• Nenhum resultado encontrado

As imagens de uma Brasília ‘fora dos eixos”, cultura rap no Distrito Federal

1.4 Das origens: ritmo e poesia na periferia

O rap26 é a expressão musical do hip-hop, manifestação de cunho artístico, cultural e político que nasce nos EUA em meado dos anos 70. O gênero musical encontrou solo fértil para sua aparição nos ambientes indóceis dos guetos negros americanos, analisados em diversas circunstâncias como “terreno de decomposição social (enclave geográfico, destruição de célula familiar, violências urbanas e mercado da droga, instituição cultural da segregação social...)” 27

. Esses espaços de sociabilidade são marcas distintivas do rap, contudo, atribuir seu surgimento unicamente às experiências de violência no gueto é negar seu estatuto enquanto arte. Visível enquanto expressão política, social e artística, o componente musical do hip-hop institui-se como um produto de representação e crítica do contexto urbano, ao mesmo tempo em que é dotado da habilidade de transformar em poesia as tensões cotidianas partilhadas nas periferias urbanas.

O rap é apenas um dentre os consagrados quatro elementos do hip-hop. Ao lado dele, estão o break – estilo de dança de rua que é dançado de maneira sincronizada com a música. É uma performance marcada por movimentos quebrados, os quais são realizados com bastante vigor, e que contrariam a leveza dos movimentos realizados nas danças clássicas ocidentais; o grafite – intervenção artística inscrita, habitualmente, em paredes de espaços públicos com spray. Diferente da pichação, o grafite emprega técnicas de pintura e desenho; e os MCs (Mestres de Cerimônia) – que são os rappers, os quais conduzem as festas realizando uma interlocução direta com o público.

26

Rhythm and poetry – Ritmo e poesia.

27

BAZIN, Hugues. Apud ANDRADE, Carla Coelho (2007), Entre gangues e galeras: juventude, violência e sociabilidade na periferia do Distrito Federal... Anexo I, p. ii.

38

Ainda, para além desses quatro elementos, por décadas não questionados, a nova geração do hip-hop fala sobre a existência de um quinto elemento. No entanto, não há unanimidade entre os membros do movimento. Para a grande maioria, o quinto elemento é a consciência ou o conhecimento, o qual é definido como fundamental para a luta por uma sociedade mais justa, mais igualitária. Para outros, esse componente é a

festa, o baile, a fruição, importante elemento que gera prazer, alegria, nos momentos de

suspensão do cotidiano de quem vive na periferia. Momento de sentir, experimentar juntos o lado bom da vida. E, para tantos outros, é o Freestyle que se caracteriza pelo improviso de rimas de rap, onde o MC ou rapper expressa o que sente sobre determinado assunto na hora. Este gênero é marcado pela batalha, pelo duelo entre dois

rappers que lutam entre si para ver quem manda a melhor ideia no improviso, o que

decidido pelo público.

Em 2010, numa rápida conversa com o DJ28 Bolatribo, integrante do grupo Tribo da Periferia, ele declarou que para ele o quinto elemento do hip-hop era a festa. Já em entrevista de 2013, ele disse que considerava esse elemento como o freestyle. Questionei-o sobre essa mudança de perspectiva, naquele momento ele alegou: “em 2010 estava no grupo Vadios Loucos, o estilo e as letras do grupo eram muito voltados para isso [a festa]. Eu tava vivendo muito essa fase.” Nesse sentido, percebe-se que o quinto elemento aparece de maneira muito fluida na fala dos rappers e de outros integrantes do movimento hip-hop. Ele se adequa à experiência de cada um, podendo mudar de acordo com o tempo e o local em que é considerado.

O Freestyle se aproxima muito do repente, gênero literário-musical de tradição nordestina, que se desenvolve, assim como o rap, como uma expressão marginalizada. Tanto no Freestyle quanto no repente, os versos e as rimas são improvisados em público, e não necessitam de uma elaboração prévia, visto que não há a preocupação com o registro. Assim, a voz, o conhecimento e a imaginação do poeta são os melhores artifícios a serem empregados.

Antes de receber forma e identidade por meio do movimento hip-hop, práticas precursoras do rap, em outros tempos, já davam sinais de vitalidade em outros lugares do mundo.

39

A oralidade do rap é originária do canto falado da África ocidental, após a chegada dos escravos negros em todo continente americano, foi adaptado à música jamaicana da década de 1950 e por último, chegou aos Estados Unidos da América através dos imigrantes latino-americanos, sendo essa prática influenciada pela cultura negra dos guetos nova iorquinos no período pós-guerra, até então ganhar formato próprio e ser denominado como Rap.29 Vê-se a possibilidade de o repente nordestino, assim como o rap, estar mais próximo de uma origem africana do que europeia. Tal possibilidade é considerada pelo fato de o nordeste brasileiro ter recebido um expressivo contingente de escravos traficados da África. As semelhanças entre os dois gêneros de canto falado criam, por vezes, em território nacional uma fusão das duas culturas.

Na última década deste século, tem-se produzido bastante sobre o hip- hop. E dentre essas produções, existe um vasto número de versões sobre o início da história do movimento. Uma explicação bastante difundida e aceita entre os rappers diz que:

O Hip Hop surgiu nos guetos de Nova York, tendo sido criado pelas equipes de bailes com o objetivo de apaziguar as brigas entre negros e hispânicos agrupados em gangues. As equipes organizavam festas nas ruas, ginásios colégios, incentivando os jovens a dançarem ao invés de brigarem entre si30.

Dentre essas equipes a de maior destaque foi a Zulu Nation, em que o líder Afrika Bambaata, morador do Bronx, gueto negro situado na parte norte de Nova York, ao misturar as músicas (letras) com os beats (tempo, ritmo, batida), procurou instituir códigos morais e de conduta pautados em atos de não violência, disseminadores de paz e fundamentados na criatividade musical e artística.

O nome Afrika Bambaata foi tomado de empréstimo de um chefe Zulu contrário à colonização inglesa na África do Sul, que lutava, sobretudo, pela unificação do seu país. Movido pela inspiração da história desse chefe, ele se apoiou em símbolos como esse para estabelecer uma nova forma de combate aos conflitos étnicos engendrados ao contexto urbano. A Zulu Nation pautava-se em valores que irradiavam a resistência a toda discriminação de cor, de religião ou política, e almejava incitar a identificação dos jovens envolvidos em atos hostis e destrutivos com atitudes positivas.

29

TEJERA, Daniel Bidia O; AGUIAR, Carmen Maria. Os cantos de improviso: a relação entre o Rap e o Repente. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, ano 15, número 149, outubro de 2010. Disponível em: http://www.efdeportes.com/

30

ANDRADE, Carla Coelho (2007), Entre gangues e galeras: juventude, violência e sociabilidade na periferia do Distrito Federal. Anexo I, p. ii.

40

Nesse sentido, esses jovens podiam exercitar o sentimento de pertencimento, substituindo a violência destrutiva por manifestação artística, que, assim como as brigas de rua, exigiam dos jovens, habilidade, vigor, disposição e agilidade.