimentos libertários provenientes de outros lugares do mundo (BARROS, 2004, p. 35).

A identificação dos jovens com essas bandas e com os músicos recém revelados no cenário cultural passa a ser eufórica, e “paralelamente, surgiam revistas, programas de televisão, lojas e indústrias dedicados exclusivamente aos jovens e que passariam a depender de seu consumo” (ZAPPA, 2008, p.32). Através da consolidação do capitalismo e de um mercado interno de bens materiais, desenvolve-se um mercado de bens simbólicos8.

8 Como bens simbólicos, quisemos nos referir, por exemplo, a: roupas, sapatos, comida, livros, filmes, revistas e

Temos que admitir que a propagação do rock foi possível, em grande parte, devido aos meios de comunicação, que naquela época já eram bem eficientes. Claro que devemos observar particularmente cada caso, inclusive o do Brasil, mas é certo que o conjunto das manifestações culturais já progredia em diversos países, portanto levava a música a uma mudança decorrente disto.

Um grupo ainda aparentemente oculto na sociedade - os jovens universitários - através dos debates e da crítica, próprios da atividade acadêmica, construíram questionamentos crescentes da sociedade, o que os tornou mais participativos nas discussões acadêmicas, e favoreceu o imenso progresso dos movimentos estudantis em todo mundo, inclusive no Brasil através da União Nacional dos Estudantes - UNE9 (REIS; RIDENTI; MOTTA, 2004).

As manifestações culturais em torno da música transformaram-se na medida em que novos ritmos e novos instrumentos, como o rock’and’roll e a guitarra elétrica, eram criados e utilizados. Assim como as letras, que compostas com liberdade e criatividade, identificavam o contexto e os sentimentos daquela juventude florescente.

A grande aproximação da música com a sociedade e com a política brasileira, deu-se através de um cenário particular, um período de renovação radical da música popular brasileira em geral, juntamente com uma consolidação do capitalismo nacional, e uma evolução dos meios de comunicação no mundo, tendo seu auge por volta dos anos de 1960.

No caso brasileiro, como a música popular está diretamente imbricada em nosso processo de modernização, ela acaba concentrando expectativas de objetivação histórica, de superação de um determinado passado, cujo sentido é fruto dos projetos culturais e ideológicos em jogo (NAPOLITANO, 2005, p. 91).

A herança trazida pela história da música popular brasileira nos permite distinguir, na década anterior, a princípio, dois pólos musicais a nível nacional, mais expressivo no caso de Rio de Janeiro e São Paulo. Tratava-se da música feita no morro, e da música feita no centro da cidade. Esse choque fazia parte do que “difundia-se na época, o dualismo, que apontava a sobreposição de um Brasil moderno a outro atrasado” (RIDENTI, 2005, p. 85).

Podemos identificar nesse processo, o que Napolitano chama de "movimento de abertura e de fechamento", onde a necessidade de retomar a criação musical nacional é

9 A União Nacional dos Estudantes é a principal entidade estudantil brasileira. Fundada em 1937, ela representa

uma unidade no âmbito da comunidade acadêmica, que atua no cenário social, político e cultural. Na década de 1960, ela ganha força quando os estudantes se organizam e fundam diretórios centrais dos estudantes (DCE) e diretórios acadêmicos (DA). Além disso, nesse período ela atua como precursora de importantes movimentos culturais brasileiros. Sua sede atualmente é em São Paulo (PELEGRINI, 1997).

baseada tanto na seletividade da tradição através da relação com o passado; quanto na ruptura, através da relação com o presente. Quer dizer um processo de tradição aliado a elementos fornecidos pela modernização nacional em ascensão, orientando essa produção musical, que, no entanto, atingiu um espaço além, o espaço artístico. (2005, p. 68-69).

Mas o próprio surgimento do rádio e da TV propiciou uma grande difusão e consumo dessas manifestações culturais em adaptação. Principalmente no caso da música, que inicialmente ficava restrita ou ao morro ou ao centro da cidade, iniciou seu processo de transição. Por conseguinte, esses dois estilos musicais vieram a se unir em um só, provocando mudanças justamente entre 1964 e 1970, pois se percebeu a necessidade de ter uma música essencialmente brasileira, sem influências exteriores, e mais que isso, nasceu a necessidade de derrubar as barreiras da fragmentação que se encontrava a Música Popular Brasileira. Nesse sentido, a idéia de MPB expressou uma aliança social e política entre diversas classes sociais em torno de um ideal de nação (NAPOLITANO, 2005).

A arte nacional disseminava uma proposta

que colaborasse com a desalienação das consciências. Recusava-se a ordem social instituída por latifundiários, imperialistas e – no limite, em alguns casos – pelo capitalismo. Compartilhava-se certo mal-estar pela suposta perda da humanidade, acompanhado da nostalgia melancólica de uma comunidade mítica já não existente, mas esse sentimento não se dissociava da empolgação com a busca do que estava perdido, por intermédio da revolução brasileira (RIDENTI, 2005, p. 87).

A partir de então, alguns lugares como o famoso Beco-do-joga-a-chave-meu-amor10 e

o Beco das Garrafadas11, e restaurantes como o Zicartola12, proporcionavam grandes noites

de música popular brasileira. Alguns desses espaços públicos agrupavam músicos dos dois pólos, proporcionando um sarau entre os dois estilos musicais, que apesar de distintos, se complementavam e produziram uma nova música popular brasileira. O objetivo era

10 Significa uma ruazinha, a Carvalho de Mendonça, que liga as ruas Duvivier e Rodolfo Dantas, localizada em

Copacabana no Rio de Janeiro, cheia de bares e inferninhos freqüentados por artistas e intelectuais cariocas. Assim é chamada porque, diz a lenda, alguém uma noite gritou "joga-a-chave-meu-amor" - e morreu soterrado por toneladas de chaves. Era o lugar certo para ouvir a melhor música de 1960 (MOTTA, 2000).

11 O Beco das Garrafas assim chamado porque, realmente jogavam essas pela janela por causa das brigas e

barulhos das boates que, toda noite, assombravam os moradores do beco (MOTTA, 2000). 12

A criação do restaurante Zicartola, em 1963, abriu outro espaço fundamental para a renovação do gosto dos estratos mais jovens da classe média, proporcionando encontros sociais e culturais com o morro. Essas pontes não uniram apenas duas tradições, mas, fundamentalmente, dois públicos: o jovem estudante de classe média e o povo, que ao longo dos anos romperia os limites do público carioca e seria a base na expansão do leque de ouvintes da música popular (NAPOLITANO, 2000).

demonstrar o cotidiano, a vida social, o ambiente nacional, as angústias e as felicidades de todos os brasileiros (MOTTA, 2000).

Como analisa Napolitano, geralmente o processo de apropriação e construção de sentido para atos culturais está ligado a certas composições e alianças ideológicas e culturais entre vários grupos e classes sociais, que são continuamente refeitas (2005).

Contudo, o país já acompanhava a emergência de uma geração de jovens e músicos que presenciam uma nova ordem política, ainda burguesa, mas principalmente ditatorial. E a Música Popular Brasileira, na década de 1960, acompanhou um processo que passou pela

Bossa Nova com João Gilberto, pela Jovem Guarda com Roberto e Erasmo Carlos e atingiu a

chamada MPB, uma reestruturação da música popular brasileira, acompanhada pelas tensões internas, mencionada como mais do que um gênero, um complexo cultural formado após todas as influências e tendências musicais (MOTTA, 2000). Assim,

do contato da música nacionalista com o morro - proporcionado também pelos bares cariocas - nascia a MPB moderna que tenta incorporar essas linhas, distancia-se do samba de carnaval e da bossa nova 'jazzistica' para fazer uma música popular brasileira que atingisse a todos (NAPOLITANO, 2001, p. 16-17).

Todo esse processo induziu a Música Popular Brasileira a uma transformação, ligada essencialmente ao quadro político-social do Brasil naquele período, onde havia a necessidade de expressar-se de outras maneiras e de garantir que as mudanças sonhadas fossem possíveis. A arte, em vista disso, encontrou um espaço em florescimento, onde através dos jovens universitários e do movimento estudantil, da classe média, dos intelectuais e dos artistas, encontrou formas de renovar-se e ser a maior expressão cultural do período.

Pela análise de Napolitano, “entre nós, a idéia de MPB, expressou um momento de aliança social e política entre diversas classes sociais em torno de um ideal de nação, defendida, primordialmente, por setores nacionalistas da esquerda” (2005, p. 32).

A UNE, responsável por grande parte das manifestações culturais dos anos de 1960, abriu espaço para a ação do chamado CPC (Centro Popular de Cultura), que atuou de 1962 a 1964. Esse centro de cultura pretendia atingir através da arte a população brasileira, entendida como uma massa alienada pela indústria cultural. O objetivo do CPC era a propaganda política, era fazer da atividade cultural um instrumento de conscientização, e os jovens intelectuais que se organizam em torno desse novo papel da arte e do artista, pretendiam interferir no processo político do país (BRANDÃO, 1990).

A elite estudantil universitária valorizou compositores e artistas populares em geral. Estes que já se encontravam misturados com estudantes de camadas sociais mais baixas, formavam uma massa crítica que queria denunciar as disparidades sociais e regionais, e que defendia soluções de caráter socialista ou de esquerda para os problemas nacionais.

Os CPC’s, aos poucos se espalharam-se por todo o país, organizando-se em departamentos como teatro, cinema, literatura, artes plásticas e cultura popular. “O intelectual do CPC era o militante da cultura popular” (VILARINO, 1999, p. 47). Nos grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo, o CPC revelou muitos artistas, surgiram nomes que marcaram a década de 1960, estendendo-se às décadas seguintes, e cuja influência, nacional e internacional, chega aos dias atuais.

A juventude nacional nesse momento vivia na promessa de um país em que as artes floresciam, e que a discussão social e política iam caminhando para uma verdadeira democracia. O clima era de euforia e prosperidade, as discussões nacionais e intelectual- acadêmicas acirravam o choque entre partidários de esquerda e partidários de direita, os movimentos sociais ganhavam força, principalmente entre a classe trabalhadora (BARROS, 2004).

Todavia, o panorama influenciado pela imprensa era avaliado como de baderna, anarquia e ameaça comunista. Falava-se em subversão diante dessas iniciativas de reivindicar o alargamento da democracia política e a realização de reformas do capitalismo (REIS; RIDENTI; MOTTA, 2004).

A ideologia nacional-desenvolvimentista vigorava, juntamente com a crença de um país vivendo o seu momento de arrancada. Tínhamos uma industrialização crescente e a formação de uma estrutura que prometia trazer paz e prosperidade a todos através do consumo e do trabalho (REIS; RIDENTI; MOTTA, 2004). Como expõe Ridenti:

a sociedade brasileira ainda era predominantemente agrária pelo menos até 1960; estava em andamento um dos processos de urbanização mais rápidos da história mundial: de 1950 a 1970, a sociedade brasileira passou de majoritariamente rural para eminentemente urbana, com todos os problemas sociais e culturais de uma transformação tão acelerada (2005, p. 87).

No entanto, nossa caminhada rumo à modernização deixava de lado uma parte da população que vivia na miséria, no campo e também na cidade, e que multiplicava cada vez mais o seu quadro de pobreza nas periferias. Como divulgado em Janeiro de 1968, em nota sobre a cidade de São Paulo, observa-se que

[...] estão surgindo novas favelas, sobretudo na margem esquerda do Rio Tietê [...] o Prefeito determinou à Secretaria do Bem-Estar social que tome medidas para evitar a proliferação das favelas (O GLOBO, 1964, p. 5).

Assim percebia-se um país em crescente desigualdade social, em meio à busca de soluções para superar a crise adentrada no início da década de 1960, com uma inflação altíssima13 e um quadro político conturbado.

É nesse contexto que a Música Popular Brasileira expressou e equacionou os impasses nacionais. Ela integrou a configuração e crise do nacional-popular, e a modernidade brasileira, com diversos atores envolvidos (NAPOLITANO, 2005).

A origem da MPB foi anunciada através de vários LP’s e eventos musicais que apontavam para essa nova postura musical, como: Edu Lobo, 1962; Nara Leão, 1963; Chico Buarque de Hollanda, 1966. O movimento desta nova MPB se deparou com o

choque entre o valor artístico, como expressão cultural das classes, e o valor comercial, da música como mercadoria. Há o choque entre a música brasileira e a música estrangeira. Todos eles se interdependem e resultam das contradições econômicas existentes (Lins e Barros apud Napolitano, 1962, p. 26).

Os jovens compositores da MPB, já conscientes e reflexivos a respeito do quadro político nacional, e possuidores de uma visão sócio-cultural ampla, viram na TV o grande meio de comunicação de massa em ascensão no momento, a oportunidade de ampliar seu espaço nacional, através dos chamados Festivais de Música (VILARINO, 1999). Isto porque a música, em um período de exceção, torna-se uma tomada de posição.

O I Festival da MPB ocorreu em São Paulo, em 1965, e foi transmitido pela extinta TV Excelsior, iniciando a Era dos Festivais da Canção. Nele concorreram nomes como Elis Regina e Baden Powell, interpretando canções de outros compositores.

A intérprete e o compositor-intérprete foram grandes fenômenos de vendagem na segunda metade dos anos 60 e tinham uma característica comum: o estilo de interpretação de Elis e as canções de Chico traziam em si a tradição do samba canção e do samba carioca dos anos 30/40, ao mesmo tempo que incorporavam a ruptura da bossa nova (NAPOLITANO, 2001, p. 163).

Em 1966, o lançamento do II Festival da MPB era anunciado pela TV Record, emissora que já contava com um imenso elenco de artistas contratados, e possuía diversos programas musicais que alcançavam uma grande faixa de telespectadores (MOTTA, 2000).

O II Festival da MPB, em 1966, já se dirigiu a um público engajado e nacionalista, formado por uma imensa massa de estudantes eufóricos, verdadeiras torcidas organizadas, e

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