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5. EXPERIÊNCIAS INICIAIS EM SALA DE AULA

5.2 Projetar-se no aluno

Outra característica do início da prática docente de um indivíduo é pensar que os alunos e alunas deveriam ser ensinados da forma como eles desejavam terem sido ensinados. Existe aqui um processo de “projeção”, sendo esse um termo que identifiquei em meu Trabalho de Conclusão de Curso (OLIVEIRA, 2015).

Quando eu estava elaborando minha monografia sobre o tema aprendizagem musical em família, escrevi um tópico sobre “projeção dos pais na educação dos filhos” (OLIVEIRA, 2015, p. 18). Nesse tópico, eu descrevia como os pais queriam proporcionar uma educação aos filhos que eles mesmos não tiveram, sendo isso observado nas citações a seguir. Claro que não estamos falando de pais e filhos, mas os entrevistados demonstram essa “projeção” deles nos seus alunos.

No caso de Dante, a “projeção” em uma aluna sua, foi positivo para o crescimento dela.

Então, eu acho que o fato de você saber cortar caminhos do aluno para ele chegar ao objetivo dele e alcançar é um ponto positivo. Igual essa aluna minha. Hoje, ela está em Goiânia, inclusive, só que ela se formou lá em São Paulo em uma faculdade. Não sei se ela já trabalha com música, mas hoje mora em Goiânia [...] Então, eu acho que os pontos positivos é isso, você saber lidar com um jeito de você ensinar o aluno do jeito que você fosse (ensinado) (DANTE, entrevista realizada no dia 12/06/2018).

Ézio também pensava da mesma forma. No início, ele achava que seus alunos deveriam cantar igual a ele, percebendo, posteriormente, que não era bem assim. Técnicas vocais como melisma, falsete e vibrato são essenciais para técnica vocal, mas, às vezes, não era o que o aluno queria. Segundo Ézio,

Então, eu tive experiências de, às vezes, tá ensinando para o aluno e ele não queria aprender aquilo. [...] “Eu quero que você cante desse jeito, que saiba fazer melisma, falsete, vibrato, enfim [...], [...] eu queria que todo aluno cantasse com eu cantava” (ÉZIO, entrevista realizada no dia 05/06/2018 p.13 - 14).

No momento em que o aluno “bate de frente” com Ézio, afirmando não querer fazer as técnicas vocais, o desejo em trabalhar a voz já não funcionava mais. Talvez esse seja um dos primeiros momentos em que o entrevistado percebe que o que ele pensou em ensinar (no caso a própria projeção) não funciona com todos os alunos.

No caso de Sarah, ela coloca em dúvida se estava se projetando nos alunos ou os estava percebendo. Segundo a entrevistada,

Então, eu tinha muito material para motivar eles: - “Estuda essa música em casa”. E eles eram como esponja, todo tipo de informação que você passava, eles enxugavam (a entrevista quis dizer absorviam). E aquilo me obrigava a estudar mais (SARAH, entrevista realizada no dia 05/06/2018).

Esse “absorver informação” era próprio dos alunos ou da Sarah? Ela estava realmente entendendo seus alunos ou estava se projetando neles? Quando falou de sua aprendizagem musical, ela dizia na entrevista, de forma empolgada, que queria aprender música o mais rápido possível e ter acesso ao conhecimento musical. Na fala abaixo, Sarah cita seus professores ao falar de sua “fome” de aprender.

– “Eu não posso perder tempo. Então, eu ia descartando aquelas professoras ruins (risadas). Eu mudava de sala e elas perguntavam: - “Por que você mudou?” – “Eu mudei de horário”, eu falava: - “Gente, eu tenho pressa de aprender, eu tenho sede, tenho fome, e aquela vontade de descobrir o segredo da música (SARAH, entrevista realizada no dia 05/06/2018).

Seria uma possibilidade pensar que ela estava se vendo nos alunos e, pela citação acima, parece que isso dava certo, já que os alunos, em uma comparação, eram iguais a “esponja”. Por outro lado, considerando a curiosidade dos alunos como verdadeira, esse era um ponto positivo na formação pedagógico-musical dela, visto que isso a obrigava a estudar mais e poderia motivar os alunos a estudarem também. Como foi dito anteriormente, Sarah teve problemas com alguns professores seus que, segundo ela, eram limitados e tinham dificuldades em ensinar uma matéria. Foi por meio dessas experiências que Sarah preparou sua aula com muito mais material didático, tendo em vista que ela não queria que seus alunos e alunas tivessem a mesma experiência ruim que ela teve anteriormente. Difícil saber se ela tinha competência para evitar isso, mas, segundo Sarah, foi o que ela pensava no início de sua prática pedagógico-musical.

É interessante observar, nos três participantes, o mesmo pensamento sobre como os alunos deveriam ser ensinados. Talvez, eles estivessem tentando superar seus próprios déficits de aprendizagem. O que eu devo ensinar? De que forma devo ensinar? Qual seria a qualidade da minha aula?

O mais interessante é que eles estão formando sua prática pedagógico-musical não por suas experiências como docente (ainda que eles não tinham), mas pelas experiências como alunos e, assim, quando entram em sala de aula, eles podem se confundir entre o papel de “ser aluno” e o de “ser professor”. E qual seria a principal diferença entre se apoiar nas experiências como professor e/ou como aluno?

A diferença estaria na forma como eles enxergavam seus alunos. Com experiência como professor, eles entenderiam que seus alunos têm objetivos a serem alcançados com a música e que uma forma de ensinar poderia não dar certo com todos os alunos, ou seja, teriam uma visão ampla do que seria ensinar música. Agora, as experiências como aluno os fizeram pensar em apenas um caminho, que seria o da própria superação deles mesmos em relação a seus professores.

Não que isso seja negativo, pois, como vimos, uma aluna de Dante iniciou a graduação em música (ele não deixa claro isso na fala, mas deixa a entender ao comentar que, talvez, ela pudesse estar trabalhando com música). Se o aluno se identificar com o mesmo desejo e objetivos musicais de Dante, Ézio e Sarah, então podemos dizer que daria certo. Entretanto, se não houvesse identificação, a ideia de se enxergar no aluno não funcionaria, como foi o caso de Ézio.