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CAPÍTULO 4 – ASPECTOS DA MINERAÇÃO NO DRAMA

4.2 Apontamentos parciais

Esta revisão – não exaustiva – do direito minerário em suas correlações com direitos ambientais e territoriais das populações afetadas pela mineração teve a intenção de promover o enquadramento jurídico do caso estudado para melhor compreensão do cenário em que o drama analisado se desenrola. Considerando que a exploração de bauxita no subsolo exige a supressão vegetal47 de amplas extensões de terra e provoca impactos socioambientais severos, assumimos que a atividade de mineração não coaduna com a intenção primordial das unidades de conservação, nem mesmo é compatível com o modo de uso do território por comunidades quilombolas, que dependem diretamente dos recursos naturais disponíveis no meio ambiente para dar continuidade ao modo de vida tradicional.

Entretanto, a atividade de mineração na região do Trombetas tem sido continuada, sob processos de licenciamento e autorização de supressão vegetal, pautados na legislação ambiental. Mas, se por um lado existe a previsão legal para a extração mineral, por outro lado, existe um arcabouço legal para a conservação ambiental e para a garantia dos direitos das comunidades tradicionais, em específico das comunidades quilombolas, como

46 As formas de extinção são baseadas na forma de extinção dos atos administrativos. (BANDEIRA DE MELLO,

1995, pp. 241-242).

47 Lembrando que supressão vegetal é um termo técnico que significa: “retirada de uma parcela de vegetação

dentro de uma área a ser destinada para uso alternativo do solo, como por exemplo, atividade de extração mineral”. (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE-ICMBio, 2018a, art.2º, inciso XIII)

demonstraremos em tópicos posteriores. Em geral, os institutos jurídicos afeitos a esses temas se chocam, como procuramos demonstrar.

Aliada aos mencionados choques, “a adoção de uma política conservadora de ajuste econômico tem reconduzido meio ambiente e justiça social ao estatuto de ‘barreiras ao desenvolvimento’, colocando em risco as fundamentais conquistas ambientais das últimas décadas (ZHOURI, 2008, p. 99). Nesse contexto, para além da legislação, tem sido pautada a noção de justiça ambiental para reivindicar tratamentos mais equânimes na própria operação do direito que afeta diferentes grupos sociais ou áreas geográficas. De acordo com Ioris (2009, p. 389):

A importância da noção de justiça ambiental decorre da constatação de que a crescente escassez de recursos naturais e de que a desestabilização dos ecossistemas afeta de modo desigual, e muitas vezes injusto, diferentes grupos sociais ou áreas geográficas. Ou seja, o relacionamento entre sociedade e natureza reflete, em maior ou menor grau, assimetrias políticas, sociais e econômicas, as quais são específicas de um determinado momento histórico e de uma dada configuração espacial [...] existe uma carência generalizada de análises que nos permitam compreender como o desbalanço de poder influi na origem e multiplicação dos impactos ambientais.

Seguindo a autora, podemos afirmar que a gestão ambiental da mineração no Brasil, com base na legislação existente, tem se revelado incompetente para garantir justiça ambiental. A própria expressão gestão ou governança ambiental, palavra-chave na discussão do desenvolvimento sustentável, remete à falsa ideia de uma possível conciliação entre dimensões econômica, ecológica e social de cada contexto empírico que se defronta com um empreendimento de mineração.

Nesse sentido, Zhouri (2008, p. 99) alerta que o próprio processo de gestão ambiental, envolvendo atores como os conselhos gestores, e procedimentos técnicos de licenciamento ambiental, promovem um esvaziamento do sentido político das lutas ambientais. Sobre os conselhos gestores do meio ambiente (por exemplo, Conama e Copam), a autora afirma que:

Eles são vistos como agências de arbitragem ou de mediação de conflitos, estes entendidos como resultado dos divergentes interesses entre atores individualizados. Processa-se, pois, um deslocamento da esfera política para a esfera da economia, em que direitos e sujeitos coletivos são invisibilizados e substituídos pelo foco em interesses e atores particulares.

Para a referida autora, o processo de licenciamento ambiental também reflete a injustiça ambiental nas decisões relacionadas ao uso e à destinação das áreas em disputa. Segundo Zhouri (2008, p. 100), há, de um lado, os problemas políticos estruturais como, por exemplo, o jogo de mitigação que funciona como um “legitimador do campo” nas escolhas de

apropriação da natureza. Por outro lado, existem os problemas políticos-procedimentais, que podem ocorrer nas seguintes situações:

a) do licenciamento: comunidades têm pouca informação para tomar posicionamento, e, muitas vezes, no momento do licenciamento, o projeto já está avançado sem que as comunidades tivessem sido consultadas;

b) do planejamento centralizado: o “destino dos recursos naturais é predeterminado por alguns planejadores que ocupam posições-chave na política, na administração do setor privado, inviabilizando uma ampla discussão com a população que vive na região” (Zhouri, 2008, p.100);

c) dos Termos de Referência e EIA/Rimas: enquanto documentos que contêm informações imprescindíveis para obtenção das licenças ambientais, as críticas que se lhes dirige estão relacionadas à falta de transparência e à “lógica do mercado”, pois o EIA/Rima “torna-se uma mercadoria adquirida pelo empreendedor, cujo objetivo é ter seu projeto aprovado pelos órgãos licenciadores” (Zhouri, 2008, p.100);

d) do acesso às informações: dificuldades de acesso ao procedimento em si para fotocópias ou ao conteúdo de natureza técnica;

e) marginalização das audiências públicas: a participação da população é alvo de críticas do ponto de vista social, pois “as audiências acontecem tardiamente, quando decisões já foram tomadas e as dificuldades de acesso dificultam uma participação informada” (Zhouri, 2008, p.100);

f) falhas na função regulação: apesar de recomendações técnicas pelo indeferimento de empreendimentos devido à “inviabilidade socioambiental ou pelo não-cumprimento de condicionantes por parte das empresas” (Zhouri, 2008, p.100); , mesmo assim órgãos responsáveis pela emissão de licenças as aprovam, em nome de um desenvolvimento econômico nacional.

Todos os problemas ora citados, recorrentes em grandes empreendimentos, apresentam-se no caso estudado nesta tese, afrontando direitos garantidos na Constituição Federal de 1988 e na legislação infraconstitucional.

Concluindo o capítulo

Foi apresentado, nesse capítulo, o arcabouço jurídico referente à atividade de mineração no Brasil, que possui alguma relação com o caso empírico estudado. Para tanto, iniciamos com uma revisão histórica sobre a atividade de mineração para situar o leitor a

importância dessa atividade para o setor econômico do país. Em seguida contextualizamos a dificuldade da sobreposição da legislação minerária com a aplicação das normas de proteção ao meio ambiente, em especial as unidades de conservação. Ressalvamos a importância do assunto ser aprofundado com pesquisas direcionadas a estudar a temática da mineração em território quilombola, já que a própria legislação trata apenas do assunto em territórios indígenas.