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Apreender as perceções dos diferentes atores sobre as funções supervisivas e o

CAPÍTULO VI – DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.2. Apreender as perceções dos diferentes atores sobre as funções supervisivas e o

De acordo com os dados recolhidos nas entrevistas, podemos inferir que há diferentes formas de percecionar as funções supervisivas. Os professores veem o supervisor como alguém que tem como principal função representá-los num órgão colegial, o Conselho Pedagógico, atuando principalmente como um veículo de transmissão das opiniões do grupo ou do departamento. O trabalho mais burocrático, de supervisão das planificações, por exemplo, também é referido.

A profundidade das funções inerentes ao cargo de supervisão que é realçada na literatura científica não está interiorizada pelos docentes. A sua responsabilidade na dinamização de comunidades aprendentes (Alarcão, 2000); o seu papel no

desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes e na dinamização da sua formação (Alarcão & Tavares, 2003); a sua intervenção a nível institucional, através da conceção e implementação de projetos (Sá-Chaves, 2000), etc., ainda não foram assimilados. Verifica-se, assim, a desconformidade entre as conceções de supervisão que os docentes apresentam, e que foram referidas no ponto anterior, e o modo estes encaram o trabalho do supervisor. Algumas das dimensões sugeridas pelos docentes, como as de orientação e de aconselhamento, por exemplo, são esquecidas quando falam das funções do supervisor, realçando apenas a dimensão burocrática do cargo.

A visão redutora do cargo de supervisor que os docentes apresentam é patenteada igualmente quando discorrem sobre o perfil que consideram mais adequado para o seu desempenho. Também neste ponto a ênfase é colocada essencialmente num aspeto: em características pessoais do supervisor que facilitem o bom relacionamento com os colegas. Embora esta dimensão, o relacionamento interpessoal, seja importantíssima e recorrentemente sublinhada pelos investigadores (Vieira, 1993; Sá-Chaves, 2000; Alarcão & Tavares, 2003), são quase totalmente esquecidas as outras competências fundamentais para as funções, que anteriormente enumerámos.

Esta visão limitada e burocrática do cargo explica eventualmente o modo como a escolha dos coordenadores foi feita ao longo de décadas. Estes eram eleitos pelos pares, mas a escolha nem sempre obedecia a critérios que visavam a seleção da pessoa mais bem preparada para a complexidade das funções. Os docentes revelam, nas entrevistas, como o processo se desenrolava: a escolha era feita com base na amizade, na boa vontade demonstrada por algum docente quando mais ninguém estava disposto a aceitar o cargo e ainda em critérios como a rotatividade e o completamento de horário. Aliás, as questões relacionadas com o horário ainda hoje condicionam a escolha, como nos revelou o diretor. No entanto, embora os docentes reconheçam que os critérios não eram os adequados, a eleição pelos pares continua ainda a ser preferida pela maioria.

É interessante analisar ainda outras diferenças que percecionamos nos discursos dos professores quando inicialmente divagam sobre a supervisão, a nível concetual, e posteriormente sobre a prática supervisiva em concreto, sobre o trabalho que é feito ou deve ser feito. Quando se fala da supervisão em geral, emergem dos discursos dos docentes ideias de liderança e de regulação. Estes conceitos (bem como o de monitorização das práticas) são quase totalmente omitidos quando se fala das funções

supervisivas (e também do perfil do supervisor). A monitorização é referida por um professor, mas não é vista como uma prática que deve ser sistemática, mas sim como estratégia para ajudar ou regular o trabalho de algum docente com problemas.

É naquele ponto que se encontra a grande divergência entre o grupo dos docentes e o dos coordenadores. Estes atribuem grande importância às funções supracitadas e salientam a dificuldade que sentem ao tentar desempenhá-las. Esta dificuldade deve-se essencialmente a dois fatores. Em primeiro lugar, à resistência que pressentem por parte dos colegas, que rejeitam qualquer interferência no seu trabalho. Por outro lado, havendo essa cultura de rejeição, os coordenadores, para evitar possíveis conflitos, evitam intervir no sentido de mudar algumas práticas. Lembramos que a resistência à monitorização e à regulação das práticas não é referida apenas nestes pontos, é recorrentemente repetida ao longo das entrevistas. É, pois, consensual entre os coordenadores, que a supervisão dos seus pares, geralmente professores com grande experiência, revela-se muito difícil. Esta realidade vai ao encontro das conclusões do estudo realizado por Alarcão e Roldão (2008), referido no capítulo I da presente investigação. Recordamos que esse estudo revela existir uma cultura de resistência à mudança entre os professores de carreira, que mantêm práticas inalteráveis e legitimadas pela sua pretensa douta experiência.

Para além desta constatação, verifica-se que os coordenadores têm, de facto, uma visão mais abrangente que os outros docentes das funções inerentes ao cargo de supervisor. A promoção de uma cultura de trabalho assente na prática colaborativa e reflexiva, por exemplo, é um dos aspetos salientados pelos coordenadores (e pelo diretor). Outro aspeto referido por estes entrevistados é a supervisão regular das práticas a todos os níveis (cumprimento de programas, de critérios de avaliação, implementação das estratégias decididas em grupo, ou a nível de escola, etc.). Ainda assim, os coordenadores não referem algumas das funções que identificamos na literatura: promover a atualização no âmbito das áreas da didática, reflexão e da experimentação (Vieira, 1993); intervir e promover a participação na conceção e implementação de projetos inovadores (Vieira, 1993; Alarcão & Tavares, 2003); dinamizar a formação (Alarcão & Tavares, 2003), etc.

Neste ponto abrimos um parêntesis para referir a avaliação docente. Embora todos os professores concordem com a avaliação, de um modo geral não a identificam como uma

das funções dos supervisores. Trata-se de um tema sensível, porque o processo avaliativo dos últimos anos enformou vários erros que deixaram marcas indeléveis. Os docentes criticam a falta de justiça do processo avaliativo, a existência de quotas, a burocracia excessiva, etc. Estas críticas são transversais a todos os grupos de entrevistados. O grupo dos coordenadores realça ainda, em particular, os constrangimentos sentidos na observação de aulas: o facto de se tratar de uma avaliação entre pares impossibilita, na sua perspetiva, o aconselhável distanciamento entre avaliador e avaliado, para além de terem de se confrontar, por vezes, com o não reconhecimento da sua competência ou legitimidade enquanto avaliadores.

Nota-se também, pelos discursos, que ainda hoje o processo de escolha para o cargo de coordenador não é considerado o mais adequado e que por vezes os docentes são quase “forçados” a aceitá-lo. A suscetibilidade inerente à supervisão do trabalho de pares e a ausência de contrapartidas para uma tão elevada responsabilidade tornam o cargo pouco apelativo. Independentemente destes fatores, o atual método de escolha não é totalmente aceite pelos docentes – quase todos consideram que a eleição exclusiva pelos pares é um método mais democrático.

As representações dos docentes sobre as funções supervisivas são confirmadas depois pelas suas opiniões sobre o modo como elas são efetivamente desempenhadas na escola. Tendo uma visão muito redutora do cargo de supervisor, os docentes limitam-se a analisar o desempenho dos coordenadores pelo lado mais burocrático do cargo e consideram-no, de um modo geral, positivo.

Pelo contrário, os coordenadores mais uma vez se mostram insatisfeitos, enumeram as dificuldades sentidas, causadas pelos fatores anteriormente referidos, destacando, de novo, a resistência já amplamente mencionada. Identificam ainda outros constrangimentos, como a falta de tempo disponível para a supervisão e a lecionação do mesmo número de turmas que os restantes professores, sem qualquer tipo de redução, que impedem a realização de um trabalho mais profundo e de qualidade. Há a convicção de que só a redução do número de turmas ou a dedicação exclusiva possibilitaria uma efetiva supervisão do trabalho docente.

Concluindo, podemos dizer que, quer no decorrer entrevistas, quer depois, na sua análise aprofundada, foi percetível a sensação de impotência que perpassou os discursos dos coordenadores. Neste ponto relembramos a opinião de Diogo (2004), que

considerava que, na sua atuação, os líderes intermédios enfatizavam os aspetos de cariz burocrático e administrativo, em vez de apresentarem novos projetos e abrirem novos caminhos para a escola. Verificamos que é isto que continua a acontecer atualmente, pelo menos nesta escola. Percebe-se, pelos discursos, que da parte dos coordenadores há a tentativa de irem mais além, mas as condições humanas e operacionais não o permitem.

As limitações existentes ao exercício da supervisão, que percecionamos nos discursos dos coordenadores, e que são corroboradas pelas representações dos docentes sobre as competências daqueles enquanto supervisores, induzem-nos ao questionamento sobre o tipo de supervisão que é efetivamente exercido. A conclusão a que chegamos é que é a dimensão burocrática que se salienta, impedindo que se destaquem, no trabalho dos supervisores, as competências que, para Alarcão (2002), são necessárias numa escola reflexiva: competências interpretativas, de análise e de avaliação, de dinamização da formação e relacionais. Na opinião da autora, “fazer supervisão não é um processo meramente técnico” (Alarcão, 2002: 234), mas sim um processo no qual se conjugam as dimensões cognitiva e relacional, em função de dois objetivos fundamentais: o desenvolvimento da escola como organização e o desenvolvimento profissional dos docentes.

6.3. Conhecer o impacto das práticas de supervisão no

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