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O PROBLEMA DA GENERALIDADE E A TFA

O problema da generalidade implica que não temos princípios necessários e suficientes para distinguirmos entre os vários elementos de determinado processo cognitivo, os quais são os elementos relevantes para decidir entre a confiabilidade ou não desse processo. Por exemplo, se eu tenho a crença de que estou tomando café, há vários fatores em jogo, entre eles, o sujeito estar diante de uma xícara de café, de hoje ser domingo, de a xícara ser da cor branca, e assim por diante. Quais desses fatores são necessários para eu saber que minha crença é confiável? Em relação aos problemas do tipo Gettier, a solução do confiabilista será de argumentar que havia um contexto ou

fatores não confiáveis que geraram uma crença verdadeira, mas não conhecimento.

Alvin Goldman, oralmente, em um simpósio sobre garantia em St. Louis (1986), acusa a teoria da garantia de Plantinga do mesmo problema: “Plantinga deve-nos uma resposta à questão, precisamente quais são as faculdades que existem, e quais delas devem estar funcionando apropriadamente para uma dada crença estar justificada?” (GOLDMAN apud PLANTINGA, 1993b, p. 29, tradução nossa).

Richard Feldman (1985), em seu artigo Reliability and justification, locus

classicus do argumento da generalidade contra o confiabilismo, expõe seu argumento

contra o confiabilismo genérico ou, na expressão de Plantinga, o paradigma confiabilista. Esse paradigma sustenta que uma crença é justificada se e somente se é produzida por um processo confiável. O grau de confiabilidade varia em direção proporcional à confiabilidade do processo que o produz. Assim, a confiabilidade é uma propriedade de tipos de processos de formação de crenças, e toda crença é um token de muitos diferentes types. Entretanto, tipicamente, a confiabilidade dos types variará. Portanto, para toda dada crença p, que tipo de processo de formação de crença nós devemos focalizar? Para Feldman (1985), nós desconhecemos que tipos existem e quais deles são confiáveis, quais objetivam a verdade e quais deles são relevantes para avaliar

se uma crença está ou não justificada. Por exemplo, S lembra-se de que tomou café hoje de manhã. Então, como saber que a crença de S está justificada, quais são os tipos relevantes que fazem com que a crença de S seja confiável? Se não temos acesso a esse tipo de dados, a teoria confiabilista é incompleta.

Feldman (1985) sustenta, mutatis mutandis, que a teoria da função apropriada tem o mesmo problema. O autor defende que não sabemos quais são os módulos do projeto e nem se existem tais módulos, nem se estes módulos estão funcionando apropriadamente ou se existe uma alta probabilidade objetiva de p ser verdadeira, uma vez que tem sido produzida por esses módulos. Portanto, não temos como aplicar a teoria, desconhecendo esses fatos.

Plantinga (1993c) responde a Feldman (1985), em seu texto Why we need proper

function. Plantinga (1993c) utiliza-se de um exemplo para começar a responder a

Feldman e refutá-lo ou, pelo menos, enfraquecer o seu ataque. Assim, se Feldman (1985) tem uma experiência visual, que está diante de muitas pessoas, ele terá a crença garantida de que há muitas pessoas na sua frente. Diz Plantinga (1993c, p. 73, tradução nossa):

Mas qual, exatamente, é o problema? [...] Muitas são as faculdades envolvidas na produção da crença de Feldman funcionando apropriadamente e visando a verdade? Eu penso que sim. Está no ambiente cognitivo apropriado para essa espécie de sistema cognitivo? Certamente parece que sim. E existe uma alta probabilidade objetiva que a crença produzida pelas faculdades (todas as envolvidas na produção da crença de Feldman) funcionando apropriadamente num ambiente apropriado seria verdadeira? Eu não vejo razão para duvidar disso. Eu realmente não vejo problema aqui.

Plantinga (1993c) apela para a força do senso comum, para garantir que Feldmann (1985) está equivocado em sustentar que não podemos saber se uma crença está justificada, apelando para a confiabilidade da função apropriada de nossos módulos cognitivos.

Dawson (1998) levanta uma questão a respeito dessa objeção de Plantinga a Feldmann. O autor assim se posiciona: é forte um argumento que se baseia no senso comum? Se muitas pessoas acreditam em p, em uma circunstância C, logo a crença p é provavelmente verdadeira? Parece que nem provavelmente verdadeira e nem garantida.

Plantinga (1993c) é um otimista epistêmico. Para ele, assim como para Aristóteles (1967), Tomás de Aquino e Reid (2005) a maioria de nossas crenças do senso comum é verdadeira. Plantinga (1983b) explica-nos que não há por que provar e, às vezes, nem como provar as crenças autoevidentes, sejam essas crenças provenientes

da razão, da experiência subjetiva ou da empírica. Assim ocorre, por exemplo, com a crença de que outras pessoas têm mente e não apenas eu, Deus é bom, na minha frente

está meu notebook, estou feliz e eu existo. Para Plantinga (1983b) essas crenças são

garantidas, mas isso não quer dizer que sejam certas, pois elas podem vir a ser anuladas. Para esse autor, não existe como provar que diante de mim está meu notebook, se não aceitar tal crença. Todavia, posso anular tal crença, se vir a descobrir que tomei alguma substância que gera fortes alucinações. Essas crenças básicas não são inferidas, elas são dadas ao sujeito. Nesse sentido, torna-se claro que Plantinga é um fundacionista, externalista e falibilista próximo a Reid e Aristóteles.

Podemos oferecer outros argumentos. Parece-nos que a razão da confiança na intuição advém de que a não confiança na razão ou no aparelho cognitivo humano faz o agente doxástico contradizer-se pragmaticamente. Se um cético diz: “Eu não sei se tenho uma árvore na minha frente”, ele apenas diz que não sabe, mas vive como se soubesse. Assim, também se comportaria o solipsista, porque para ele tudo se passa como se de fato existisse o mundo externo. Suas crenças filosóficas são ficcionais. O solipsista, de fato, não acredita nelas.

Outra razão no espírito da filosofia de Plantinga, semelhantemente a Descartes, é que o projeto foi feito por Deus, que é bom, e que não nos engana. Somente dentro de uma pressuposição metafísica, o naturalismo epistemológico pode estar garantido, como veremos no terceiro capítulo.

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