• Nenhum resultado encontrado

Aplicação do direito ao livre desenvolvimento da personalidade no repositório jurisprudencial pátrio

3 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS STRICTO SENSU

3.5 A PROTEÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DO LIVRE DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE

3.5.2 Aplicação do direito ao livre desenvolvimento da personalidade no repositório jurisprudencial pátrio

Em que pese a especial relevância que o direito ao livre desenvolvimento da personalidade ocupa no cenário jurídico brasileiro, a jurisprudência pátria parece ignorar os indícios de potencialidade desse postulado implícito constante no sistema jurídico vigente. Isso, porque ao debruçar-se sobre os julgados proferidos pela Corte de maior instância do país verifica-se com clareza que o termo “personalidade” apenas é mencionado para se referir à personalidade jurídica stricto sensu ou ficta, destituída de qualquer conotação constitucional lastreada nos valores da pessoa humana.101

É dizer, a discussão que passa pelos tribunais se restringe sob o enfoque superficial em determinar a natureza das pessoas jurídicas, se submetidas ao regime de direito público ou privado, sem adentrar numa perspectiva mais profunda própria ao exame de uma Corte Constitucional que deveria voltar-se para tratar do direito ao livre desenvolvimento da personalidade e sua aplicação propriamente dita.102

Semelhante ao viés de interpretação constitucional, encontra-se assentada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que cuida de fazer menção aos direitos da personalidade com mais frequência, o que sugere um modelo de pensamento em consonância com os axiomas constitucionais, conquanto tais alusões, em sua maioria, estejam atreladas tão somente a duas das espécies de direitos personalíssimos, dentre elas a proteção aos direitos autorais e a ofensa ao direito à honra ou à imagem pela imprensa.103

Vê-se, portanto, que no plano dos tribunais superiores ainda não há que se falar na consolidação do direito ao livre desenvolvimento da personalidade como princípio geral do

100 GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2005, passim. 101 LUDWIG, Marcos de Campos. O Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade na Alemanha e

Possibilidades de sua Aplicação no Direito Privado Brasileiro. Revista dos Tribunais, p. 295, 2002. 102 VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2008, p. 50. 103 LUDWIG, op. cit., p. 297.

ordenamento pátrio, tendo em vista que a abordagem das discussões cinge-se apenas ao universo dos direitos da personalidade ou sobre a natureza das pessoas jurídicas como ventiladas alhures.

Todavia ao afastar-se das Cortes federais e declinar esforços direcionados à jurisprudência de alguns tribunais estaduais é possível verificar um panorama hermenêutico diferenciado, como ocorre, por exemplo, com as decisões judiciais do pretório Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), conhecido por inovar e ser precursor no tratamento de temas jurídicos de maior relevância.104

Tendo como ponto de partida uma análise sob o prisma constitucional, com destaque para o inteiro teor do artigo 5º da Carta Magna para dirimir litígios, marcados, inclusive, por conflitos entre normas jurídicas, o excelso tribunal comumente é reconhecido por traçar uma interpretação lato sensu acerca dos direitos da personalidade, sem estar preso exclusivamente aos direitos autorais, da imagem ou da honra, como ocorre entre a práxis das demais cortes judiciárias. Essa variedade no trato dos direitos personalíssimos traz a reboque efeitos especiais nas relações jusprivadas.

Essa nova perspectiva da atividade jurisprudencial inaugura uma fase centrada na consolidação da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88) que endossa, por sua vez, a plena vigência do postulado fundamental implícito que rege a ordem jurídica brasileira, qual seja, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, em que predomina a máxima segundo a qual a licitude do exercício de um direito está condicionada a ausência de prejuízo para outrem.105

Prova disso é o que ocorreu no caso sub judice para retificação de registro civil pleiteado por uma pessoa transexual, em que o TJRS firmou posicionamento no seguinte sentido, in verbis:

É preciso, inicialmente, dizer que homem e mulher pertencem à raça humana. Ninguém é superior. Sexo é uma contingência. Discriminar um homem é tão abominável como odiar um negro, um judeu, um palestino, um alemão ou um homossexual. As opções de cada pessoa, principalmente no campo sexual, hão de ser respeitadas, desde que não façam mal a

terceiros.106 (Grifo nosso).

104LUDWIG, Marcos de Campos. O Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade na Alemanha e Possibilidades de sua Aplicação no Direito Privado Brasileiro. Revista dos Tribunais, p. 298, 2002.

105

VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2008, p. 42.

106 BRASIL. Tribunal de Justiça do RS. Apelação cível nº 593110547. Relator: Luiz Gonzaga Pila Hofmeister. Porto Alegre, 10 de março de 1994.

Nessa toada, assegurar o direito à identidade pessoal é, sem dúvida, uma maneira de prestigiar os valores axiológicos de uma sociedade, ao contemplar as características e os anseios que refletem seu contexto histórico, cultural e ideológico que formam o direito de ter reconhecida a individualidade de cada pessoa humana em sua essência. A identidade pessoal, nesse sentido, caminha pari passu com a pluralidade de direitos que dialoga em linha de frente com o livre desenvolvimento da personalidade.

Em face do grau de importância que assume, incumbe a tarefa a este trabalho de associar o direito ao livre desenvolvimento da personalidade ao tema da (im)possibilidade de controle pelo empregador quanto ao surgimento de vínculos afetivos no ambiente de trabalho, partindo da premissa de que nas hipóteses de relações jurídicas em que há a geração de direitos recíprocos para as partes, como ocorre nas relações empregatícias, apenas se admite o exercício da prerrogativa de um dos sujeitos, desde que não importe em violação ao direito do outro à luz da dignidade da pessoa humana.

Sem a pretensão de arrematar a problemática em comento, cumpre tão somente advertir quanto à essencialidade de compreender o contexto dos vínculos afetivos no ambiente laboral em cotejo com os direitos fundamentais arrolados no decorrer da presente exposição como forma de auxiliar por meio de subsídios constitucionais na resolução da controvérsia que gravita em torno do tema.

4 A EXTENSÃO DO CONTROLE EMPREGATÍCIO NO ÂMBITO DO CONTRATO

Outline

Documentos relacionados