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Aplicabilidade da lei 13.260/16 às organizações mafiosas do sistema prisional

O ordenamento jurídico brasileiro tipificou o crime de “Organização Criminosa” na Lei 12.850/13184, sistematizando a investigação criminal, meios de obtenção de provas e infrações correlatas, conceituando no artigo 1º, §1º, a sua definição, ipsis litteris:

“Art. 1o Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação

criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o

procedimento criminal a ser aplicado.

§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais

pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente,

182 GOMES, Rodrigo Carneiro. Críticas à lei de enfrentamento ao terrorismo e seus avanços. 2016. Disponível

em: < http://www.conjur.com.br/2016-abr-05/academia-policia-criticas-lei-enfrentamento-terrorismo-avancos >. Acesso em: 20 out. 2018

183FACCIOLLI, Ângelo Fernando. Introdução ao Terrorismo: Evolução Histórica, Doutrina, Aspectos Táticos,

Estratégicos e Legais. Curitiba: Juruá, 2017. 329 – 330 e 336 p.

184BRASIL (Estado). Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Brasília, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em: 20 out. 2018.

vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.” [Grifo nosso]

Dissecando o tipo penal e transcrevendo os excertos destacados, temos que para configurar o crime de Organização Criminosa, é necessário que o grupo tenha a potencialidade de reunir concomitantemente 04 (quatro) elementos caracterizadores: a) reunir, no mínimo, 04 (quatro) pessoas; b) o grupo se destine a praticar infrações penais cuja pena privativa de liberdade seja superior a 04 (quatro) anos e/ou tenha caráter transnacional; c) é necessário ficar clara a ordenação da estrutura e a divisão de tarefas, ainda que de maneira informal; d) tenha o objetivo de cometer crimes para obter vantagem de qualquer natureza.

Observamos, portanto, que as facções criminosas oriundas do sistema penitenciário, podem seus membros, seguramente, responderem pelo delito em questão, sendo imperioso ponderar que o tipo penal traz apenas como limitação, em tese, crimes cujas penas máximas sejam superiores a 04 (quatro) anos de reclusão e não especificou qual vantagem poderia ser obtida com o cometimento do ilícito.

Faz-se necessário discorrer que, a principal fonte de renda da máfia brasileira está ligada à exploração primária do narcotráfico e a violência especializada tem como fito chancelar sua influência no submundo do crime, assim como angariar benefícios aos associados.

O que se pretende sustentar é, o fortalecimento do Crime Organizado entra em rota de coalização com o direito fundamental à segurança que o Estado deve a população ao medir forças com o Poder constitucionalmente estabelecido, mirando seus alvos em altas autoridades e a cúpula de setores da Administração Pública, como forma de dissuadir a repressão penal e garantir a sobrevivência da Organização.

A especialização dessa violência pelas Organizações Mafiosas do Brasil, somada à ação criminosa de facções locais, que infestam o sistema penitenciário, se aproximam de atos terroristas e seriam considerados como tal em diversos países185.

O terrorismo do Crime Organizado tem o fim de provocar um estado de terror social ou generalizado, não podendo ficar a discussão reduzida ao terror momentâneo, como, por

185 WOLOSZYN, André Luís; FERNANDES, Eduardo de Oliveira. Terrorismo: Complexidades, Reflexões,

exemplo, o originado de assaltos nababescos ou tiroteios com a polícia186, devendo o terrorismo, sob aquela modalidade, conferir um estado permanente de ameaça e tensão à população.

Os líderes do Crime Organizado exercem rigoroso comando de suas empresas, ordenando ataques à polícia, incêndio a ônibus, homicídios programados, assaltos, narcotráfico e toda sorte de criminalidade rentável, passando a atuar com violência, dentro e fora dos estabelecimentos prisionais, justificando essas ações como reação às supostas opressões que o Estado exerce sobre a comunidade carcerária e periférica187, afinando-se ao estabelecido no artigo 1º, §1º da Lei 12.850/13.

Ora, partindo do pressuposto que a intenção do Crime Organizado é revelar a fragilidade do Estado e escancarar a sua incapacidade em proteger os cidadãos188, promovendo uma violência sistêmica com a finalidade de infundir pânico à sociedade em geral, estamos lidando, então, com a ameaça do terrorismo praticado pela Máfia no Brasil e, como visto, esse crime é tipificado pela Lei 13.260/16.

Os atos de terrorismo, conforme o artigo 2º, §1º, da Lei 13.260, tem na dosimetria a pena mínima de 12 (doze) e máxima de 30 (trinta) anos de reclusão o que, hipoteticamente, preencheria o requisito do artigo 1º, §1º da Lei 12.850/13, devendo ser acrescentado que o objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, prima facie, não precisa ser necessariamente econômico, pois o tipo penal deixou esse requisito amplo e irrestrito, embora as máfias brasileiras são motivadas à busca do lucro advindo do narcotráfico e empregam violência para garantir a fluidez da econômica criminosa.

O ponto nevrálgico desse trabalho é entender se o titular da ação penal pública pode processar as ações violentas do Crime Organizado no Brasil na forma do artigo 2º, §1º da Lei 13.260/16, visto que os atos de terror estão tipificados nesse diploma legal e atendem às condições impostas no artigo 1º, §1º da Lei 12.850/13.

186FERNANDES, Àlvaro Antanavivius; TERRA, Luiza Borges. O crime de terrorismo: um olhar sobre a punibilidade dos atos preparatórios. In: HABBIB, Gabriel et al. Lei Antiterrorismo: Lei 13.260/2016. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 24.

187GANDRA, Thiago Grazianne; NAVES, Carlos Luiz de Lima: Uma naálise hermenêutica sobre o crime de terrorismo tipificado na Lei 13.260/16: A Inconstitucionalidade do elemento especial do injusto inserido pelo legislador infraconstitucional. In: HABBIB, Gabriel et al. Lei Antiterrorismo: Lei 13.260/2016. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 322.

A resposta desponta clara e insofismável: no Brasil, o fato é atípico.

Pois bem, o princípio da legalidade (nullum crimen, nulla poena sine praevia lege) está homenageado no artigo 5º, inciso XXXIX da Carta Magna189, rezando que para a promoção adequada da persecução penal, é necessário, sobretudo, que a lei defina a conduta delituosa em todos os seus elementos e circunstâncias, só podendo merecer reprimenda, caso o fato encontre manequim perfeito na norma posta, ausente essas condições, o agente não será punido e o fato é atípico.

No que diz respeito à Lei 13.260/16, o legislador exigiu que a finalidade do ato de terrorismo esteja necessariamente vinculada às motivações de ordem xenofóbica, discriminatória, preconceituosa e que englobem raça, cor, etnia e religião, estabelecendo, com isso, um rol fechado e taxativo de motivações subjetivas e com difícil constatação no caso concreto.

Foi efusivamente defendido nessa obra que o terrorismo criminal no Brasil está atrelado à motivações de caráter econômico, pois as Organizações Mafiosas buscam o lucro do narcotráfico e a defesa da empresa criminosa, lançando mão do expediente terrorista como último recurso de sua autoproteção, assim como para conquistar e dominar novos territórios e, desse modo, não há meio de juridicamente caracterizar esse tipo de violência do Crime Organizado como ato de terrorismo enquanto estivermos sob a égide da Lei 13.260/16.

A restrição imposta por esse dispositivo legal fixa na elementar do tipo motivações especificas, desnaturando o próprio conceito de terrorismo190, dado que o legislador brasileiro não se ateve ao elemento teleológico do fenômeno terrorista e se preocupou muito mais em apontar “o que não é terrorismo” do que munir o ordenamento jurídico pátrio com a tipificação de um crime que sonda e ameaça a sociedade pós-moderna.

Não podemos perder de vista que os atos de violência calculada do Crime Organizado estariam claramente tipificados como crime de terrorismo na esfera do direito comparado, pois

189 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral: Volume 1 (Art. 1º a 120). 19. ed. São Paulo: Saraiva,

2015. 59 p.

190GANDRA, Thiago Grazianne; NAVES, Carlos Luiz de Lima: Uma naálise hermenêutica sobre o crime de terrorismo tipificado na Lei 13.260/16: A Inconstitucionalidade do elemento especial do injusto inserido pelo legislador infraconstitucional. In: HABBIB, Gabriel et al. Lei Antiterrorismo: Lei 13.260/2016. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 325.

não houve limitação no alcance de motivações especificas, podemos constatar o aludido na legislação antiterror Norte-Americana (seção 2331, título 18, U.S. Code alteração introduzida pelo Patriot Act ), colombiana (artigos 343 a 345, Código Penal Colombiano), argentina (artigo 1° da Lei n° 25.241/00), mexicana (artigo 139 do Código Penal Federal Mexicano) e espanhola (artigo 570 e 571, Código Penal Espanhol).

A brecha legislativa deixada pela Lei 13.260/16 impossibilita que as ondas de violência que varrem o país desde 2016 (desencadeada pela guerra de facções), sejam responsabilizadas como atos de terrorismo, escapando o agente executor de enfrentar regras mais severas pela hediondez do crime.

Essa é a opinião exarada pelo Juiz Federal Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal Criminal de Curitiba191, sendo o primeiro magistrado a prolatar uma sentença condenatória sob o prisma da lei antiterror no Brasil, apontando também que a legislação adotada possui um sentido mais restrito para o terrorismo, quando o ideal seria abranger as motivações que incrustam as ações violentas que tentam subjugar o Estado e são encampadas pelo Crime Organizado.

O jurista ainda ressalta que, caso essa hipótese fosse prevista, os envolvidos pelo planejamento de atentados terroristas, ainda que a ação não ocorresse, resultaria em uma condenação com pena prevista de 06 (seis) até 22 (vinte e dois) anos de prisão e, dado a equiparação a crime hediondo, o cumprimento seria em presídio de segurança máxima e a progressão penal viria com consideravelmente rigidez.

Ante a ausência de supedâneo legal, o titular da ação penal pública deve elaborar verdadeiro malabarismo jurídico e ao fundamentar um concurso material de crimes no fito de não permitir que condutas tão lesivas e abjetas fiquem passíveis de impunidade, quando o recomendável fosse uma alteração legislativa com vistas a homenagear a reprimenda do terrorismo criminal e condensar as condutas com finalidade de produzir terror social e generalizado em apenas um tipo penal.

191 O ESTADO DE SÃO PAULO: Planos de atentados de facções deveriam ser enquadrados na Lei

Antiterrorismo, diz juiz. São Paulo, 23 out. 2018. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto- macedo/planos-de-atentados-de-faccoes-deveriam-ser-enquadrados-na-lei-antiterrorismo-diz-juiz/>. Acesso em: 24 out. 2018.