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A argumentação de Plantinga é igualmente analógica. Depois de construir o experimento mental da Terra Gêmea, Plantinga sustenta que existe muita semelhança com a nossa própria história evolutiva. Assim, se pensamos que a probabilidade de R com respeito a esses organismos hipotéticos é relativamente baixa sob N&E, devemos pensar a mesma coisa sobre a probabilidade de R a respeito de nós mesmos. Portanto, temos um anulador para nossa crença em R. Temos razões para duvidar e sermos céticos em relação à confiabilidade epistêmica de nossas faculdades cognitivas. Portanto, a

Dúvida de Darwin aplica-se a nós também e não apenas aos organismos fictícios do experimento mental.

Para Plantinga (1993b), há uma estrita relação entre a confiabilidade das faculdades cognitivas e os fatos de suas origens. Assim, se acreditamos que fomos criados por um demônio cartesiano, temos razões para anular a confiança em todas as crenças que possuíamos, exceto a crença de que “fomos criados por um demônio”. Outro caso semelhante seria: se formos sequestrados por supercientistas de Alfa do Centauro, e descobrirmos que somos vítimas de experiências cognitivas feitas por esses alienígenas, então teremos um anulador para a confiança em R.

Outras analogias podem ser citadas: a) compartilhar com Freud, com Feuerbach ou mesmo com Marx, a ideia de que a crença em Deus é apenas uma ilusão criada para a auto-satisfação de nossos desejos infantis; b) projeção de nossas próprias qualidades e potencialidades em um modo infinito; c) uma alienação de nossa situação; e d) a manutenção do status quo. Se tivermos essas crenças em relação à origem de nossas crenças religiosas, teremos também um anulador para a confiabilidade epistêmica de todas as nossas crenças religiosas e uma desconfiança em relação a todas as nossas faculdades cognitivas que produzem tais crenças.

Outro caso é o de um funcionário em uma linha de montagem de uma indústria, que sabe que os objetos que estão sendo fabricados não são vermelhos, mas eles lhe aparecem como vermelhos. O motivo é que há lâmpadas vermelhas que ajudam a identificar possíveis problemas nos objetos fabricados e assim evitam problemas de qualidade das peças. O funcionário tem a crença de que “esses objetos não são vermelhos, eles apenas aparecem como vermelhos”. Esse sujeito tem um anulador para as crenças de que os objetos da linha de montagem são da cor vermelha.

Para Plantinga (1993b), os epistemólogos naturalistas que sustentam N&E estão em uma situação muito parecida aos experimentos previamente elencados, como é o caso dos sequestrados pelos supercientistas extraterrestres de Alfa do Centauro. Neste foco está a força do argumento, sendo que esses epistemólogos naturalistas, que sustentam N&E, também teriam um anulador para sua crença em R.

Concluindo, o AECN sustenta que, se alguém aceita que P(R/N&E) é baixa ou inescrutável, então esse sujeito possui um anulador para R e, assim, nenhuma de suas crenças é garantida de um ponto de vista epistêmico.

Reforçando o argumento da baixa probabilidade, de que as crenças sejam verdadeiras na sua grande maioria, dado N&E, podemos construir outro argumento

análogo ao de Plantinga (1993b), mas que não está interessado diretamente na relação entre crença e comportamento. Este argumento está presente, de modo sutil, no argumento elaborado por Taylor (1969), que já foi visto capítulo anterior desta tese. Vejamos o argumento:

(P1) Muitas de nossas crenças (por exemplo, as crenças sobre o mundo exterior) são o produto ou estão relacionadas, de algum modo, com os estímulos de nossos cinco sentidos.

(P2) O cérebro é encarregado de fazer a síntese de nossos sentidos, visto que posso saber o gosto de uma fruta e sua cor, mas não posso saber pelo sentido da visão o sabor dessa fruta.

(P3) Se o cérebro faz essa síntese desses estímulos, os estímulos dos meus sentidos são traduzidos neurofisiologicamente pela química cerebral.

(P4) O cérebro não tem como saber se os estímulos sensórios traduzidos são ou não adequados a suas percepções do ambiente, que causou suas percepções.

(C) Logo, o cérebro não pode saber se as crenças que ele possui são adequadas às coisas percebidas.

Muito dificilmente alguém que não seja um cético, subjetivista ou solipsista vai negar que deve haver algum tipo de vínculo entre o mundo e as crenças (P1). Igualmente, com frequência, alguém que seja um naturalista ontológico também vai negar que é o cérebro que faz a síntese das informações advindas de nossos sentidos. Como sabemos diferenciar entre o sabor de uma fruta e sua cor? Como resposta, a neurologia, a neurociência e a psicologia evolutiva vão afirmar que é o cérebro (P2). Se

S percebe A, a informação sobre A é decodificada pelo cérebro através de uma complexa

transformação neurofisiológica. Por exemplo, Marcos vê uma árvore. Essa percepção visual será traduzida bioquimicamente pelo córtex cerebral (P3). O cérebro, contudo, está fechado dentro dele mesmo. Ele não pode comparar o objeto percebido e a percepção que originou, nem conferir se o conteúdo proposicional da crença que “Eu estou diante de uma árvore” é verdadeiro (P4). É como se fosse alguém submetido a uma ressonância magnética. O neurocientista inoculou uma dose de contraste radioativo no sangue do indivíduo. O neurocientista visualiza na tela do computador as zonas de ativação cerebral quando o indivíduo testado vê uma maçã, come um pedaço de maçã, e assim por diante. É impossível, a priori, ao cientista ter qualquer noção a respeito de que sentido está sendo ativado e de que tipo de objeto está sendo sentido. Se o neurocientista fizer hipóteses, como de fato faz, é porque ele pode, de alguma maneira,

acessar o que o indivíduo sente e o que o computador mostra. Mas como o cérebro não tem essa possibilidade, o que ele sente e as crenças que ele gera não são garantidos (C).

Se nosso argumento é sólido e o cérebro de fato é o único órgão centralizador, então mesmo tendo crenças das quais não pudéssemos saber o valor de verdade, isso não ocasionaria a morte das espécies – a prova é que nós e muitos outros animais estamos vivos. Tendo crenças, sem saber o valor de verdade delas, temos razões para anular o N&E ou, pelo menos, suspender o juízo em relação à verdade de N&E.

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