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3 LEI ELEITORAL ROSA E SILVA: “A REFORMA DAS REFORMAS”

3.2 PROJETO SUBSTITUTIVO DE REFORMA ELEITORAL, SENADOR

3.2.7 O “terceiro escrutínio”

No Brasil Império este “instrumento de tradição francesa”323 foi estabelecido em duas etapas: a criação da comissão de cinco membros (conferindo a legalidade dos diplomas) e a comissão de diplomação. Em tempos da República, a Constituição de 1891 também assegurava aos congressistas o direto de “certificar e reconhecer os poderes de seus membros”324.

Com as modificações promovidas pelo presidente Campos Sales no Regimento Interno da Câmara, em outubro de 1899, a comissão de verificação de poderes consolidou uma importância grandiosa. Em primeiro lugar, afiançava os candidatos que apresentassem os diplomas assinados pela maioria das juntas apuradoras distritais, quaisquer que fossem, aliás, as contestações que os acompanhassem. Como segundo ponto, dava ao executivo federal um compartilhamento da administração pública apenas com parlamentares ligados ao situacionismo. Ao mesmo tempo, cristalizava na estrutura organizacional dos estados o sólido domínio oligárquico325. Em tal contexto, “a eleição passou a ser mera formalidade, visto que o reconhecimento substituiu a eleição”326.

322 KINZO, Maria D’Alva Gil. Representação Política e Sistema Eleitoral no Brasil. São Paulo, Edições

Símbolo.1980. TELAROLLI, Rodolpho. Eleições e Fraudes Eleitorais na República Velha. São Paulo, Brasiliense. 1982.

323Instituída na França no período dos estados gerais, a autoridade supra-eleitoral de reconhecimento dos

resultados dos pleitos foi transferida ao poder legislativo após a Revolução de 1789. OROZCO HENRIQUEZ, J. J. El contencioso electoral, lacalificaciónelectoral. In: NOHLEN, D.; ZOVATTO, D.; OROZCO HENRIQUEZ, J. J. & THOMPSON, J. Tratado de derechoelectoral comparado de América Latina. Ciudaddel México: Fondo de Cultura Económica, 2007.

324 BRASIL, Constituição de 1891, artigo 18.

325BELLO, José Maria. História da República. São Paulo: Nacional, 1954.

CARDOSO, Fernando Henrique. Dos governos militares a Prudente-Campos Sales. In: FAUSTO, B. (org.). O Brasil republicano. Tomo III. Rio de Janeiro: Bertrand, 1977.

SOUZA, M. C. C. O processo político-partidário na República e a Revolução de 1930. In: MOTA, C. G. (org.). Brasil em perspectiva. São Paulo: Difel, 1973.

Tal competência ex-officio do Parlamento de decidir, em último nível, sobre os eleitos é interpretada pelo historiador Edgar Carone como “o escândalo imortal da Velha República”327. Um entendimento acompanhado pela cientista política Teresa Vale ao sublinhar como “extremamente grave” naquele processo a “existência da degola”328. Todavia, para que houvesse a “degola” eram respeitados alguns preceitos. Isto porque a justificativa apresentada pela comissão de verificação de poderes para não permitir a posse de um candidato deveria ser baseada numa contestação formal do resultado do pleito. Também havendo a possibilidade, em menor incidência, de que as degolas ocorressem pela existência de duplicatas ou triplicatas de atas (caso em que as comissões apuradoras enviavam listas com número de eleitos maior do que o número de vagas ao distrito)329. Indo além, os cientistas políticos Jaqueline Zulini e Paolo Ricci propõem uma revisão sobre esta questão, considerando algumas abordagens importantes.

Primeiramente, evidenciam como, na prática, as “degolas” somente ocorriam em situações críticas. O que torna discutível a clássica assertiva de Raimundo Faoro de que o fenômeno dos diplomas “degolados, derivante da centralidade da Comissão dos Cinco ocupou o lugar das apurações”330. Quanto ao entendimento de que o procedimento normativo urdido por Campos Sales teria catalisado as “degolas”, Paolo Ricci e Jaqueline Zulini fazem outro alerta. No período anterior a 1899, mais especificadamente nas eleições de 1894 e 1897, o número de candidatos vencedores nas urnas que não foram diplomados por ação da comissão de verificação de poderes foi similar ao ocorrido nos anos eleitorais posteriores ao dispositivo campista. Em terceiro lugar, examinando os resultados das juntas apuradoras na Câmara, entre 1894 e 1930, os referidos cientistas políticos verificaram que: do total de 2.992 casos analisados, 260 foram “degolados” e 2.732 foram diplomados, ou seja, apenas 8,7% não chegaram àquela Casa legislativa. Não fosse o bastante, Paolo Ricci e Jaqueline Zulini asseguram que “a capacidade de filtrar a própria composição do Parlamento por meio da verificação de poderes conferiu estabilidade ao regimento republicano em momentos de crise, e não o contrário”331 (grifo nosso). Consideramos válido evidenciar que o entendimento do terceiro escrutínio como meio de “depuração” aos futuros ocupantes do Parlamento foi utilizado pelo Senador

327 CARONE, Edgard. A República Velha (Instituições e Classes Sociais). São Paulo, Difusão Europeia do

Livro, 1972.p. 307.

328VALE, Teresa Cristina de Souza Cardoso. Op. cit., p. 48. 329 NICOLAU, Jairo. Op. cit., 2012, p. 71-72.

330 FAORO, Raymundo. Op. cit., p. 628.

Rosa e Silva ao ser questionado sobre a continuidade daquele mecanismo. Nas palavras do Senador pernambucano, “se tivéssemos alistamentos reais e atas eleitorais verdadeiras o terceiro escrutínio não seria necessário”. Contudo, “diante da situação atual, que fora semelhante no Império, as comissões de verificação de poderes e o plenário congressual atuam como filtros”332.

Todavia, desde o século XIX, diversos países europeus haviam transferido a governança eleitoral a uma estrutura jurídica, apartidária e autônoma, por entender que aquele era o “único caminho para garantir-se a veracidade das eleições”333. Deste modo, podemos interpretar a escolha regimental do texto rosista como uma opção política para proteger as práticas clientelistas e a estrutura de poder coronelístico e oligárquico.

Art. 102. Concluída a apuração, lavrar-se-á a acta geral, contendo todas as ocorrências e a votação total, e nela se fará menção das representações, reclamações ou protestos que forem apresentados perante a junta, com a declaração dos motivos em que se fundarem. Em seguida serão publicados os nomes dos cidadãos votados, na ordem numérica dos votos recebidos. § 2º Considera-se diploma a cópia autêntica da acta geral da apuração, assignadas pela maioria dos membros da junta que tiverem funcionado.

No caso de duplicata de apuração, reputar-se-á simples contestação a que for assignada pela maioria da junta.

Art. 118. A Câmara ou o Senado mandará proceder a nova eleição, sempre que, no reconhecimento dos seus membros, anular, sob qualquer fundamento, mais de metade dos votos do candidato diplomado, deduzidos do cálculo os votos de duplicatas desprezadas por impossibilidade de verificação da legitimidade de uma das séries de atas.

3.2.8 Apoio à representação das minorias através do voto cumulativo, lista incompleta, e