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APRENDER A DAR AULAS DE MÚSICA NA PRIMEIRA ETAPA DO CICLO DE

A partir dos resultados da análise, do conceito de aprendizagem experiencial (KOLB, 2014) e de formação (DASSOLER E LIMA, 2012, LIBÂNIO, 2001; MORATO, 2009), propomos aqui três fases que compõem a primeira etapa do ciclo de formação de professor de música (veja Figura 5). Entre essas três fases, existe um processo que chamamos transacional. Da mesma forma que Kolb utiliza o termo “transação” para indicar um processo mais fluido entre pessoa e ambiente, utilizamos esse termo para justificar também um processo fluido e contínuo entre a primeira, a segunda e a terceira etapa do ciclo de formação do professor de música. Isso significa que, mesmo encontrando-se em uma fase posterior, a fase anterior ainda continua fazendo parte desse ciclo. A figura abaixo sintetiza esse processo:

FIGURA 5: O Processo Transacional das Três Fases da Primeira Etapa de Formação do Professor de Música

Fonte: Elaborada pelo autor

Como podemos perceber na Figura 5, os professores de música em formação começam, na primeira fase, a ter suas primeiras experimentações em sala de aula e, por isso, eles estão pensando também na primeira forma de ministrar aula, o que se faz por meio das suas memórias enquanto alunos. Nesta pesquisa, os entrevistados aplicaram a seus alunos o mesmo conteúdo musical de seus antigos professores, podendo eles espelharem ou não a mesma didática. Além disso, o próprio lugar no qual irão iniciar seus trabalhos docentes também molda a forma de ministrar aula, ainda que cada instituição tenha seu próprio plano de ensino. Entretanto, se eles começaram a atividade docente ministrando aulas particulares, então, esses professores de música têm mais liberdade para escolher o que aplicar.

Na segunda fase, inicia-se o processo de choque do real, que é quando emergem os conflitos entre a didática e o conteúdo musical. Os professores de música em formação podem ou não ter desenvoltura o suficiente para lidar com o aluno em sala, visto que não dominam o conteúdo musical, seja por falta experiência, falta de materiais didáticos ou inabilidade em transmitir o conhecimento musical.

Já na terceira fase, acontece o processo de estabilização, no qual eles já conseguem ministrar aula sem muitos problemas, como os citados no parágrafo acima. Entretanto, isso não significa que eles têm uma prática pedagógico-musical fixa, imutável, mas ela tende a mudar conforme o “tempo” de trabalho.

A seguir, apresentamos, na Tabela 3, o resumo das características de cada fase da primeira etapa do ciclo de formação do professor de música. Essa primeira etapa é formada por três fases: (1) Pensando um modelo pedagógico-musical para as primeiras aulas de música; (2) construindo uma forma de ministrar aula; e (3) estabilizando o trabalho docente.

Quadro 3: Resumo das Três Fases da Primeira Etapa de Formação do Professor de Música

1ª fase: Pensando um modelo pedagógico-musical para as primeiras aulas de música

Nessa fase, os professores de música em formação constroem um primeiro modelo pedagógico-musical e iniciam sua prática docente. São essas as características:

- Influências marcantes (forma de ministrar aula, materiais didáticos, atitudes positivas e negativas vivenciadas enquanto aluno).

- Atitudes pedagógico-musicais evitadas (comportamentos negativos dos professores dos entrevistados).

- Influência das instituições de ensino (o plano de aula de cada instituição pode determinar esse primeiro modelo pedagógico-musical).

2ª Fase: Construindo uma forma de dar aula/ Choque do real

Nessa fase, os professores de música em formação começam a enfrentar seus primeiros conflitos, os quais tentam resolver com a ajuda de outros professores ou construindo o próprio material didático. São essas as características:

- O enfrentar da realidade ou o choque do real (conflitos entre a realidade e o primeiro modelo pedagógico-musical elaborado pelos professores de música em formação).

- Projetar-se no aluno (os entrevistados pensam que é melhor ensinar de uma forma como se fosse para eles próprios, ou seja, acham que os alunos devem ser uma projeção dos professores).

- Consultando professores (a influência dos professores não termina na primeira fase, continuando os professores em formação consultando seus antigos professores para resolver problemas didáticos).

3ª fase: Estabilizando o trabalho docente

Nessa fase, os professores de música em formação já estão se estabilizando como profissionais no sentido de continuar a carreira docente. Aqui, eles já são mais capazes de resolver problemas didáticos, construindo uma autonomia pedagógico-musical. São essas as características:

- Experiência com o tempo (a própria prática docente no dia a dia deu a eles uma melhor capacidade para lecionar).

- Métodos e planejamentos (eles elaboram seus primeiros materiais didáticos e planejamentos e, além de construir, conhecem novos materiais).

- Percebendo o aluno (anteriormente, os professores de música em formação se projetavam no aluno. Agora, eles começam a entender que cada aluno tem seu próprio objetivo com a música e passam a se colocar no lugar no aluno).

Fonte: Elaborada pelo autor

Como podemos ver na Tabela acima, propomos a existência de três fases da primeira etapa do ciclo de formação do professor de música, sendo cada uma distinta da outra, porém elas se conectam. A ideia de “fase” dá o sentido de que uma termina e outra começa, o que, certamente, é verdadeiro. Entretanto, na aprendizagem experiencial como processo contínuo,

as fases anteriores não deixam de existir, mas elas ainda fazem parte da formação dos professores de música. Nesse sentido, pode-se inferir que somente é possível que os entrevistados proponham novas formas de ministrar aula se as experiências anteriores continuarem a fazer parte da aprendizagem posterior.

A Figura 5 demonstra e a Tabela 3 explica esse movimento contínuo. Apenas é possível propor uma nova didática se a anterior não estiver funcionando como deveria. Ademais, somente foi possível para os entrevistados perceberem que seus alunos eram “singulares” ao terem a experiência de que o que seria melhor para eles não daria certo para os alunos. Além disso, é possível elaborar novos materiais didáticos somente se os antigos estivessem falhos ou não explicassem bem o conteúdo musical. Se a maior parte da pedagogia-musical dos entrevistados apresentou mudanças drásticas ou em menor grau, pode ser porque uma fase tem que estar sempre presente ao mudar para outra fase.

E nada disso pode acontecer se não pensarmos no modelo proposto por Kolb (2014). Como já foi dito no início deste trabalho, para a aprendizagem acontecer, é preciso que a vivência passe pelos quatro estágios do ciclo de aprendizagem experiencial: experimentação ativa, observação reflexiva, conceitualização abstrata e experimentação concreta. Se os professores de música em formação começaram a ministrar aula de uma forma e, posteriormente, foram mudando é porque, no primeiro momento, refletiram como iniciaram suas aulas, depois chegavam a uma conceitualização de suas reflexões e, em seguida, aplicavam. Com a experimentação concreta, eles voltavam a refletir, conceitualizar, aplicar novamente e ter novas experiências e assim por diante.

Logo, o curso de formação de professores objetiva desenvolver a habilidade nos alunos de entender e relacionar teoria e prática, ação e reflexão. O professor de música em formação já está aprendendo a relacionar essas duas dialéticas e, quando utilizamos o modelo de Kolb (2014), fica fácil perceber essa relação.

Para aprender, o ser humano precisa estar no processo de refletir e agir, ou melhor, expandindo essa ideia, ele deve agir, refletir, conceitualizar e vivenciar. Então, podemos afirmar que a aprendizagem pedagógico-musical anterior à licenciatura acontece de fato. O curso de formação de professores irá acrescentar outros conhecimentos na formação desses entrevistados, mas eles já estão aprendendo a se formar na profissão.

Por último, poderia vir à nossa mente a seguinte pergunta: Então, esses professores entrevistados aprenderam ou não a dar aula? E a resposta é que essa pergunta não faz sentido na aprendizagem experiencial. Isso porque tentamos criar um mundo no qual existe o “aprender” e o “não-aprender”, o que parece estranho, já que podemos relacionar isso a uma chave que você apenas muda de posição.

Não é assim que a aprendizagem e a formação acontece. Esses professores de música estão se formando e sempre estarão nesse processo. Nada disso diz respeito aos “resultados”, mas ao “processo” pelo qual você está se formando desde o início da prática docente até o resto de sua vida. Podemos até aplicar testes no sentido de verificar quem é o melhor professor ou quem chegou à melhor didática, mas também isso não faria sentido porque a aprendizagem experiencial não diz respeito a comparar o “nível” de cada pessoa, mas a “evolução” dela sobre si mesma. Tomar para si seu próprio desenvolvimento e destino é ter consciência de que, a cada nova experiência, os professores de música em formação mudaram o “mundo real” e mudaram a si mesmo no que tange à prática docente.