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Comunidade rap: um novo corpo político

2.4 Aporias da cultura rap

Dentro do Rap, tanto em âmbito nacional quanto em Planaltina, o movimento possui suas rusgas e incompatibilidades. Uma nova escola de MC’s e DJ’s ganha cada vez mais espaços em outras mídias, há pouco tempo estranhas ao movimento. Nesse sentido, aqueles que possuem um maior domínio técnico nas áreas de tecnologia da informação possuem maior visibilidade, como é o caso do grupo Tribo da Periferia. O que por um lado possibilitou, sob a ótica político-estratégica, uma comunicação que ultrapassa os limites territoriais da periferia e ganha projeção nos mais diversos meios sociais, por outro, gerou desconfianças da velha escola do rap, que faz críticas a uma suposta apropriação estética do mainstrem cultural estadunidense, que seguem a lógica de uma sociedade capitalista.

Dessa forma, é perceptível que “o forte elemento identitário do Rap produziu, então, algumas ortodoxias, que por sua vez geraram fissuras no movimento”

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e, muitas vezes, estereótipos e preconceitos.

O Rap é representado comumente por meio de dois estilos discursivos diferenciados nomeados de rap gangster e de rap consciente. Essa dicotomia incorre em juízos de valor que os colocam numa disputa de representação entre o bem e o mal. Os discursos mais comuns sobre os dois estilos tendem a classificá-los a partir de noções maniqueístas, que os põe em sentidos necessariamente opostos:

[Para] o “consciente”, os atos violentos seriam descritos como expressão de um desabafo, de uma revolta sem incitar violência “para que as pessoas saibam como o mundo do crime é ruim e não entrem nele”; [para o gangster], esses mesmos atos seriam evocados para incitar a violência.72

De um lado, os rappers gangster são acusados por incitar à violência. Carregam o estigma de alimentar imagens do submundo do crime e das drogas, com letras repletas de mensagens carregadas de raiva e ódio. Em contraposição, os rappers, que se propõem a elaborar um discurso ‘consciente’, são caracterizados por “se opor

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LOBO, Leandro. Rap é arte, cidadania, política. Disponível em: http://brasiledesenvolvimento.wordpress.com/2012/08/09/rap-e-arte-cidadania-e-politica/. Acesso em: 21.03.2013.

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ANDRADE, Carla Coelho (2007), Entre gangues e galeras: juventude, violência e sociabilidade na periferia do Distrito Federal, Anexo I, p. vii.

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vigorosamente ao modo de vida baseado na violência e enfatizam seu caráter destrutivo”. 73

Com base nesta comum distinção, Nego Érico foi questionado, integrante do Grupo Guinda’Art 121. Ele é compositor e intérprete de um dos rap gangster dos anos 90 nos bairros pobres de Planaltina Aqui é o Neguim,74 que narra o cotidiano do conflito entre as gangues do Pombal (Buritis 3) e do Agreste (Jardim Roriz ou Setor Residencial Norte), sobre qual a sua opinião com relação a essa distinção que tenta separar o bem do mal na música. Ele falou que acha “ridícula” essa diferenciação que considera bom o Rap consciente e que condena o rap estilo gangster.

A música, de acordo com ele, foi feita sem que ele pensasse numa categoria para enquadrá-la. Um desabafo foi o que sua composição lhe permitiu expressar. Para ele, o rap é o retrato das experiências vividas não só pelos rappers, mas vividas em conjunto com toda comunidade de sua “quebrada”.

Quando ele compôs esta letra, morava no Pombal e assim como muitos jovens e adolescentes pobres e negos acabou por entrar na vida do crime por se unir à gangue do seu bairro. Vingar a morte de seus “chegados”, amigos de infância foi o que lhe motivou a entrar numa gangue em que o lema era “olho por olho dente por dente”. Este lema se faz compreensível quando se pensa que esses grupos se localizam num espaço social onde a noção de justiça positiva e de proteção estatal é tida como ameaça.

Essa distinção realizada a partir de uma concepção dualista já não mais corresponde. na prática (se é que um dia já correspondeu). aos inúmeros estilos discursivos e estéticos que são produzidos de acordo com as múltiplas e contraditórias vivências e opiniões daqueles os criam: os Dj’s e os Mc’s (ou rappers).

Dentre os outros estilos, pode-se citar uma modalidade de rap considerado como underground. Caracterizado pelos rappers por misturar às tradicionais batidas do

hip hop outros estilos como, por exemplo, o samba, o jazz, o rock, o baião, o forro, o

repente, e uma infinidade de outros estilos musicais. É um segmento pouco explorado pela maioria dos produtores e gravadoras de rap convencionais. Dessa maneira, fica, por vezes, restrito a grupos alternativos de consumidores de rap, que estão para além da

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ANDRADE, Carla Coelho (2007), Entre gangues e galeras: juventude, violência e sociabilidade na periferia do Distrito Federal, Anexo I, p. vii.

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periferia. Contudo, é preciso reafirmar que as comunidades periféricas são o principal público alvo dessas produções musicais.

No Distrito Federal, pode-se citar um artista local, Rapadura, herdeiro da tradição centenária do repente e baião, em seus álbuns, Fita Embolada do Engenho e Amor Popular, deixa claro a partir de padrões estéticos e sonoros de sua musicalidade a ligação estrita entre rap e repente. Nascido no nordeste e imerso nos ritmos de sua terra natal, Rapadura muda-se para do DF, mais especificamente para Planaltina, aos treze anos de idade trazendo em sua experiência pessoal as marcas da musicalidade de sua terra natal. Ao deparar-se com experiência da periferia de Planaltina, Rapadura conjuga as batidas tradicionais do hip-hop observadas na forte cena do rap da cidade aos ritmos que trouxe consigo do nordeste.75

São compreensíveis as disparidades de opinião e mesmo os conflitos dentro do movimento, porém, por mais que saibamos que existam em Planaltina, eles se apresentam de maneira velada. Os rappers da cidade preservam a pacificidade entre os grupos, respeitando suas disparidades, visto que se mantêm conscientes de seu significado e de seu potencial mobilizador e transformador de uma juventude criminalizada. Segundo as palavras de membro do movimento de São Leandro Lobo “O Hip-Hop significa tudo para muitos subcidadãos. Perdê-lo, significa o esvaziamento de vidas, a nadificação de centenas de milhares de sujeitos”76

. Essa proposição encontra índicos nos ternos do estudante de escola pública, do 3º ano de ensino médio, morador do bairro Jardim Roriz: O rap pode ser considerado a voz da periferia. O rap passa a

visão crítica sobre os assuntos que precisam ser ouvidos pelo governo, além de passar experiências que os cantores vivem em suas famílias, em seus bairros em geral o rap é muito pessoal, é a angústia de todos que vivem na periferia.

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RAPADURA. Amor Popular. In: Amor Popular. Mixtape independente, 2008.

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LOBO, Leandro. Rap é arte, cidadania, política. Disponível em:

http://brasiledesenvolvimento.wordpress.com/2012/08/09/rap-e-arte-cidadania-e-politica/. Acesso em: 21.03.2013.

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