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1 INTRODUÇÃO

3.5 A referência e a atribuição na Gramática Discursivo-Funcional

3.5.2 Os Subatos

3.5.2.1 Subato Atributivo

A existência de um Subato de Atribuição, num Ato Discursivo, não implica que o Falante, ao realizá-lo, atribuiu uma Propriedade a algum referente28. Isso se explica pelo fato de que a GDF considera que, quando uma Propriedade é evocada, não necessariamente essa Propriedade está sendo atribuída a um referente, por isso é possível haver Conteúdos Comunicados com Subato Atributivo sem referente ao qual se aplique. Por exemplo, em (9), Hengeveld e Mackenzie consideram a Propriedade rain (chover) como atribuída, mas não atribuída a algum referente, uma vez que o elemento it (sem tradução no português) não é analisado na GDF como um Subato Referencial, pois ele não evoca um referente, sendo considerado, assim, um elemento não referencial, um sujeito fictício necessário em inglês para preencher o slot do sujeito do verbo:

27 Na GDF o núcleo da Ilocução pode ser ocupado tanto pelas Ilocuções abstratas como por verbos performativos

explícitos e por membros de um conjunto limitado de interjeições e expressões relacionadas que constituem, elas mesmas, um Ato Discursivo Comunicativo ou Expressivo.

28 Uma questão que devemos chamar atenção é que, na GDF, nem sempre todas as evocações do Nível

Interpessoal trazem informações semânticas, como os nomes próprios e os pronomes pessoais (Subatos Referenciais), portanto, nestes casos, o núcleo das categorias semânticas dessas unidades está ausente. Ex: Hengeveld e Mackenzie (2008, p. 237)

(602) John arrived. / John chegou

(603) NI: (AI: [(FI: DECL (FI)) (PI)S (PJ)A (CI: [(TI)Foc (RI: John (RI ))] (CI))] (AI))

(9) It is raining. Está chovendo

(10)(C1:(T1) (C1))

Um outro ponto que deve ser considerado nessa formalização é a ausência da representação do verbo be/ser ou estar (is/está) no Nível Interpessoal. Segundo Keizer (2015, p. 96), isso se deve ao fato de que, na GDF, os verbos conhecidos como verbos copulares não descrevem uma propriedade, esses são considerados auxiliares que assumem a função de dispositivos usados para a expressão do tempo e do número que são ambos traços representacionais. Devido a isso, não aparecem na representação no Nível Interpessoal. No Nível Representacional29, no entanto, são analisados como elementos gramaticais e representados como operadores.

Como podemos perceber, o Nível Interpessoal pode registrar apenas a presença do Subato Atributivo. O item lexical rain (chuva), exemplo (9), de acordo com os autores, será provido no Nível Representacional. Contudo, explicam Hengeveld e Mackenzie que nem todo predicado, no Nível Representacional, corresponderá a um Subato Atributivo no Nível Interpessoal. Considere os exemplos de gapping em (11):

(11) Peter has a blue car and Mike a red car. / Peter tem um carro azul e Mike, um carro

vermelho.

No Nível Representacional, por exemplo, afirmam os autores que a segunda parte do enunciado em (11), a oração Mike a red car (Mike, um carro vermelho), é mostrada como tendo uma variável semântica para Propriedade have (ter) que é correferencial com a propriedade realizada lexicalmente na primeira oração. Contudo, no Nível Interpessoal, a partir da não lexicalização do verbo, não há um Subato Atributivo correspondente. A ausência de um Subato Atributivo irá, segundo Hengeveld e Mackenzie (2008, p. 109), sinalizar, para o Nível Morfossintático, a necessidade de se implementar um “gapping”30 nessa segunda oração. Por conta da existência de enunciados como os dos exemplos (9) e (11), Hengeveld e

29 Na GDF, o verbo be (ser ou estar) é recuperado no Nível Morfossintático. 30

The Property ‘car’ is evoked, as well as the Property ‘blue’. The relationship between these Properties, namely that ‘blue’ restricts the applicability of the Property ‘car’, will be displayed at the Representational Level. At the Interpersonal Level, all that will be shown is that the Referential Subact is carried out by means of two Ascriptive Subacts. Hengeveld e Mackenzie (2008, p. 109).

Mackenzie (2008, p. 109) concluem que “o Nível Interpessoal mostra o que o /a Falante faz, enquanto o Nível Representacional o que ele ou ela quer dizer”31.

Ao analisarmos agora o Np a blue car (um carro azul) da primeira oração do exemplo (11), podemos perceber a existência de dois Subatos Atributivos dentro de um Subato Referencial que é o próprio Np. De acordo com Hengeveld e Mackenzie (2008, p.109):

a Propriedade “carro” é evocada, assim como a Propriedade “azul”. A relação entre estas Propriedades, ou seja, “azul” restringe a aplicabilidade da Propriedade “carro”, será mostrada no Nível Representacional, já no Nível Interpessoal, é mostrado apenas o Subato Referencial que é realizado por meio dos dois Subatos Atributivos32. (Tradução nossa)

Vejamos a sua formalização em (12):

(12) a blue car / um carro azul

NI: (RI: [(TI) (TJ) ] (RI))

NR: (xi: (fi: car (fi) xi): (fj: blue (fj)) (xi)) NR: (xi: (fi: carro (fi) xi): (fj: azul (fj)) (xi))

Descrevendo a formalização em NI, temos um Subato Referencial: RI = um carro azul / dois Subatoa Atributivos: TI = carro / TJ: azul. E no NR, temos: xi = Indivíduo (um carro azul) / fi = Propriedade (carro) / fj= Propriedade (azul).

Embora estejamos, neste momento do nosso trabalho, falando especificamente das realizações no Nível Interpessoal, achamos importante explicar um pouco mais sobre a relação entre as propriedades blue (azul) e car (carro) no Nível Representacional, mas tomando como exemplo a tradução para o português, ou seja, um carro azul, uma vez que, em português, o adjetivo também “restringe a aplicabilidade da Propriedade” do substantivo.

Portanto, uma questão na formalização de um carro azul, no Nível Representacional, que pode nos deixar confusos é o fato de, aparentemente, o adjetivo “azul” e o substantivo carro serem tratados igualmente como Propriedades (fi). Isso se deve ao fato de que, na GDF, um Indivíduo é um objeto concreto, que se pode tocar, que pode ocupar

31

In this way, the Interpersonal Level shows what the Speaker does, while the Representational Level shows what s/he means. Hengeveld e Mackenzie (2008, p. 109).

32Ascriptive Subacts may occur within Referential Subacts. Consider the noun phrase a blue car in (263). The

noun phrase as a whole will be shown as a Referential Subact at the Interpersonal Level, but it clearly contains two Subacts of Ascription: the Property ‘car’ is evoked, as well as the Property ‘blue’. The relationship between these Properties, namely that ‘blue’ restricts the applicability of the Property ‘car’, will be displayed at the Representational Level. At the Interpersonal Level, all that will be shown is that the Referential Subact is carried out by means of two Ascriptive Subacts.

espaço, já uma Propriedade só existe em relação a uma outra categoria semântica, por exemplo, “a grama (é) era verde”, “a reunião (é) foi tumultuosa”. Então, se pensarmos em um carro azul, teremos que considerar todo o sintagma nominal como Subato Referencial no Nível Interpessoal e, como Indivíduo, no Nível Representacional. Mas a questão não é tão simples nessa gramática, pois esse Subato Referencial tem um núcleo carro e esse núcleo traz consigo uma Propriedade (a propriedade de ser carro).

Por isso, mesmo sendo o núcleo do Subato Referencial que designa um Indivíduo no Nível representacional, carro é realizado como um Subato Atributivo (TI) no Nível Interpessoal, evocando a propriedade de algo ser um carro ou, em outras palavras, a qualidade de ser um carro. De acordo com Keizer (2015, p. 97), essa Propriedade pode ser eventualmente expressa por meio do nome carro, mas também por meio do nome auto (como em Portugal), dependendo dos vários fatores contextuais. Essa decisão, no entanto, afirma a autora, é vista como uma questão semântica e não pragmática e será, por isso tomada no Nível Representacional.

a) Núcleo

Na GDF, o núcleo de um Subato Atributivo por atribuir uma Propriedade é, segundo Hengeveld e Mackenzie (2008, p.110), em princípio, vazio. Em (13), por exemplo, o Subato Atributivo expresso pelo verbo loves (ama) aparece no Nível Interpessoal simplesmente como (TI), pois a atribuição é realizada através da seleção de um item lexical no Nível Representacional, onde será mostrado no escopo de uma variável de propriedade - (f):

(13) Peter loves Mary. / Peter ama Mary.

NI: (CI: [(TI) (RI: Peter (RI)) (RJ: Mary (RJ))] (CI)) NR: (ei: [(fi: loves) (xi) (xj)]e)

NR: (ei: [(fi: ama) (xi) (xj)]e)

Onde: ei: Estado-de-coisas / fi: Propriedade / xi e xj = Indivíduo