• Nenhum resultado encontrado

2.3 Pedagogia dos Multiletramentos: do letramento ao multiletramentos

2.3.3 Aprendizagem como processo

Como ensinar e aprender nesses novos tempos? A pedagogia dos multiletramentos propõe ações pedagógicas transformadoras e emancipatórias fundamentada em uma visão realista da sociedade contemporânea e no agir do homem sobre o mundo. Segundo Cope e Kalantzis (2008), transformamos o mundo e nós mesmos por meio da interação social quando fazemos sentido no mundo e quando utilizamos nossa identidade, interesse e motivação na construção de sentidos.

Essa proposta pedagógica considera a aprendizagem como um processo de autocriação. O aprendiz, ao produzir sentido, faz uso dos recursos disponíveis e acrescenta suas especialidades e peculiaridades construídas por meio da interação social, resultando sempre em um novo resultado (COPE; KALANTZIS, 2009, p.184). Para responder o “How”, o como os aprendizes aprendem, o NLG estabeleceu quatro dimensões pedagógicas: 1) Prática

36 Expressão latina, em português: sem a qual não

Situada; 2) Instrução Explícita; 3) Enquadramento Crítico; e 4) Prática Transformada37. Essas dimensões não são consideradas um esquema rígido e sequencial, mas um complexo ciclo de interação. De acordo com Kalantzis e Cope (2000, p.239), o objetivo é oferecer subsídios para ampliar as práticas tradicionais de letramento. Os autores argumentam que não há nada radicalmente novo nas quatro dimensões, na verdade, elas representam, de forma geral, a tradição pedagógica e, em particular, o ensino do letramento. Portanto, o principal objetivo é suplementar o que os professores já fazem.

Um dos princípios do projeto de multiletramentos é tentar encontrar formas de ampliar as práticas tradicionais existentes [ ] ao invés de querer introduzir mais uma nova proposta grandiosa de letramento como foi feito no passado.38

Depois de uma década aplicando essas combinações nas realidades curriculares na Austrália e nos Estados Unidos, Kalantzis e Cope (2006) reformularam essas dimensões traduzindo-nas por ações pedagógicas ou aprendizagem como processo39 de experimentar, conceituar, analisar e aplicar.

QUADRO 1 – O “como” do Multiletramento Orientação Pedagógica

(1996)

Knowledge Process – Reformulação (2006)

Prática Situada Experenciamento ... o que conhece ... o novo Instrução Explícita Conceitualização

... nomeando ... teorizando Enquadramento Crítico Análise

... funcionalmente ... criticamente Prática Transformada Aplicação

... adequadamente ...criativamente

Fonte: Adaptado de: Cope e Kalantzis (2009 p.187).

Experenciamento: a cognição humana é situada e contextual. Consiste em reconhecer as experiências prévias dos sujeitos e as novas práticas de interações em diferentes contextos para a concretização da aprendizagem. O conhecimento deve ser experenciado pelo aprendiz, isto é, realizado através de interações entre participantes por uso dos available designs

37 Originalmente: Situated Practice; Overt Instruction; Critical Framing; Transformed Practice.

38 Originalmente: is to attempt to find ways to extend existing traditions and practices of literacy pedagogy, rather than to pretend to be introducing yet another grand new literacy schema as people so often have done in the past. (Kalantzis; Cope, 2000, p. 240)

(gêneros, mídias, linguagens). Os aprendizes assumem diferentes papéis, fundamentos em suas vivências anteriores e constroem, através das affordances proporcionadas pelo mediador/professor ou pelos recursos, novos significados, novos saberes. Essa prática só será considerada construção de aprendizagem caso a zona de inteligibilidade e de segurança próxima às experiências dos aprendizes seja considerada o que Vygotsky nomeia de Zona de Desenvolvimento Proximal40. A prática situada deve considerar ainda as necessidades afetivas, sociais e os interesses individuais de cada aprendiz. Os autores afirmam que as pessoas só aprendem se estiverem motivadas a aprender e se o aprendizado for significativo.41

Conceitualização: Inclui esforços colaborativos do professor e do aprendiz. O aprendiz apropria-se da teoria e dos conceitos, tornando-se capaz de estabelecer uma relação entre seu conhecimento anterior e o conhecimento teórico. O aprendiz assume como objetivo o desenvolvimento de uma metalinguagem para descrever as formas de significado representadas pelos recursos disponíveis. Portanto, a metalinguagem vai tratar das linguagens dos elementos textuais, visuais, das interações, para descrever e interpretar a forma, o contexto e a função dos discursos de prática. De acordo com os autores, o objetivo é o reconhecimento e controle sobre o que está sendo aprendido - sobre as relações intersistemáticas do domínio que está sendo praticado42 (KALANTZIS; COPE, 2006a, p. 33).

Análise: capacidade crítica do aprendiz. O aprendiz assume um distanciamento necessário sobre o que aprendeu (instrução explícita), sendo possível criticar construtivamente, considerar a sua cultura local (prática situada), estender e aplicar criativamente e, eventualmente, inovar por si mesmo dentro de velhas e novas comunidades43 (ibid., p. 34). O aprendiz é capaz de questionar as razões e propósitos que estão subentendidas em uma ação ou sentido. Por exemplo, o aprendiz pode questionar e criticar a presença de um tipo de recurso em um texto, qual o propósito de utilizar este recurso, esta palavra, o que há por trás disso. Com relação aos multiletramentos, envolve análise crítica dos textos e um questionamento quanto aos interesses dos participantes no processo de comunicação.

40 “that an essential feature of learning is that it creates the zone of proximal development; that is, learning awakens a variety of internal developmental processes that are able to operate only when the child is interacting with people in his environment and in cooperation with his peers. Once these processes are internalized, they become part of the child’s independent developmental achievement” (Vygotsky, 1978, p.90)

41 The Situated Practice that constitutes the immersion aspect of pedagogy must crucially consider the affective and sociocultural needs and identities of all learners. (A pedagogy of multiliteracies, 2000, p. 33)

42 the goal here is conscious awareness and control over waht is being learned – over the intra-systematic relations of the domain being practiced. (KALANTZIS; COPE, 2006a, p. 33)

43 learners can gain the necessary personal and theoretical distance from what they have learned; constructively critique it; account for its cultural location; creatively extend and apply it; and eventually innovative on their own, within old communities and in new ones. (ibid., p. 34)

Aplicação: significa a aplicação dos conhecimentos e entendimentos em situações diversas no mundo real. Os aprendizes devem ser capazes de implementar os conhecimentos adquiridos, através da instrução explícita e o enquadramento crítico, em práticas que ajudem na aplicação e revisão desses conhecimentos. Os professores precisam desenvolver formas em que os alunos possam demonstrar como eles podem projetar e seguir em frente, de modo reflexivo, novas práticas embutidas em seus próprios objetivos e valores44. No caso de multiletramentos, significa produzir textos e utilizá-los nas ações comunicativas.

Essas dimensões são orientações pedagógicas ou processo de aprendizagem que envolvem uma variedade de tipos de atividade ou formas de engajamento. Cope e Kalantzis citam o termo utilizado por Luke, et al. (2003). Luke, et al., metaforicamente chamam de tecelagem “weavings”, que corresponde aos momentos em sala quando professores e alunos fazem conexões explícitas entre uma ou outra dimensão do conhecimento. Normalmente, tecelagem conecta algo familiar com um novo conteúdo curricular. Ao corresponder sua experiência ao conhecimento novo e aplicar este conhecimento de novas maneiras e em novos contextos, o aluno passa a entender como as coisas funcionam de forma crítica.

Os alunos descobrem os motivos, intenções ou propósitos e pontos de vista dos conceitos. Estes processos de conhecimento permitem também aos professores um repensar e um reconstruir suas práticas assumindo um papel de partícipe do conhecimento.

Documentos relacionados