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5. ABORDAGEMS EPISTEMOLÓGICA E DIRETRIZES METODOLÓGICAS

5.3 Diretrizes Metodológicas: Perspectivas dos Novos Movimentos Sociais e de Enquadramento

6.1.3 Aplicabilidade e Usos da Netnografia

Ao adentrar o ambiente on-line, o pesquisador ocupa um espaço contínuo ao ambiente físico ou off-line. O ambiente virtual lhe propicia condições de compreender aspectos da cibercultura, visto que possibilita relações entre as pessoas, relações de comunicação e, como consequência, possibilidades de compreender artefatos culturais. Além disso, não é só o conjunto de informações acessáveis que torna a netnografia relevante, mas a possibilidade de encontrar os objetos de estudos sociais no ciberespaço.

A netnografia não se apresenta como uma receita ou protocolo a ser seguido, mas artefato de pesquisa que não pode se separar “do contexto onde se desenvolve, sendo considerada adaptativa” (AMARAL; NATAL; VIANA, 2008, p.37). Por isso, apresenta flexibilidade quanto à forma de ser empregada nos estudos, e necessidade de constante revisão para acompanhar a dinâmica da sociabilidade nas redes.

A netnografia é um método útil para três tipos de pesquisa: a) estudos de ciberculturas “puras”, culturas e grupos especificamente criados e desenvolvidos no ambiente virtual sem existência no “mundo real”; b) estudos de ciberculturas “derivadas”, culturas e grupos que existem no “mundo real” e se manifestam através da internet; c) estudos de temas variados em que aparece como ferramenta exploratória (KOZINETS, 1998).

Ao usar a netnografia, o pesquisador normalmente encontra ao seu alcance uma coleta de dados pronta, bastando organizar os dados para a transcrição dos discursos. Os sujeitos das pesquisas se apresentam de forma muito diversa e muitas vezes anonimamente (NOVELI, 2010).

Garcia et al. (2009) sugerem que os pesquisadores utilizem a observação participante como apoio à netnografia, mas que realizem adaptações necessárias para o contexto on-line, como: a) a natureza da observação se altera, já que não é possível observar diretamente as pessoas pesquisadas; b) as notas de campo e os relatos dos resultados se alteram, já que a capacidade tecnológica para registrar eventos e interações é diferente; c) competências diferentes são requisitadas dos pesquisadores para analisar e compreender os dados on-line, já que os materiais textuais e visuais são diferentes dos de pessoas agindo e falando; d) as netnografias tendem a privilegiar os textos em detrimento dos fenômenos visuais; e) o uso de som e movimentos são pouco analisados nos trabalhos atuais.

Ao utilizar a netnografia o pesquisador precisa ter consciência de que suas análises são apenas recortes de um todo social e não sua forma completa, que apresenta outros âmbitos além dos analisados. Entre esses âmbitos pode-se destacar a comunicação gestual e outras apropriações que são mais bem realizadas no ambiente físico, sendo esse fator um dos principais diferenciadores entre a etnografia off-line e a on-line (AMARAL; NATAL; VIANA, 2008). Entre as principais vantagens da netnografia, pode-se destacar: redução da subjetividade, menor tempo para realização da inserção do pesquisador e menor custo. Essas vantagens guardam estreita relação com a operacionalidade da pesquisa, pois o pesquisador tem acesso aos discursos praticamente transcritos, encurtando etapas, como a gravação e a transcrição. Mas, em virtude da grande quantidade de informações, o pesquisador tem de filtrar o que é importante e o que é descartável. Outra vantagem, em comparação com outros métodos, como grupos focais e entrevistas pessoais, é que a pesquisa é menos invasiva, visto que o pesquisador pode olhar para seu objeto de pesquisa como se fosse por uma janela, e mais natural, visto que o ambiente não é criado pelo pesquisador como em outros métodos (KOZINETS, 2002).

Os pesquisadores podem ampliar as pesquisas netnográficas com utilização maior de outras modalidades de informação, como elementos visuais e elementos sonoros. Nesse caso, abre-se espaço para a análise de figuras, charges, fotos e vídeos, para complementar os elementos textuais (GARCIA et al., 2009). Outra vantagem da netnografia é a possibilidade de utilização de pesquisas on-line, que podem ser mais úteis que as entrevistas off-line, conforme o tema escolhido. Além disso, a amostra de pesquisados pode ser do tipo “bola de neve”, já que o contexto facilita acessar outros entrevistados por meio das ligações sociais das redes que os conectam (GARCIA et al., 2009).

Como desvantagens do método, pode-se citar excesso de informações, falta de condições de observações das linguagens corporais dos pesquisados, foco quase exclusivo em dados textuais e desconfiança quanto às fontes ou dados (NOVELI, 2010). Sade-Beck (2004) considera a grande quantidade de informações como vantagem para o pesquisador.

As limitações do método estão relacionadas à dificuldade de generalização da pesquisa para grupos fora da amostra pesquisada e às habilidades de interpretação do pesquisador, que deve desenvolver a capacidade de obter os dados necessários e analisá-los nos contextos dos pesquisados (KOZINETS, 2002). Ao considerar que nem todos os grupos sociais se encontram na internet (nem nos mesmos “locais virtuais”, como redes sociais virtuais, sites de vídeos, blogs, chats), não se devem generalizar os resultados deste tipo de pesquisa (NOVELI, 2010). Embora seja possível manter sigilo sobre os entrevistados, a tecnologia torna difícil garantir o anonimato das pessoas estudadas on-line, sendo necessário que o pesquisador tenha mais cuidado no tratamento dos dados (GARCIA et al., 2009).

Há muitos exemplos de trabalhos realizados no exterior que utilizam o método em questão, como o estudo de Mateos e Durand (2012). Os autores utilizam a netnografia em um estudo sobre processos migratórios para a Espanha, mostrando que o acesso à cidadania espanhola tem inúmeros complicadores burocráticos que levam as pessoas a criar uma série de estratégias para obtê-la. Com isso, os autores buscam conhecer como e quais estratégias são alvo das discussões e do compartilhamento de informações através de grupos de discussão na internet. Nelson e Otnes (2005) analisam, nos casamentos interculturais, o papel das comunidades virtuais em que as noivas interagem para buscar informações diversificadas sobre cerimônias e se relacionam para apoio nas experiências das outras, seja para obtenção de informações acerca de planejamento, seja para obtenção de aconselhamentos sentimentais. Ward (1999) pesquisa duas comunidades feministas para compreender como os participantes definem os seus próprios espaços e como os participantes utilizam espaços on-line e off-line.

A autora mostra que um espaço não compete com outro, nem o anula, surgindo um terceiro espaço, híbrido, que não é físico nem virtual. Além disso, mostra que a participação dos membros se dá de forma transitória, de acordo com os seus interesses.

Mkono (2011) realiza um estudo em que levanta possibilidades de pesquisas no turismo. Na visão do autor, pesquisas netnográficas podem dar diferentes resultados sobre a visão de turistas quanto a elementos que encontraram em suas viagens, como a alimentação. Para ele, comparadas as avaliações in loco com as realizadas por meio da internet, os turistas se sentem muito mais à vontade para relatar suas experiências em redes sociais virtuais e sites com foco em viagens, como TripAdvisor, VirtualTourist e IgoUgo. Em outro trabalho, Janta et al. (2012) utilizam o método para analisar a influência das redes sociais virtuais em processos de aprendizagem e desenvolvimento da língua inglesa para imigrantes poloneses trabalhadores do setor de turismo no Reino Unido.

Zaglia (2013) tem o foco de seu estudo na existência de comunidades de marcas nos ambientes das redes sociais virtuais em que o autor busca conhecer formas de inserção e motivos que levam as pessoas a aderir aos grupos e os tipos de informações que mais atraem os membros e criam mais interatividade nas discussões, analisando a quantidade e o conteúdo dos comentários das postagens da fan page. Brodie et al. (2013) também focam seus estudos em comunidades de marcas, mas buscam explorar a natureza e o alcance do engajamento dos consumidores surgidos em diferentes níveis de intensidade, ao longo do tempo. Além disso, analisam os diferentes subprocessos de engajamento e os relacionam com satisfação, lealdade, ligação emocional, compromisso e outros aspectos da relação entre consumidores e as marcas. Há exemplos de pesquisas realizadas, nos últimos anos, no Brasil, que utilizam a netnografia. Corrêa (2009) tem foco em comunidades virtuais com a temática “Brasileiros no Exterior”, que reúne pessoas que moram no exterior e outras que já tiveram ou gostariam de ter essa experiência. Ele busca conhecer trocas de informações sobre motivações, desafios e problemas entre os interessados na referida temática. Montardo (2010) usa a netnografia para estudar a inclusão social na internet de pessoas com deficiência auditiva, tendo como foco blogs de autoria de pessoas que têm esse tipo de deficiência. Em seu estudo, utiliza o método para identificar e selecionar dados desses blogs.

Montardo e Passerino (2010) usam a netnografia para realizar um levantamento de blogs relacionados com autismo e síndrome de Asperger, buscando compreender possibilidades de inclusão on-line de pessoas que compõem esse quadro. No estudo de Miranda (2011) é utilizado um método multietnográfico, composto de netnografia, fotoetnografia e etnografia,

para buscar compreender como ocorrem as interações e as práticas sociais em espaços de acesso pago à internet, como cafés (com wifi), cibercafés e lan houses. Com essa metodologia, explicam a interação em espaços reais e virtuais entre os pesquisados, bem como a troca de papéis dos atores sociais durante as interações.

Reconhecida a importância da netnografia e a aplicabilidade dessa metodologia, torna-se necessário entender como deve ser empregada, na busca de compreensão das técnicas utilizadas. Na sequência, pois, são apresentadas particularidades quanto à operacionalização da netnografia.

6.1.4 Operacionalização

Em relação ao posicionamento do pesquisador ao trabalhar com a referida metodologia, são definidos aspectos importantes, como tempo de pesquisa e tipo de espaço de conteúdo (plataformas, comunidades virtuais, blogs e outros). Esses e outros quesitos são parte da entrée cultural, que é a programação realizada pelo pesquisador em que decide sobre questões e tópicos que pretende analisar e “locais virtuais” em que pode encontrar respostas para seus questionamentos (AMARAL, NATAL e VIANA, 2008).

Para Kozinets (1998), a entrée é mais facilitada na netnografia, em comparação com a etnografia tradicional. É um conceito que significa “entrada” ou acesso a outro grupo que possibilita ao pesquisador manter o contato necessário para a pesquisa. Na etnografia tradicional, é uma parte delicada para o pesquisador, que pode deparar com aspectos culturais distintos, situações políticas perigosas, longas distâncias a percorrer, entre outros riscos advindos de contextos desconhecidos. No caso da netnografia, esses riscos são reduzidos, já que o pesquisador pode ficar em sua própria residência ou local de trabalho, usando linguagem conhecida ou mais difundida, como o inglês.

Outro momento importante na aplicação da netnografia ocorre na escolha que o pesquisador realiza quanto ao ponto de observação do objeto. Seu posicionamento interfere na forma como os dados são coletados, organizados e analisados, mas os pesquisados também assumem posicionamentos que influem na pesquisa (AMARAL; NATAL; VIANA, 2008).

Há duas etapas com que a netnografia é realizada, por exemplo, em organizações interessadas em conhecer os consumidores e que podem colaborar com esclarecimento a respeito da

maneira de usá-la: a) processo automático: os computadores e softwares ligados à internet arquivam informações que permitem acompanhar vários tipos de discussão virtuais com relação ao objeto de estudo, depois processados de forma a gerar informações úteis às análises; b) processo manual ou humano: é realizado por pesquisadores que fazem classificação e análise das informações (GERBERA, 2008).

A coleta de dados on-line pode ser feita por observação, entrevista e análise de conteúdo de materiais complementares (SADE-BECK, 2004). Na aplicação das técnicas, os pesquisadores podem escolher membros para verificações (member checks), que, além de propiciar informações, podem facilitar a entrada nos grupos (SANDLIN, 2007). O pesquisador tem a possibilidade de utilizar softwares que “gravem” sua visita aos destinos virtuais, para depois usar conforme a necessidade. Além disso, outras possibilidades de captura de conteúdo reduzem a necessidade de elaboração de notas de campo, mas não as inutilizam. As notas de campo podem ser úteis para gravar reações e experiências subjetivas que podem colaborar com a análise dos fenômenos observados (GARCIA et al., 2009).

É importante que o pesquisador escolha grupos para os quais não tenha dúvida de que são cibercultura. Além disso, é importante que selecione indivíduos próximos entre si, que não apresentem comunicação anônima, porém comunicação identificável para um grupo com linguagens, símbolos e normas específicas. Esse grupo também deve apresentar comportamentos que mantenham os limites internos e externos do quadro social que se pretende analisar (KOZINETS, 1998).

Noveli (2010, p.127) discute as novas possibilidades da netnografia e faz uma crítica a estudos com foco exclusivo em recursos textuais, defendendo que, à época do surgimento da metodologia, “a internet era fortemente baseada em conteúdo textual. Hodiernamente a realidade é outra, com a internet 2.0 e suas redes sociais, como Orkut e Facebook, novas possibilidades de utilização da internet surgiram”.

Como a netnografia é método novo, está em processo de expansão e desenvolvimento o arcabouço teórico e metodológico (GEBERA, 2008). A noção de amostragem ainda é complicador para os estudos netnográficos, dadas as dificuldades de elencar todos os membros de um grupo e a possibilidade de perder contatos quando eles se “desligam” e se retiram dos grupos em análise. Além disso, existe o problema da desconfiança, visto que o tempo e a forma das relações entre pesquisador e pesquisado não permite uma relação amigável e confiável para o pesquisado (WARD, 1999).

Há também uma discussão em andamento acerca da ética em estudos netnográficos que perpassa a discussão sobre a utilização de dados expostos na internet. Esses dados podem ser considerados como de domínio público, por normalmente serem de fácil e livre acesso, ou de domínio privado, por serem pessoais as informações. Se o pesquisador decide fazer uma pesquisa não divulgada (covert research), deve analisar as implicações éticas da atitude (NOVELI, 2010). Se a informação é acessível, é de domínio público. Mas, se o pesquisador desejar agir de forma ética, pode informar aos pesquisados e pedir permissão para utilização dos dados, o que, em caso de negação, pode inviabilizar a pesquisa (GARCIA et al., 2009; NOVELI, 2010). Kozinets (1998) defende que a ética da pesquisa deve ser mantida e que o pesquisador não deve se apropriar das postagens públicas sem permissão, devendo buscar o consentimento dos membros dos grupos analisados, mantendo-se também o anonimato e a confidencialidade quando for necessário.

Após esses esclarecimentos, na sequência, é apresentada a maneira de encaminhar este estudo. Primeiramente, o objeto de pesquisa, depois duas técnicas de coleta de dados, ou seja, observação participante e análise de documentos. Por fim, é apresentado o plano de análise dos dados.