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1 INTRODUÇÃO

4.2 Aposição na Linguística: processo e construção

Muitos linguistas e gramáticos consideram como critério para a identificação de uma estrutura apositiva a relação semântico-pragmática de correferência entre os termos. Como exemplo desses autores, temos Rodriguez (1989), que vê a correferência como característica inerente à aposição.

Contudo, o linguista Bloomfield (1979, p. 186) e os gramáticos Quirk et al. (1985, p. 1303) e consideram que, no caso da aposição restritiva, os elementos apositivos têm como uma das características inerentes constituírem uma única unidade de informação, pois não há, entre eles, uma pausa na fala ou sinal de pontuação na escrita.

Rodriguez (1987), posicionando-se contra o ponto de vista de Quirk et al. (1985) e Bloomfield (1979), afirma que a ausência da pausa entre os elementos, na verdade, faz com que estes não tenham uma relação de correferência, portanto, o que conhecemos como aposição restritiva não pode existir como tal. Para a autora, a natureza suprassegmental é responsável por codificar a relação de correferência, e, sem essa condição, uma construção

não pode ser identificada como apositiva. Há, dessa forma, entre os elementos desse tipo de construção, conclui Rodriguez, uma relação de atribuição.

Essa posição de Rodriguez é rearfimada quando a autora não aceita também o tratamento dado por Martinez (1987) a exemplos como a cidade (de) Lisboa ou ilha de Marajó, citados anteriormente. Para Martinez, esses tipos de exemplos não podem ser tratados como aposições restritivas, mas como composição46, tal como em bebê de proveta, sofá- cama. Rodriguez, nesses casos, no entanto, vê, mais uma vez, uma relação de atribuição e não de correferência.

Outro critério apontado nos estudos linguísticos para determinar a identificação de uma aposição é a identidade funcional.

Segundo Câmara Jr. (1986, p. 57-58), na aposição restritiva, temos uma sequência e não um sintagma:

APOSIÇÃO: Substantivo ou locução substantiva, que ao lado de outro ou outra tem a mesma função sintática e se reporta ao mesmo ser [...].

Rodriguez (1989, p. 232) concorda com Câmara Jr. ao afirmar que, em relação à identidade funcional, se os termos que, em princípio, estão em aposição restritiva, puderem ser intercambiados, eles serão equifuncionais, e esta equifuncionalidade será sintática e não decorrente da relação de correferência entre esses termos. Daí, mais uma vez, o autor procura justificar a não existência da aposição restritiva.

Tesnière (1976) não considera que os dois termos em aposição restritiva exercem a mesma função na oração a que pertencem. Segundo o Tesnière (1976, p. 163), o substantivo em aposição restritiva não está em conexão com o verbo, mas com o substantivo que exerce o papel de um de seus actantes. Embora admita que, do ponto de vista estrutural, esses dois

46 De acordo com Bechara (2003, p. 355):

A COMPOSIÇÃO consiste na criação de uma palavra nova de significado único e constante, sempre e somente por meio de dois radicais relacionados entre si. Isto não impede que um dos elementos compostos seja ele mesmo já um composto, contado como um termo único, pelo princípio de constituintes imediatos.

Ainda segundo Bechara (idem), a composição do tipo substantivo + substantivo pode ser de coordenação ou de subordinação. A composição por coordenação é caracterizada pela criação de uma palavra nova de significado único e constante:

OBSERVAÇÃO: Os compostos com o determinado antes do determinante são tipicamente portugueses. Nos compostos coordenativos um dos substantivos funciona como aposto de outro, em geral, o segundo: peixe- espada (peixe que se paraece com uma espada). Compostos deste tipo em que o determinante vem antes do determinado, como em mãe-pátria, são mais raros [...].

Já a composição por subordinação, para Bechara (2003, p.356), caracteriza-se quando há subordinação de um elemento:

OBSERVAÇÃO: Nesse tipo de subordinação, os elementos se unem por uma relação de complemento de substantivo, do adjetivo ou do verbo [cf.VK.3, 42 n. 5]. É muito natural no português a omissão da preposição de, como acontece com arco-íris (por arca da íris), Íris é nome mitológico). Assim, porco-espinho (= porco de espinho), beira-mar (beira do mar), pontapé (ponta do pé), etc. [...].

substantivos sejam iguais entre si e estejam em conexão semântica direta e horizontal, afirma que eles não são necessariamente idênticos: o substantivo nuclear ou principal é um actante do verbo, e o substantivo em aposição é apenas um atributo desse substantivo principal. Tesnière, também, lembra-nos de que, por ser uma conexão horizontal, a aposição restritiva distingue-se, por exemplo, do epíteto, que mantém uma relação vertical com o substantivo centro do nó substantival.

A expressão conexão horizontal empregada por Tesnière para descrever a aposição restritiva, de acordo com Carone (1988, p. 66), parece contraditória, pois Tesnière (1976), ao empregar a palavra conexão para designar uma relação horizontal, está falando de subordinação. Essa contradição, acaba reforçando a posição de Carone, que atribui à aposição restritiva, bem como ao epíteto, o estatuto de subordinação. A autora justifica seu posicionamento, afirmando que, nessa aposição, há um resíduo de uma oração subordinada.

Taboada (1978) não compartilha da posição de Tesnière (1976), pois considera a identidade funcional como um critério definidor da aposição restritiva, contudo, o autor, para dar base a essa sua assertiva, leva em consideração o comportamento semântico dos elementos que a constui. Portanto, segundo Taboada, os termos, em uma estrutura apositiva restritiva, devem:

a) constituir um elemento funcional único em relação à oração;

b) ser intercambiáveis sem alterar a estrutura e as funções da construção apositiva;

c) ser capazes de sofrer supressão, sem modificar a estrutura oracional e sem que o seu sentido contextual seja modificado.

Já para Lago (1991, p. 501), os dois elementos em aposição restritiva pertencem ao mesmo nível de estrutura hierárquico, mas, quando considerados em relação à estrutura apositiva, exercem funções diferentes, um é o elemento principal e o outro, modificador. A relação semântica que se estabelece entre os dois elementos em aposição não é nem de coordenação, nem de subordinação, mas de interdependência.

De acordo com Nogueira (1999, p. 38), o cenário que encontramos em relação ao que é dito sobre o que é uma aposição demonstra muito bem (como nós podemos também constatar) que não há consenso entre os estudiosos quanto à caracterização de uma construção apositiva restritiva, especialmente, com base na identidade funcional:

Não há, entretanto, consenso entre os estudiosos quanto à identidade funcional nas construções ditas apositivas. Hockett (1958), por exemplo, ao estudar os principais

tipos de construção endocêntrica, vê a aposição como variedade muito particular de construção coordenada. Ele afirma que, em alguns exemplos de aposição, fica claro que a construção é endocêntrica e é razoável supor a existência de uma atribuição; mas afirma, também, que é difícil dizer qual dos termos é o núcleo. Assim, para Hockett, uma construção como Queen Mary é constituída por dois núcleos mutuamente atributivos.

Em nossa tese, na busca de melhor entender os traços que marcam uma aposição restritiva, procuramos provar que muitos dos fenômenos que acontecem nesse processo de construção restritiva não conseguiram ser suficientemente explicados por não levarem em consideração as características pragmáticas, semânticas, morfossintáticas das aposições.

As consequências da desconsideração dessas características para o entendimento desses traços levaram autores como Rodriguez (1989) e Câmara Jr. ((1986) a afirmarem, erroneamente, que a identidade funcional dos elementos de uma aposição pode apenas ser explicada com base na sintaxe; ou a defender a teoria de que os dois termos em aposição restritiva exercem a mesma função na oração a que pertencem, como Taboada (1978). Ou, ainda, já com relação à correferência, a afirmar, como fez Rodriguez (1989), que a natureza suprassegmental é responsável por codificar a relação de correferência, e, sem essa condição, uma construção não pode ser identificada como apositiva, portanto, entre os elementos desse tipo de construção haveria uma relação semântica de atribuição, não podendo existir, assim, a aposição restritiva. Através de uma análise com base na Gramática Discursivo-Funcional, no entanto, fica fácil entender que a atribuição, assim como a referência, é usada para descrever atos executados no Nível Interpessoal (pragmática), não no Representacional.

Concordamos, entretanto, com Carone (1988) em relação a sua crítica a Tesnière (1976). Uma vez que o estudioso considera que os dois substantivos sejam iguais, não poderão ter uma conexão horizontal, pois o termo conexão é tipicamente usado para marcar as relações de subordinação. Contudo, assim como Lago (1991), entendemos que a relação semântica que se estabelece entre os dois elementos em aposição é de interdependência, embora, em alguns casos, esta relação não seja fácil de ser percebida.

Para tornar, portanto, a questão da correferência e da identidade funcional mais clara, seguimos, na nossa tese, a posição de Nogueira (1999) que afirma haver a necessidade de se distinguir função sintática de processo de construção. Desta forma, deve-se empregar a palavra aposição como designativa de uma construção e não de uma função sintática, principalmente pela vantagem de ser possível analisar como apositivas algumas construções em que não se pode afirmar a existência de função sintática exercida por um dos elementos ou por ambos.

De acordo ainda com Nogueira (2011, p. 6), no estudo das aposições não restritivas, as construções mais típicas de uma aposição são aquelas que mostram um maior número de traços característicos e podem, dessa forma, ser consideradas como protótipo da categoria. Supõe-se, segundo a autora, que a maioria das construções apositivas exiba um grande número de traços, procurando parecer, assim, com o protótipo, enquanto que outras que apresentam menos traços, afastando-se da similaridade com o protótipo. É o grau de semelhança, portanto, que faz com que uma construção faça parte ou não dessa categoria: quanto mais próxima for do protótipo, mais central é seu estatuto dentro da categoria. Na discussão sobre os fundamentos conceituais da aposição, Nogueira (1999) considerou como fronteiras conceituais dessa categoria de construção as aposições restritivas.