• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 5 – A (IN)VISIBILIDADE QUILOMBOLA NO DRAMA

5.1 Os elementos jurídicos de garantia quilombola referentes ao caso em tela

5.1.8 Direito de ser consultado, direito de participar

Constituindo um dos temas que mais têm sido discutidos na Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações (CPACR) da OIT, a consulta prévia, livre e informada foi tornada obrigatória pela C169 em todo e qualquer caso em que medidas legislativas ou administrativas possam ferir os direitos dos povos indígenas ou tribais, garantindo a participação desses povos nas tomadas de decisão que os afetem. Isso porque, de acordo com Duprat (2014, p. 53):

A C169, ao reformular a C107, teve que reforçar a liberdade expressiva desses povos, invisibilizados normativamente até então, sem a presença na arena pública e sem qualquer aporte de suas especificidades nos debates nacionais. Por isso, no processo transformador por ela engendrado, a consulta é um elemento central, e não periférico.

A partir da Convenção, o diálogo entre os governos e os povos indígenas e tribais fica estabelecido como mecanismo obrigatório para assegurar que suas necessidades e seus direitos sejam refletidos nas políticas nacionais, por meio de normas específicas. Sobre as formas desse diálogo, a consulta prévia é o elemento que se destaca na C169, constituindo-se uma de suas principais ferramentas:

Art. 6. Na aplicação das disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) Consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e,

em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;

b) Criar meios pelos quais esses povos possam participar livremente, ou pelo menos na mesma medida assegurada aos demais cidadãos, em todos os níveis decisórios de instituições eletivas ou órgãos administrativos responsáveis por políticas ou programas que lhes afetem;

c) Estabelecer meios adequados para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas próprias desses povos e, quando necessário, disponibilizar os recursos necessários para esse fim. (OIT, 2011 [1989]).

Observe-se, no item “b”, que o direito de participação não se resume à consulta, nem se confunde com ele. Almeida e Dourado (2013) alertam para o fato de que existem vários tipos de participação, podendo ser escalonada, e o exercício dessa participação não é livre quando depende de variadas condicionantes e é submetido a certos mecanismos de monitoramento:

O ato de participar tende a ser percebido como um exercício de liberdade. Muito frequentemente as pessoas têm sido demandadas a participar de operações que não lhes são de nenhum interesse, dentro da essência da participação. Isso leva a distinguir entre as formas manipuladas ou teleguiadas de participação e aquelas formas espontâneas a fazer algo, mas são levadas a tomar atitudes que são inspiradas ou dirigidas por centros que estão fora de seu controle (RAHNEMA, 2005, p. 116

apud ALMEIDA; DOURADO, 2013, p. 40).

Diferentemente, e obrigatoriamente, a consulta prevista na C169 deverá ser conduzida de boa-fé e de maneira adequada às circunstâncias de cada povo interessado, garantindo que os costumes locais de tomada de decisão sejam respeitados no próprio processo de consulta, tanto quanto no seu resultado –– que, de acordo com o artigo 6º da C169, pode ser um acordo ou consentimento em torno das medidas propostas.

Ressalta-se que a OIT compreende a consulta como um “processo mediante o qual governos consultam seus cidadãos sobre propostas políticas ou de outra natureza” (TOMEI; LEE, 1999, p. 7 apud ALMEIDA; DOURADO, 2013, p. 50). A convenção somente considera válido “o processo que dê aos consultados a oportunidade de manifestar seus pontos de vista e influir na tomada de decisão” (TOMEI; LEE, 1999, p.7 apud ALMEIDA; DOURADO, 2013, p. 50).51 De acordo com Dourado (2013, p. 41) o significado de consulta em jogo não é passivo, e a qualidade dessa manifestação, pode “variar entre o consentimento alienado e uma atuação realmente decisiva no processo de criação de normas e na tomada de decisões”.

Segundo Figueiroa (2009, p. 41), a CPACR “caracteriza a consulta como ‘um processo’ [...] que abarca continuidade no tempo [e] permite o intercâmbio genuíno entre os governos e os povos potencialmente afetados”, em vista do estabelecimento de acordos em torno do consentimento e/ou da reparação de danos imputáveis a determinadas medidas. Logo, a consulta prévia não pode se resumir a mera formalidade na transmissão de

51 Disso se depreende que consultas individuais ou realizadas apenas com parte da comunidade não estão de

informações aos interessados. A consulta deve, ao contrário, consistir efetivamente numa oportunidade para que os grupos influenciem o resultado dos processos decisórios que a eles concernem.

As quatro características da consulta são comentadas por Oliveira (2017, p.162): 1. Prévia: A Corte Interamericana de Direitos Humanos esclareceu que a consulta

deve ocorrer desde as primeiras etapas do projeto a ser implementado. Por exemplo: não é prévia uma consulta realizada após concessão de licenciamento ambiental.

2. Livre: As comunidades devem decidir livremente. Isso implica proibições de presença de segurança armada em reuniões, oferecimento de presentes ou vantagens pessoais. Órgão interessado não pode exercer qualquer tipo de pressão. 3. Informada: As comunidades só poderão decidir livremente se tiverem acesso a

informações adequadas sobre a medida proposta. A etapa informativa somente poderia ser encerrada quando as comunidades construírem plena compreensão sobre o projeto a ser implementado.

4. Culturalmente apropriado: O órgão responsável deve respeitar a organização social e política do grupo consultado, e suas formas de representação e deliberação. A linguagem também deve ser adequada para as comunidades quilombolas.

Conforme está estabelecida na C169, a consulta prévia é um dever do Estado que não pode ser transferido a outras partes, sejam pessoas ou empresas privadas (FIGUEROA, 2009). Ademais, em sua realização, devem ser rigorosamente observadas as condições apropriadas à livre e efetiva participação dos interessados, especialmente por meio de suas instituições representativas.