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5.3 SUJEITOS E AS PRÁTICAS DE LEITURA

5.3.1 Educador e Educando

O primeiro dos sujeitos envolvidos no processo da leitura é o educador.

Nesse trabalho, não almejo dissertar acerca dos problemas vivenciados na carreira

do magistério – baixa remuneração, jornada de trabalho, má formação –, questões

que são exaustivamente discutidas por diversos pesquisadores e, entre eles, o

próprio Silva (1986, 1993, 1997, 1998, 1999, 2003, 2004, 2005, 2008). Pretendo

chamar a atenção para as práticas de leitura construídas a partir do trabalho do

educador. Para tanto, recorro a uma indagação de Silva (2005, p. 40) “Estaria o

professor brasileiro educando objetivamente, concretamente os seus alunos para o

domínio das diferentes práticas da leitura?”.

Traçar uma resposta para essa questão não é simples. A partir da pesquisa

bibliográfica na BDTD, identifiquei que há entreas143 pesquisas acadêmicas, 26 que

dedicam atenção às práticas de leitura escolarizadas, como informado. Elas também

apontam para a realização de processos rotineiros, como leitura silenciosa, em voz

alta, cópia de práticas existentes em livros didáticos, o uso do texto como pretexto

para rememorar e mencionar algumas.

Lajolo (2000), assim como Silva (1986, 1993, 1997, 1998, 1999, 2003, 2004,

2005, 2008), assinala a importância do papel do educador no incentivo à leitura. De

acordo com a autora, os profissionais da educação, sobretudo, aqueles ligados ao

ensino da leitura, devem ser leitores e bons leitores, precisam gostar de ler, ler muito

e a aprender a odiar e amar certos livros e autores. A esse respeito Machado (2001,

p. 119) afirma que, quando o educador se entende como leitor, leva para seu

ambiente de trabalho, mesmo de forma inconsciente, dois elementos essenciais ao

encontro com a leitura: “exemplo e curiosidade”.

Ao observar o educador, o educando poderá vir a gostar de ler, já que não é

possível se ensinar a gostar de ler, porque a formação do gosto pela leitura

relaciona-se a outras experiências intelectuais e culturais (BRITTO, 2009, p. 26). Na

mesma sala de aula é possível encontrar leitores, leitores temporários e não leitores.

O educador nem sempre se vê como leitor e, por consequência, também

não vê seus educandos como leitores ou possíveis leitores, que assim como ele

podem odiar e amar certos livros e autores. Na escola o que muitas vezes acontece

é que o educador “[...] seleciona textos para alunos sem fisionomia, simplesmente

idealizados por si ou pelos autores dos livros didáticos (SILVA, 2005, p. 82). Isso

pode ocorrer, por exemplo, por despreparo ou mesmo desatenção em relação aos

educandos para os quais leciona. Acredito, ainda, que a rotina da sala de aula e a

obrigatoriedade em cumprir com o currículo escolar não permite que o educador

olhe para as características de seus educandos e, dessa forma, na busca por

concluir em 200 dias letivos o conteúdo, normalmente, pensa objetivos e como

atingi-los e não como incentivar e proporcionar a leitura em sala de aula e fora dela.

O educador, de forma geral, seleciona textos que, embora sejam

decodificados quanto ao código escrito, nem sempre mantêm relação direta com a

vida e as necessidades dos educandos. Essa característica se aplica não só ao

educador da disciplina de Língua Portuguesa, historicamente incumbido, pela escola

e pela sociedade, de ser o responsável pelo ensino da leitura, mas também a todos

os educadores que, independente da disciplina que lecionam têm a responsabilidade

de trabalhar com a leitura. Para Silva (2004, p. 24), promover a leitura na escola é

responsabilidade não apenas do educador de língua portuguesa, mas de todo o

corpo docente. Falamos em diferentes esquemas pedagógicos “[...] centro de

interesse, em interdisciplinaridade, em construção coletiva do conhecimento, em

integração, sequenciação e unidade curricular [...]”, mas não as colocamos em

prática.

Ao envolver o coletivo de educadores no ensino da leitura não haverá

necessidade de ter um educador responsável pelo ensino da leitura e de suas

práticas ou de uma disciplina específica com esse objetivo. As áreas do

conhecimento exigem trabalhos com textos diferentes e que necessitam de práticas

diferentes de leitura para serem apreendidos. Uma vez que o ensino da leitura fique

restrito ao educador da disciplina de Língua Portuguesa, ele ensinará a seus

educandos práticas para a leitura de textos literários, argumentativos entre outros

gêneros textuais. E como fica a leitura de um texto, por exemplo, das áreas das

ciências, da matemática?

Em minha vida acadêmica e profissional, ouvi educadores afirmando que,

por pertencerem e lecionarem esta ou aquela disciplina, não têm a obrigação de

indicar leituras, propor trabalhos escolares que aliem leitura e escrita, já que não é

de sua competência ensinar Língua Portuguesa. Assim, deixam na maioria dos

casos, por exemplo, de apontar a seus educandos problemas de ortografia

identificados em uma avaliação escrita. Esses educadores parecem esquecer que,

também, escrevem e se comunicam usando a Língua Portuguesa e que como

educadores, o papel é contribuir com a aprendizagem, independe da disciplina

lecionada.

Romper com essa justificativa é difícil. Os educadores, muitas vezes,

também não leem e não escrevem e têm em seu imaginário, não por desejo próprio,

mas por imposição escolar e acadêmica, que a leitura é uma prática a ser realizada

na disciplina de Língua Portuguesa, que está ligada à leitura da literatura e à

correção ortográfica e gramatical e, portanto, sentem-se despreparados para atuar

nessa questão, uma vez que sua formação é outra. Segundo Silva (1999, p. 47) “[...]

queremos educar e promover um tipo de leitor que não se adapte ou se ajuste

inocentemente à realidade que está aí, mas que, pelas práticas de leitura, participe

ativamente da transformação social”.

E para formar esses leitores participantes da transformação social, na

escola, os educadores podem incentivar os educandos a exporem suas experiências

de vida e de leitura. Mas, de forma geral, a escola pouco tem oferecido alternativas

para que eles tomem tal atitude. Os objetivos e as funções para o ensino da leitura

nem sempre são explicitados. Há um conteúdo a ser cumprido e, no caso da leitura,

o conteúdo está relacionado aos textos selecionados e colocados à disposição dos

educandos, além dos dias letivos para serem cumpridos e outras situações que

compõem os rituais escolares.

Para uma mudança da perspectiva há que se oferecer ao leitor a

possibilidade de escolha de suas próprias leituras.

Ao ler, o aluno poderia relaxar... músculos... postura... raciocínio. Poderia abandonar a lógica e a linearidade impostas pela escola ao modo de pensar e conhecer. Na escola, o mundo vai das causas necessariamente às conseqüências, do começo ao fim, do mais simples para o mais complexo... do período preparatório ao exame vestibular... Tudo pedagogicamente programado... Seriado... Justificado.

Ao ler, o aluno poderia deixar de ouvir o mestre, que tudo pode e tudo sabe, para ouvir a si mesmo e aí acreditar que também sabe e que também pode... errar... parar de ler ... discordar... não gostar... misturar... imaginar e sonhar.

Ao ler poderia ficar só. E ficando só, sair do anonimato, da situação de massa a que fica submetido na escola, para recuperar o pessoal e nele o coletivo.

Abandonar a condição de aluno... aprendiz... ouvinte... criança... conceito... comportamento... para existir como pessoa e leitor.Sair do compromisso, da obrigação da „atividade‟, escapando assim ao controle, à avaliação e à autoridade.

Ler se quiser. Quando quiser. Onde quiser. O que quiser. Ler e desler. Ler e reler. Ler tudo e ler pela metade. Sem começar e sem terminar. Viver profundamente a ação de querer, experiência de prazer e de liberdade

(PENNAC, 1997, apud SILVA LLM, 1986, p. 61-62).

Ao contrário, a escola, ao imprimir à leitura uma forma institucional, tem, ao

longo dos anos, impedido que o educando atue por conta própria. Ele deve ler o que

é considerado, canonizado como “bom”, deve ler para cumprir determinados

objetivos, também, institucionalizados e não objetivos cunhados por si mesmo.

Assim, o ensino da leitura ao invés “[...] de levar os alunos a um conhecimento mais

leitura escolarizada [...]” (SILVA, 1986, p. 40) serve a outros propósitos, como a

memorização, oralidade e a gramática.

Diante disso, as propostas, por exemplo, de aulas de leitura, de momento da

leitura realizada no ambiente escolar torna-se entediante, pois, de maneira alguma

os direitos do leitor são garantidos, primeiro, porque na escola ele não pode “ler se

quiser”, tem de ler e ponto. Segundo, que não é “quando quiser”, é tempo

determinado. Terceiro não é “onde quiser”, é em um espaço também determinado.

Quarto, não é ler “o que quiser”, é o que está disponível, é o que lhe foi sugerido e

ou imposto. Quinto, não é “ler e desler”, é somente ler e ler dentro dos limites da

interpretação verdadeira, ou seja, a do educador. Sexto é sim “ler e reler”, mas no

sentido de que o reler é porque o texto é difícil e não foi compreendido ou porque a

leitura oral não foi satisfatória. Sétimo, “ler tudo e ler pela metade”, sim ler tudo, mas

nunca pela metade. Oitavo, ler “sem começar e sem terminar”, a leitura na escola

deve sempre ter um início e um fim, deve começar nela e terminar nela. E em nono

lugar “Viver profundamente a ação de querer, experiência de prazer e de liberdade”.

É possível na escola?

Ao apresentar os direitos dos leitores e ao falar em liberdade de leitura não

desejo enfatizar a ideia de que tudo, na escola, deve ser solto, de que não é

necessário propor e exigir determinadas leituras e autores, mas para isso é preciso

que haja planejamento e intencionalidade. Quero enfatizar que a escola também

pode ser um local de liberdade e de criatividade e que nesse ambiente é o educador

um provocador, um mediador de conhecimentos.

Para tanto, os envolvidos no processo de formação dos leitores, na escola,

precisam perceber e compreender qual o leitor que se pretende formar. E se estão

formando leitores com atitudes autoritárias e prescritivas, pois, e sobretudo, no

âmbito escolar, as expressões “aprender a ler” e “ler para aprender” recebem o seu

primeiro significado e apontam, inclusive, para as finalidades que devem ser

alcançadas pelo trabalho pedagógico na área da formação e preparo de leitores.

Nesse sentido, “[...] um dos objetivos básicos da escola é de formar o leitor

crítico da cultura – cultura esta encarnada em qualquer tipo de linguagem, verbal

Frente à escolha do educador e de seus objetivos, o leitor pode ser um

“leitor-modelo

39

”, segundo Umberto Eco (2001), e ou o “leitor empírico

40

”, para Lajolo

e Zilberman (1999), e outras concepções históricas ou contemporâneas que

permitem compreender e visualizar as diferentes formas de se conceituar o leitor. O

que importa é que o leitor formado na escola possa ser capaz de ler,

independentemente do texto e da linguagem que tenha em mãos, o mundo e a si

mesmo. Assim, entendo o leitor “[...] como um sujeito capaz de ler a palavra e o

mundo, dentro de condições históricas específicas” (SILVA, 1997, p. 81) e a partir da

leitura se compreenda como sujeito participante da história.