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4.1 PONTOS CONTROVERSOS DA LEI Nº 12.970/2014

4.1.6 Aplicação do Princípio da Proporcionalidade

Ainda que se entendesse, por absurdo, que a identidade entre a investigação SIPAER e o direito fundamental à vida é de tal monta que uma obstrução dessa investigação resultasse

em verdadeiro dano à vida, mesmo assim essa conclusão não bastaria para evitar, por si, a aplicação do princípio da inafastabilidade da jurisdição. Isso porque, como bem ensina Barroso (2009, p. 207), a doutrina tem rejeitado a predeterminação rígida da ascendência de determinados valores e bens jurídicos, como a que resultaria, por exemplo da absolutização de algum dos direitos fundamentais.

De fato, estabelecer uma escala de valores para os princípios constitucionais implicaria que alguns princípios fossem absolutos. Mas esse cenário não se compatibiliza com o ordenamento pátrio, e mesmo princípios verdadeiramente caros para a sociedade, como é o caso do princípio do direito à vida, são por vezes relativizados, como se constata pela previsão constitucional da pena de morte, ainda que em situações excepcionais. Sobre esse tema, discorre Canotilho (2010, p. 1182):

A pretensão de validade absoluta de certos princípios com sacrifício de outros originaria a criação de princípios reciprocamente incompatíveis, com a consequente destruição da tendencial unidade axiológico-normativa da lei fundamental. Daí o reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismo entre os vários princípios e a necessidade, atrás exposta, de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma lógica de tudo ou nada, antes podem ser objeto de ponderação e concordância prática, consoante seu peso e as circunstâncias do caso.

Assim, para se estabelecer a mencionada ponderação e concordância prática é que se recorre ao princípio da proporcionalidade, a fim de se solucionar a colisão de princípios e determinar, no caso concreto, qual princípio terá predominância. O princípio da proporcionalidade pretende instituir a relação entre fim e meio, confrontando o fim e o fundamento de uma intervenção com os efeitos desta, para que se torne possível um controle do excesso.

Segundo Bonavides (2010, p. 396) há três elementos ou subprincípios que governam a composição do princípio da proporcionalidade. O primeiro é a pertinência ou aptidão, que deve informar se determinada medida representa o meio certo para levar a cabo um fim baseado no interesse público. Com o desígnio de adequar o meio ao fim que se intenta alcançar, faz-se mister, portanto, que a medida seja suscetível de atingir o objetivo escolhido.

O segundo elemento ou subprincípio da proporcionalidade é o da necessidade. Segundo ele, a medida não há de exceder os limites indispensáveis à consecução do fim legítimo que se almeja, ou seja, uma medida para ser admissível deve ser necessária. Tal princípio não questiona a escolha operada, mas o meio empregado, de modo que este deve ser dosado para chegar ao fim pretendido. Isso equivale a dizer que, entre todas as medidas que igualmente servem à obtenção de um fim, cumpre eleger aquela menos nociva aos interesses

do cidadão, podendo assim o subprincípio da necessidade ser também chamado princípio da escolha do meio mais suave.

Por fim, o terceiro critério ou elemento de concretização do princípio da proporcionalidade consiste na proporcionalidade em sentido estrito. Consiste em selecionar o meio ou os meios que, no caso específico, levarem mais em conta o conjunto de interesses em jogo. O aplicador deste princípio se defronta ao mesmo passo com uma obrigação e uma interdição; obrigação de fazer uso de meios adequados e interdição quanto ao uso de meios desproporcionais. Os meios são considerados desproporcionais quando os motivos que fundamentam a adoção da medida não têm peso suficiente para justificar a restrição ao direito fundamental atingido. Dito de outra forma, se a importância da realização do direito fundamental no qual a limitação se baseia não for suficiente para justificá-la, será desproporcional a limitação.

A inconstitucionalidade ocorre, enfim, quando a medida é excessiva, injustificável, ou seja, não cabe na moldura da proporcionalidade (BONAVIDES, 2010, p. 398).

Cumpre, portanto, aplicar o princípio da proporcionalidade ao caso em análise. Inicia-se pela constatação de qual fim se almeja atingir. Trata-se do direito à vida, que restará protegido se acidentes futuros forem evitados graças a uma investigação eficaz e tempestiva do acidente pelo órgão SIPAER. A fim de que seja eficaz a investigação, é importante que o local seja preservado intocado até a chegada dos investigadores SIPAER, que assim poderão extrair da cena todas as informações possíveis.

A medida implementada pela Lei nº 12.970/2014, de condicionar o acesso de quem quer que seja à anuência da autoridade aeronáutica, é apta a alcançar esse objetivo. Se ninguém pode manipular, vasculhar ou remover os vestígios sem anuência da autoridade aeronáutica, fica garantida a sua preservação. A medida, assim, atende ao primeiro elemento da proporcionalidade, o elemento da aptidão.

O dispositivo, entretanto, não supera o teste do segundo critério, o da necessidade ou da medida menos nociva. Se o objetivo é garantir a efetividade da investigação SIPAER, basta que a cena do acidente encontre-se inalterada, e que os investigadores SIPAER tenham amplo acesso a ela. Para que esse fim seja atingido, não é necessário conceder à autoridade aeronáutica o poder para vetar o acesso dos peritos criminais aos vestígios, o que, como visto, atinge o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Basta tão somente garantir que os vestígios não sejam modificados até que os investigadores SIPAER estejam no local e possam coletar as informações disponíveis quanto a sua disposição e condição. Uma norma desse tipo

garantiria, ao mesmo tempo, a eficácia da investigação SIPAER e a realização do exame pericial, de modo que nenhum dos princípios em suposta colisão teria que ser afastado.

Ora, não é por acaso que essa era justamente a disposição legal anterior à Lei nº 12.970/2014, consubstanciada no revogado artigo 89 do CBA, conforme analisado na seção 4.1.2 deste trabalho.

Assim, ainda que se considerem em colisão os princípios do direito à vida e da inafastabilidade da jurisdição, a restrição feita a princípio fundamental pelos artigos 88-N e 88-P, introduzidos pela Lei nº 12.970/2014, é desnecessária e, portanto, inconstitucional face ao princípio da proporcionalidade.