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6 Aplicação: a discussão sobre franquias de banda larga no Brasil

A notícia de que as operadoras de telecomunicações passariam a limitar o consumo de dados de seus usuários ao fixar franquias de uso de banda larga gerou forte discussão sobre as consequências da implantação deste modelo de negócio no Brasil. Apesar deste modelo de cobrança ser permi- tido pela atual legislação vigente no país, seu uso ainda é insipiente. Prevalece nos contratos a permissão de consumo de dados sem limites de uso, a uma determinada velocidade contratada, ou as franquias de dados previstas em contratos não são de fato respeitadas.

Em termos operacionais, as operadoras de telecomunicações projetam a demanda por tráfego de dados em sua rede e, a partir dessa projeção, realizam investimentos nestas de modo que a sua capacidade atenda o uso projetado. Dessa forma, as redes de transmissão são dimensionadas para atender determinada taxa de uso por unidade de tempo. Espera-se que os usuários não estejam sobre a rede concomitantemente. Portanto, é comum a venda de capacidade além da máxima suportada pela rede. A firma espera um tráfego menor em relação a sua capacidade, a cada instante de tempo, tal como bancos mantêm apenas parte dos seus depósitos à vista a disposição para que seus clientes efetuem saques. Caso todos os clientes exerçam seu direito de saque ao mesmo tempo, certamente haverá um problema de liquidez. Com redes de telecomunicações o efeito é semelhante. A qualidade do serviço cairá caso haja uso além do projetado.

Uma vez estabelecida a rede, os seus custos de manutenção são fixos, independentemente do número de usuários e da sua respectiva demanda por tráfego. Porém, como já comentado, o excesso de demanda sobre a infraestrutura reduz a qualidade da experiência de uso dos clientes. Apesar do custo de manutenção da rede ser fixo, diversos outros custos surgem quando a demanda supera a capacidade da rede: elevação de custos administrativos, multas por não atendimento de requisitos regulatórios, custos de imagem, quebras de cláusulas contratuais e etc.

Podemos analisar o mercado de banda larga a luz do modelo apresentado nas seções anteri- ores.3 Vimos que, quando não há restrição de capacidade, permitir ou não a oferta de contratos

3Diferentemente do modelo apresentado neste trabalho, as operadoras não tem anunciado cobrança por uso além

da franquia, mas a suspensão do uso ou redução da velocidade de conexão caso o consumidor ultrapasse o threshold estabelecido em seu contrato. Porém, note que esta medida é equivalente a ajustar o preço de consumo além da franquia

com franquia de uso não altera o bem-estar de consumidores e firma. Quando há restrição de ca- pacidade, foi demonstrado que permitir esse tipo de cobrança, de forma agregada, pode melhorar a situação tanto de consumidores quanto da firma. Na pior das hipóteses, o modelo demonstra que a situação dos agentes não se altera. Além disso, nesta situação de restrição de capacidade de oferta, permitir a oferta de contratos com franquia pode aumentar o número de consumidores no mercado, ao induzir uma redução na tarifa.

Claro está, no entanto, que permitir esse modelo de cobrança não deve ser a solução do pro- blema. A solução ideal passa por investimentos na rede que permitam às empresas atender a demanda potencial. Porém, no curto prazo, este modelo contratual pode elevar o bem-estar dos agentes deste mercado, de forma agregada. Do ponto de vista regulatório, cabe atenção ao fato da franquia melhorar a situação das firmas. Ao colocar a firma em posição superior ao contrato flat, este modelo contratual pode induzir a firma a se estabelecer em uma situação de conforto quanto a sua infraestrutura, adiando os investimentos necessários para uma melhor oferta dos serviços de te- lecomunicações. Especialmente em mercados mais concentrados, este deve ser um ponto de alerta, dado que em ambientes competitivos a pressão por novos investimentos e melhora na qualidade do serviço são superiores.

É interessante notar que, no Brasil, a discussão sobre a cobrança por franquias aparentemente trouxe elementos a decisão das firmas que vão além dos apresentados no modelo deste trabalho. Fica claro neste debate que, de forma geral, a população se mostra desfavorável a cobrança por franquias.4 Este fator traz um custo adicional às firmas adotarem este modelo de cobrança. Talvez, devido a este fator adicional, as firmas só desejem implantar o modelo de cobrança com franquias para os contratos associados a planos que usam a conexão sobre a rede telefônica (planos ADSL), enquanto que para os planos de fibra ótica não demonstram a mesma intenção.5

Em última análise, o modelo aqui apresentado demonstra que o modelo contratual com limites de uso se mostra mais adequado para redes defasadas e deveria ser permitido às firmas fazerem uso

de maneira que nenhum consumidor tenha interesse em consumir além deste limite. Veja notícia: “Sua operadora vai adotar o limite da internet fixa? Veja”. Uol, 28/04/2016.

4Veja notícia: "Consumidores são totalmente contra a franquia na banda larga fixa, diz pesquisa". Brasil Econô-

mico, 16/06/2016.

Figura 4: Número de Contratos de SCM (em milhões). Fonte: Anatel.

deste tipo de contrato. Sempre salientado que a solução definitiva deste problema de capacidade passa necessariamente pela modernização das redes de transporte de dados. Apenas com novos investimentos será possível atender a crescente demanda deste mercado.

Figura 5: Composição Contratos SCM. Fonte: Anatel.

5% 5% 5% 5% 5% 5% 5% 5% 5% 5% 5% 5% 4% 4% 4% 4% 4% 4% 4% 4% 4% 4% 4% 34% 33% 33% 32% 32% 31% 31% 31% 30% 29% 29% 29% 29% 28% 28% 28% 27% 27% 27% 26% 26% 26% 26% 44% 44% 44% 43% 42% 42% 41% 41% 40% 40% 40% 39% 39% 39% 38% 38% 38% 37% 37% 37% 36% 36% 36% 13% 13% 14% 15% 16% 17% 18% 19% 20% 21% 21% 22% 22% 23% 24% 24% 24% 25% 25% 26% 27% 26% 25% 3% 4% 4% 4% 4% 4% 5% 5% 5% 5% 5% 6% 6% 6% 6% 6% 6% 7% 7% 7% 7% 9% 10% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% 0kbps a 512kbps 512kbps a 2Mbps 2Mbps a 12Mbps 12Mbps a 34Mbps > 34Mbps

ras. Observando os dados do número de contratos de serviços de comunicação multimídia (SCM) e a sua composição (Figuras 4 e 5), fica nítido que há uma clara tendência de aumento deste mercado e da elevação do número de contratos de alta velocidade (acima de 12 Mbps). Portanto, é prová- vel que a rede antiga (telefônica) esteja mal dimensionada à demanda atual, de modo que, pelas razões apresentadas aqui se torne vantajoso para as operadoras enfrentarem estes custos adicionais mencionados e optarem pelo contrato com franquia de uso. Já para as novas redes de fibra ótica, que devem ter capacidade suficiente para atender a atual demanda, os contratos de uso ilimitado devem estar bem ajustados, de modo que enfrentar este custo de imagem adicional se torna menos vantajoso. Além do fato, já mencionado, de que quando a infraestrutura esta bem desenhada, o modelo de cobrança não altera o bem-estar da firma.

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Discussão e Considerações Finais

Vimos que, no modelo apresentado neste trabalho, quando uma firma enfrenta significativas restrições de capacidade de oferta, desenhar contratos com a previsão de limite de consumo co- loca o monopolista em melhor posição. Neste cenário, de forma agregada, o equilíbrio resultante também eleva o bem-estar dos consumidores. Nesta situação, a capacidade de a firma induzir o nível de consumo que deseja lhe permite reduzir a tarifa final do contrato e o nível de consumo concomitantemente. Desta forma, mais consumidores entram no mercado e a receita adicional oriunda destes consumidores entrantes eleva o lucro da firma, a despeito da redução da tarifa co- brada. A presença de um maior número de consumidores e menores tarifas resultam em ganhos de bem-estar para este grupo. Claro fica, no entanto, que este equilíbrio não implica em uma melhora no sentido de Pareto, à medida que parte dos consumidores estariam em melhor situação caso o nível de consumo fosse superior. Porém, de forma agregada, há ganhos de bem-estar para todos os agentes quando contratos com franquias de consumo são ofertados neste ambiente.

Os resultados derivados no modelo trazem luz ao debate sobre o uso de franquias de dados nos contratos de provedores de internet no Brasil. Há ampla evidência de que este mercado enfrenta grandes restrições de capacidade de oferta em parte da sua infraestrutura. Em especial, observa- mos esta limitação de capacidade nas tecnologias de transmissão de dados anteriores a fibra ótica.

Um dos resultados apontados no presente trabalho é que, quando a rede esta bem desenhada, ou seja, quando não apresenta restrições de capacidade, a firma é indiferente quanto ao modelo con- tratual de cobrança. Uma evidência empírica deste resultado, como apontado na seção anterior, é o fato das operadoras não demonstrarem interesse em ofertar contratos com franquias de consumo nas redes de transmissão baseadas em fibras óticas. Estas redes são adequadas ao atual perfil de consumo demandado pelo mercado, de modo que, como demonstrado neste trabalho, o modelo contratual não deve afetar o payoff das firmas. Em contrapartida, a disposição a implementar este modelo contratual nas redes obsoletas demonstra que restringir o nível de consumo nestas redes coloca as firmas em melhor posição. Apesar da redução do nível de consumo associada a estes contratos prejudicar parte dos usuários, de maneira agregada espera-se que a situação dos consu- midores atendidos por estas redes permaneça a mesma ou melhore com a permissão da oferta de contratos com franquias, uma vez que deve haver redução das tarifas e crescimento do número de usuários. Como a política pública deve ser norteada pelo efeito agregado das suas ações, permitir o uso destes contratos em redes obsoletas parece ser a melhor decisão regulatória a curto-prazo. Evidentemente, esta é uma decisão paliativa ao problema de restrição de capacidade, que deve ser corrigido com a promoção de investimentos nas redes de transmissão e indução de competição no setor, de modo que a pressão por melhorias na qualidade do serviço e elevação da capacidade de oferta cresçam.

Análise semelhante poderia ser feita para outros mercados onde há presença de restrições de capacidade de oferta e onde é possível desenhar contratos compostos por pacotes. Um exemplo é o mercado aéreo quando se discute a possibilidade de as companhias de aviação terem liberdade de definir o seu modelo de cobrança sobre bagagens. Claramente, temos um mercado onde a capacidade de oferta é limitada. Neste ambiente, a liberdade tarifária, mais uma vez, deve implicar em menores preços e a inclusão de mais consumidores, elevando o bem-estar agregado. Além disso, outros benefícios podem ser alcançados, como a possibilidade de aumentar a concorrência de mercado através da entrada de companhias low cost neste mercado. A atual legislação impossibilita a entrada de empresas com este modelo de negócio devido aos limites compulsórios de franquias de bagagem. Portanto, flexibilizar esta legislação deve promover maior competição neste mercado, gerando pressões sobre os preços e elevação da qualidade dos serviços, mais uma vez beneficiando

os consumidores.

Portanto, em última análise, a despeito da possibilidade de perda sofrida por parte dos con- sumidores devido à restrição de consumo associadas a contratos com a previsão de limites de consumo, permitir a oferta destes contratos eleva o bem-estar de firmas e, de maneira agregada, potencialmente melhora a posição dos consumidores em mercados onde há restrições de capaci- dade de oferta significativas.

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Referências

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