4.3 MODO DE ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA ITINERANTE NO PARANÁ
4.3.2 Aprendizados e Desafios na Vivência da Escola Itinerante
Participar da vida da Escola Itinerante para a comunidade acampada, para
os educandos e educadores sejam do acampamento ou externos ao Movimento é
um momento de aprendizado de vida em comunidade, de solidariedade, de
tolerância. Para aqueles que vivem na situação de acampados o aprendizado,
também ocorre na dor, na tristeza, no preconceito, nas necessidades – alimentar,
financeira, vestuário, moradia, saúde, saneamento, transporte, cultura,
entretenimento – que marcaram, têm marcado e ainda irão marcar muitos sujeitos do
campo que, sem escolha, devido ao avanço do latifúndio e de outras questões que
envolvem o “direito a terra”, são obrigados a viver em situação precária – em
barracos de lona, na chuva, no barro, no calor, no frio, no desemprego, em trabalho
escravo, em subempregos. O acampamento, a escola e a itinerância permitem
outros aprendizados, já que o cotidiano do acampamento e da escola é sempre
novo, e depende dos que vivem no espaço, da política externa e das forças da
natureza, tudo influencia na vida da escola.
Os momentos de dificuldades são sempre mais complexos de serem trabalhados. Nem sempre é fácil falar sobre a dura e árdua realidade enfrentada. É propósito da escola dialogar sobre o assunto para entender os movimentos contraditórios que existem na dialética da luta de classes. Desta forma, é preciso canalizar as tensões em processos educativos, superando os desafios, e com isso compreendê-los e enfrentá-los (MST,
2010, p. 32).
A Escola Itinerante e sua dinâmica estão marcadas por momentos de
dificuldades que têm gerado aprendizados. Ao ler os documentos do MST (1998,
2001, 2005, 2008, 2010) e a bibliografia escrita sobre e para o Movimento, destaco
exemplos em que a relação entre a prática social e a escola, ou seja, o que
acontece no acampamento volta-se para a escola. A prisão de um companheiro, a
marcha, a reintegração de posse nem sempre pacífica e outros acontecimentos
rompem os limites entre o acampamento e a escola, entre a vida e o conteúdo
escolar.
Dentre eles chama a atenção a marcha Sepé Tiarajú, realizada em junho
2003, para São Gabriel, no Rio Grande do Sul com o objetivo de pressionar a
desapropriação da Fazenda Southal. A marcha durou, aproximadamente, três
meses, e dela participaram por volta de 800 pessoas – mulheres, homens e
crianças. No trajeto a marcha passou por diversas cidades da região centro sul do
estado do Rio Grande do Sul e nesse trajeto o grupo estava organizado para
denunciar o latifúndio e para ampliar o diálogo acerca da Reforma Agrária com a
sociedade (MST, 2010, p. 32).
Na ocasião foi veiculado e distribuído entre os Sem Terra um panfleto
anônimo
37“[...] de conteúdo discriminatório e preconceituoso contra os Sem-Terra
[...]” (CAMINI, 2009a, p. 205).
Na escola, o panfleto serviu para muitos dias de estudo e discussões, pois as crianças liam atentamente as palavras escritas. Em suas afirmações buscavam compreender o porquê daquilo tudo, levantavam hipóteses de quem o havia escrito, ouviam e faziam comentários sobre o conteúdo lido. Também relacionavam ao debate as reportagens com a posição das autoridades de São Gabriel sobre o assunto. Ao mesmo tempo em que os marchantes eram elogiados e acolhidos pela coragem e pela bravura de estar na marcha em condições precárias, enfrentando o rigor do inverno com frios e chuvas intensas, presenciavam também a crueldade explicitada pelos defensores do latifúndio (MST, 2010, p. 32).
[...] nos locais de paradas, estudam: o território geográfico, a quilometragem percorrida nos dias de caminhada, as características da vegetação, os costumes regionais, as culturas, entre outros (MST, 2010, p. 32-33).
Aprendizados como esses estão na memória de quem tem participado do
Movimento e, também, estão registrados em diversos documentos produzidos pelo e
37
Para o conhecimento de outros exemplos e de trechos do referido panfleto consultar Camini (2009) páginas 204 a 217.
para o coletivo do MST. Essas memórias e registros escritos demonstram como a
prática social se faz presente no interior da escola e como ela possibilita ao
educando verificar as relações existentes entre o conteúdo escolar e a vida fora da
escola.
Ao lado dos aprendizados, há desafios como garantir a continuidade da
Escola Itinerante, lutar pela melhoria da estrutura física, promover a
auto-organização dos educandos, promover ações para o embelezamento da escola e do
acampamento em geral, desenvolver práticas como reciclagem de lixo, preservação
das águas e reflorestamento, que possam auxiliar no bem estar coletivo, garantir e
avançar na formação continuada e permanente dos educadores, formar os
educadores externos ao MST, sistematizar e registrar os processos pedagógicos
(CADERNOS nº 2, 2008; nº 5, 2008; CAMINI, 2009a).
Outros desafios que se colocam para a Escola Itinerante e para o Movimento
vêm no sentido de fortalecer a organização e as instâncias dos acampamentos para
potencializar a participação e a relação acampamento-escola, minimizar a
rotatividade de educadores, fortalecer o coletivo de educação nos acampamentos e
nos assentamentos, intensificar o acompanhamento pedagógico, buscar parcerias
com IES públicas, viabilizar recursos financeiros para o deslocamento das
coordenações, melhorar o fornecimento do material didático e pedagógico, contratar
funcionários, construir hortas e jardins, avançar no desenvolvimento de metodologias
e instrumentos que possam auxiliar o educador, construir ferramentas para garantir o
aprendizado das crianças que chegam ao acampamento com defasagem escolar,
avançar na discussão pedagógica, fazer o debate nos acampamentos e
assentamentos sobre a continuidade das Escolas do Campo na transição de
acampamento para assentamento. Intensificar a relação de proximidade entre a
escola e a comunidade, romper com o sistema de avaliação tradicional medido por
nota, implementar os Ciclos de Formação Humana, aprovar junto ao Estado as
Propostas Político Pedagógicas, garantir a existência de biblioteca e sua
manutenção no que se refere ao acervo e mobiliário, garantir a existência de
laboratórios (MST, 2008; MST, 2010; CAMINI, 2009a).
Ao finalizar essa discussão apresento cinco fotografias da Escola Itinerante
Herdeiros da Luta de Porecatu que demonstram um pouco do processo de
embelezamento (FIGURA 7), da construção, realizada pela própria comunidade de
acampados (FIGURAS 8, 10 e 12) e o refeitório (FIGURA 11) no qual alguns
educandos acompanhados da educadora exercem a proposta do trabalho coletivo,
da solidariedade, da organização. Apresento, também, na FIGURA 9 a sala de aula
da Escola Itinerante Zumbi dos Palmares.
FIGURA 7: CONSTRUÇÃO DA ESCOLA ITINERANTE HERDEIROS DA LUTA DE PORECATU
FONTE: MST (2013).
FIGURA 8: CONSTRUÇÃO DA ESCOLA ITINERANTE HERDEIROS DA LUTA DE PORECATU
FONTE: MST (2013).
FIGURA 9: ESCOLA ITINERANTE ZUMBI DOS PALMARES
FONTE: OLIVEIRA (2014).
FIGURA 10: CONSTRUÇÃO DA ESCOLA ITINERANTE HERDEIROS DA LUTA DE PORECATU
FONTE: MST (2013).
FIGURA 11: REFEITÓRIO ESCOLA ITINERANTE HERDEIROS DA LUTA DE PORECATU
FONTE: MST (2013).
FIGURA 12: CONSTRUÇÃO DA ESCOLA ITINERANTE HERDEIROS DA LUTA DE PORECATU