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Apoio à representação das minorias através do voto cumulativo, lista incompleta

3 LEI ELEITORAL ROSA E SILVA: “A REFORMA DAS REFORMAS”

3.2 PROJETO SUBSTITUTIVO DE REFORMA ELEITORAL, SENADOR

3.2.8. Apoio à representação das minorias através do voto cumulativo, lista incompleta

O artifício regimental que delimitava aos eleitores área geográfica específica para votação não era nenhuma novidade. A partir, do Decreto nº 842, de 1855, as províncias do Império foram divididas em círculos (distritos) sob o regime majoritário, ou seja, o deputado que obtivesse a maioria absoluta de votos num dado distrito era eleito. Somente com o Decreto nº 2.675, na lei do Terço, em 1875, os círculos foram abolidos, ocorrendo eleições por províncias.

Na República, como muitos dos que haviam aderido ao novo regime “não eram considerados de confiança”, segundo o ministro da Justiça, Campos Sales, este, a 14 de janeiro de 1890, determinou que “as eleições se fizessem, em todos os níveis, por grandes circunscrições compostas de três para operacionalizar a necessária interferência nas eleições, sufocando a influência dos elementos monarquistas onde o elemento

332 Anais do Senado Federal, Francisco Rosa e Silva, 17.08.1904, p. 1483.

333 MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de justiça eleitoral. Dados, Rio de

republicano domine”334. Na Carta Magna de 1891, apenas foi estabelecida normativa geral onde “as circunscrições eleitorais teriam proporção de um (deputado) por setenta mil habitantes, não devendo esse número ser inferior a quatro por estado”335. Coube à gestão do presidente Floriano Peixoto tratar da regulamentação deste artigo constitucional. Desta feita, a lei eleitoral nº 35, publicada em 26 de janeiro de 1892, logrou aos estados que elegiam no máximo cinco representantes ao Congresso constituírem um único distrito, competindo aos demais manterem-se divididos em circunscrições de três deputados. Entretanto, segundo Rosa e Silva, “a continuidade da divisão dos estados em distritos de três deputados não permitirá a proporcionalidade da representação das minorias”. Como alternativa, propunha a continuidade do número de deputados na Câmara, 212, no entanto, diminuía o número de distritos, passando de 63 para 41. Quanto aos estados que elegiam até sete deputados, estes se constituiriam em distrito único, e os demais, encerrariam cinco deputados.

Não bastasse ter alterado o projeto original vinda da Câmara, com a redistribuição dos distritos, Rosa e Silva também modifica o modo como o voto cumulativo foi pensado pelo Deputado piauiense. Ao Senador pernambucano, o voto cumulativo deveria ocorrer não em lista fechada, como desejava Anísio de Abreu, mas em lista incompleta. Assim, podendo o eleitor acumular quatro votos em um só candidato e sendo os partidos situacionistas impedidos de lançar candidatos próprios para todas as vagas em todos os distritos, “a nova lei eleitoral iria, finalmente, libertar os estados das situações dominantes”. Para fazer prevalecer sua tese, o Senador pernambucano dissertava aos parlamentares que:

-“O sistema gira sob a base do voto cumulativo em lista incompleta, que não foi totalmente criação minha, mas veio na proposição da Câmara dos Deputados. Suponhamos que uma circunscrição onde estejam alistados 8.000 eleitores da maioria e 2.000 da oposição. A maioria vota pelo sistema do terço, em lista incompleta, em dois nomes. Duas vezes 8.000 são 16.000. Divididos por três candidatos, temos para cada candidato cinco mil e tantos votos. A minoria acumula seus 2.000 em um só candidato, obtém somente 4.000. Está o rodizio feito. É isto o que se quer? Vamos à mesma base pelo processo do quinto. O mesmo número de eleitores, 8.000, para a maioria e 2.000 para a minoria. Cada eleitor vota em quatro nomes pelo processo do quinto. Oito vezes 4.000 são 32.000 votos. Divididos por cinco, para se poder fazer o rodízio, cabem seis mil e tantos votos a cada candidato. A minoria acumulando os seus votos, que são 2.000, em só um candidato, obtém 8.000. O seu candidato será eleito”336 (grifos nossos).

334 FERREIRA, Manoel Rodrigues. Op. cit., p. 224.

335 BRASIL, Constituição de 1891, Art. 28 - A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do

povo eleitos pelos estados e pelo Distrito Federal, mediante o sufrágio direto, garantida a representação da minoria. § 1º - o número dos Deputados será fixado por lei em proporção que não excederá de um por setenta mil habitantes, não devendo esse número ser inferior a quatro por estado.

Contudo, insistia que sua luta era para “validar a proporcionalidade dos representantes das minorias reais como meio de assegurar a verdade do processo eleitoral”. Igualmente, salientava que as minorias “somente se farão representar mediante os esforços empreendidos por cada uma das agremiações nas urnas e não como doação legal nem como produto da liberalidade das elites dominantes dos estados”337. Deste modo, lançava aos ajuntamentos políticos de oposição nos estados, muitos dos quais desconexos e desalinhados, a responsabilidade de se fazer representar.

Tentando refutar esta como a maioria das ideias rosistas, se levantou, novamente, o Senador Joaquim Catunda. Ao parlamentar glicerista, o projeto do Deputado Abreu e, principalmente, o que fora apresentado pelo Senador Rosa e Silva apenas “buscavam fazer crescer o número de incompetentes no recinto das assembleias”. Deste modo, a razão de ser da proposta do “quinto” era, para o Senador Catunda, “totalmente incompreensível”, pois, “na República não há minoria, há unanimidade. As minorias, se eleitas darão seu apoio ao presidente da República, votando com os governistas em tudo quanto agradar ao Governo”338 (grifo nosso). Frustrados em suas expectativas, este como os demais gliceristas tiveram de aceitar a vitória do Senador pernambucano no artigo mais importante de seu projeto substitutivo339.

Art. 58. Para a eleição de Deputados, os estados da União serão divididos em distritos eleitorais de cinco Deputados, equiparando-se aos estados para tal fim o Distrito Federal. Nessa divisão se atenderá à população dos estados e do Distrito Federal, de modo que cada distrito tenha, quanto possível, população igual, respeitando-se a contiguidade do território e integridade dos municípios.

§ 1º Os estados que derem sete Deputados ou menos, constituirão um só distrito eleitoral. § 2º Quando o número de Deputados não for perfeitamente divisível por cinco, para a formação dos distritos, juntar-se-á a fracção, quando de um, ao Distrito da capital do estado e sendo de dois, ao primeiro e ao segundo distritos, cada um dos quais elegerá seis Deputados. § 3º Cada eleitor votará em três nomes nos estados cuja representação constar apenas de quatro Deputados; em quatro nomes nos distritos de cinco; em cinco nos de seis; e em seis nos distritos de sete Deputados.

Art. 59. Na eleição geral da Câmara, ou quando o número de vagas a preencher no distrito for de ou mais Deputados, o eleitor poderá acumular todos os seus votos ou parte deles em um só candidato, escrevendo o nome do mesmo candidato tantas vezes quantos forem os votos que lhe quiser dar.

Aprovada a nova lei eleitoral, em 15 de dezembro de 1904, o corpo político passava à fase de adequação dos estados à normativa federal. Uma tarefa nada fácil. Isto porque era preciso respeitar a moldura da “política dos estados”. O que levou o presidente Rodrigues Alves a consultar os governadores sobre a melhor forma de proceder a divisão

337 Anais do Senado Federal, Francisco Rosa e Silva, 16.06.1904, p. 301. 338 Anais do Senado Federal, Joaquim Catunda, 16.08.1904, p. 157-160. 339 Gazeta de Notícias (RJ), 08.11.1904.

dos distritos eleitorais. A cada dia, era grande a quantidade de políticos que se apresentava no gabinete de José Joaquim Seabra, então ministro da Justiça e Negócios Interiores, para “desfazer qualquer embaraço quanto à segurança e soberania nos seus estados”340.

Na imprensa, a recepção do texto final da nova lei eleitoral foi positiva, mas com reservas. Com extremo cuidado, a Gazeta de Notícias notificou que “entendidos afirmam ser a nova lei capaz de evitar, quando possível, as fraudes, que eram até agora a regra geral nas eleições, e só será apurado o que entrar efetivamente nas urnas. A nova lei é, então, maravilhosa se cumprida”341. Com maior ênfase, o Correio da Manhã alegou que “a nova lei é evidentemente boa e representa a satisfação de uma das mais vivas e urgentes necessidades públicas. Já não mais teremos as patocadas eleitorais, filhas da fraude e da indiferença do povo”. Retomando o eixo argumentativo anterior à discussão da reforma no Senado, o Correio da Manhã afiançava ter o país chegado à “regeneração. Uma obra somente possível pela atuação do estadista Rosa e Silva que impetrou levar esse programa até o triunfo final”342. Porém, o que mais importava à imprensa era saber “como será o próximo pleito na terra do honrado Senador Rosa e Silva”343. E justamente esta questão o objeto central do último capítulo desta tese.

340 O País (RJ), 29.11.1904.

341 Gazeta de Notícias (RJ), 02.10.1904. 342 Correio da Manhã (RJ), 08.11.1904. 343 O País (RJ), 03.10.1904.

4 FIM DA REPÚBLICA OLIGÁRQUICA DE ROSA E SILVA: DA