• Nenhum resultado encontrado

Renata Fischer da Silveira Kroeff

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. Mestranda do PPG em Psicologia Social e Institucional, Bolsista CNPq.

kroeff.re@gmail.com

Carlos Alberto Baum da Silva

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. Doutorando do PPG em Psicologia Social e Institucional, Bolsista CNPq

Cleci Maraschin

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

Resumo - O trabalho discute a modalidade de jogos locativos como uma ferramenta para ampliar as condições de exploração e de aprendizagem em contextos educativos não formais. Os jogos locativos são jogos baseados em localização GPS e se efetuam na articulação entre espaços físicos e digitais. Em um primeiro momento apresenta-se uma discussão sobre as potencialidades desse tipo de jogos e a educação ampliada. A principal aposta do projeto é que o caráter híbrido das mídias locativas pode ampliar a potência de aprendizagem de projetos educativos. Em um segundo momento, discute-se como essas considerações teóricas podem ser apropriadas em contextos educativos não formais, no caso, o Parque Jardim Botânico de Porto Alegre, RS, Brasil. Por fim, as análises iniciais de uma oficina preparatória que facilita compreensão da tecnologia móvel e do sistema de localização por GPS. Destaca-se o uso de tecnologias de comunicação como elemento motivador da necessidade do desenvolvimento de um saber-fazer que permita uma articulação entre conhecimentos e habilidades no cotidiano.

Palavras-chave: videogame, jogos locativos, aprendizagem, oficinas.

Introdução

Os jogos digitais emergem como objeto de pesquisa dado à importância que assumem em nossa cultura. Eles configuram a imagem condensada das tecnologias de informação contemporânea nos quais textos, sons e imagens combinam-se e comunicam-se com os jogadores em um mesmo suporte.

A direção da pesquisa aponta para o desenvolvimento de ferramentas de análise entendendo que os jogos eletrônicos devem ser compreendidos a partir das práticas e dos significados atribuídos pelas pessoas que os constroem e os jogam. Faz-se necessário um modelo teórico e uma metodologia de pesquisa que leve em consideração a ação dos jogadores e dos criadores, podendo estes ser a mesma pessoa.

Com essa baliza, partimos de uma metodologia que envolve o desenvolvimento do jogo e acompanha a experiência dos jogadores em oficinas. Constituindo um ciclo análise, desenvolvimento, avaliação e (re)design. A estratégia de pesquisa-intervenção escolhida foi o uso de oficinas, evidênciando uma dimensão processual do aprendizado.

Este artigo discute a importância das coordenações das ações, que traduzimos aqui como apredizagem corporal, necessárias para a manipulação da tecnologia. As coordenações de ações possibilitam instaurar um acoplamento com as tecnologias, sendo portanto uma modalidade de cognição, que prioriza o saber-fazer (performativo) em relação a um saber sobre (declarativo).

Contextualização

O projeto de pesquisa a partir do qual esse texto é escrito concentra-se no desenvolvimento de um jogo locativo no Parque Jardim Botânico de Porto Alegre, RS, Brasil. A proposta de desenvolvimento do jogo insere-se na perspectiva de potencializar a interação dos jogadores com ambientes não formais de aprendizagem, podendo auxiliar processos educativos mais amplos.

O jogo é aqui compreendido como um sistema semiótico complexo que prioriza os elementos lúdicos e interativos (performance) em relação ao conteúdo didático (conhecimento declarativo). Desta forma, buscou-se utilizar de modo imersivo, elementos simplificados do Jardim Botânico, a fim de estimular a atenção dos jogadores através da ampliação dos efeitos de suas ações e a motivação por meio de atividades de coleta e plantio de sementes.

Os apontamentos aqui trazidos referem-se a primeira fase do projeto na qual buscou-se propiciar a aproximação com a tecnologia e dispositivos móveis. Foram produzidas oficinas para a compreensão da tecnologia móvel e do sistema de localização por GPS utilizando o software, Google Earth.

Jogos Locativos: relacionando espaços concretos e virtuais

A principal característica de jogos baseados em localização consiste no uso de dispositivos móveis e de localização, assim como a conexão entre espaços físicos e digitais. O jogo acontece ao mesmo tempo em um território geográfico e no espaço virtual. O espaço físico aparece em destaque, uma vez que as mecânicas do jogo são construídas especificamente para aquele local e os desafios só podem ser superados através do uso das informações fornecidas no espaço digital combinadas com as informações locais.

Silva e Delacruz (2006) sugerem que ao conectar o espaço físico e o espaço digital, tal modalidade de jogo pode tornar o aprendizado mais significativo distribuindo informações e conteúdos entre o físico, o digital e o conhecimento prévio do jogador. Durante o jogo, cada jogador descobre informações relevantes em uma ordenação diferente, de acordo com sua performance no jogo. Isso faz com que cada jogador apreenda a jogar através de uma experiência singular. Desta forma, os jogos locativos recolocam as possibilidades do espaço e reconfiguram constantemente condições de deslocamento. A partir dessa perspectiva, estes jogos, assim como outros jogos de videogame, mostram-se como tecnologia interessante para o estudo da cognição e da aprendizagem.

Squire (2006) propõe que os videogames possam ser entendidos como uma experiência projetada, um contexto ao invés de um texto. O design do jogo condiciona a experiência do jogador, mas não a determina. Nessas condições o importante é compreender que os modos de habitar esses espaços e que os mecanismos utilizados para criar sentidos produzem as significações, e não o inverso. As regras implícitas em um jogo definem, mas não determinam, as condições de possibilidade da experiência, configuram, antes, um território no qual se transita. Uma paisagem arquitetada, como um jardim labiríntico, que se revela em medida que é explorada. As regras do jogo definem o conjunto de ações possíveis sem determinar cada um dos comportamentos esperados. O designers do jogo criam um campo de possíveis, mas em última instancia, são os jogadores que decidem quais ações serão realizadas (Baum, 2012).

O Jogo: Um dia no Jardim Botânico

No jogo, os participantes devem coletar sementes pelo Jardim e plantá-las em regiões correspondentes a cada espécie, conforme está definido pelo zoneamento do próprio Jardim. A localização do jogador é determinada pelo Serviço de Localização do iOS e o aplicativo mostra um mapa ou imagens de satélite (à escolha do jogador) com a sua localização aproximada marcada como um ponto azul. No mapa o jogador vê imagens dos objetos com os quais pode interagir e quando se aproxima destes é emitido um sinal sonoro e surge um marcador na aba que permite a interação com o objeto. O jogo não tem um final determinado, pode continuar indefinidamente com o acúmulo de pontos, e é planejado para um compontente multijogador competitivo, com a comparação de pontos. É permitido, também, que os jogadores troquem sementes entre si, adicionando elementos de cooperação. Está sendo desenvolvido na plataforma ARIS.

Oficinas como metodologia de pesquisa

O corpus de análise advém de uma estratégia de pesquisa-intervenção com a proposição de oficinas a partir do jogo desenvolvido. A oficina é compreendida aqui como um dispositivo de pesquisa uma vez que ela nos permite acompanhar a processualidade que ocorre a partir de uma determinada configuração de elementos que atuam simultaneamente. Não limitando apenas à discussão do produto final (o resultado das partidas), mas incluindo seu processo de produção, um jogar com diferentes jogadores iniciantes e experientes. No desdobramento das atividades existe uma disposição de materialidades, ideias e sentimentos que podem ser percebidos, propostos e retomados a cada encontro. Os encontros não se definem unicamente pelas características dos objetos materiais que guiam o fazer de cada oficina – no caso, os videogames - mas também o modo como estão disponibilizados e a maneira como os participantes se dispõe à ação constituem um domínio que se delineia a cada momento. Toda a oficina é centrada no compartilhar, na ideia de um espaço em comum que permite o encontro dos participantes com um modo de organização específico (Araldi et al. 2012; Baum e Maraschin 2013).

Os participantes da pesquisa são crianças e adolescentes com idade entre 9 e 14 anos. Eles foram convidados a ingressar nas oficinas a partir do contato com uma ONG no bairro Partenon, em Porto Alegre, RS, Brasil.

Nos primeiros encontros, os oficineiros apresentaram o projeto, que se desenvolveu, inicialmente, com oficinas na ONG e, posteriormente, com visitas ao Parque Jardim Botânico para jogar o jogo. Desta forma, inicialmente, o grupo conversa a respeito de tecnologia locativa, tablets e sobre formas de representação de lugares através de mapas. Os participantes são convidados então a explorar o software Google Earth presente nos Tablets.

O Google Earth apresenta um modelo tridimensional do globo terrestre construído a partir de mosaico de imagens de satélite. Pode ser utilizado como gerador de mapas bidimensionais ou como simulador de diversas perspectivas visuais de espaços territoriais. Durante as primeiras oficinas, os oficineiros propõem desafios nos quais as crianças e adolescentes devem utilizar o Google Earth para encontrar a localização de sua residência, sua instituição de ensino, pontos turísticos da cidade, entre outros lugares. Estes encontros iniciais têm por objetivo a aproximação dos participantes com a tecnologia locativa, leitura de mapas e manuseio do sistema operacional dos Tablets.

Nas visitas ao Parque Jardim Botânico, as crianças e adolescentes são convidadas a jogar o jogo ‘Um Dia no Jardim Botânico’. Ao final de cada encontro, é realizada uma roda de conversa com os participantes sobre a experiência na oficina. O registro dos encontros é realizado através de gravações de áudio e video e da escrita de diários de campo pelos oficineiros. O material é compartilhado e discutido em grupo pelos oficineiros e grupo de pesquisa.

Análise dos Registros

As coordenações das ações, aqui traduzidas como apredizagem corporal, foram flagradas a partir dos registros das oficinas tomando como obseráveis o processo de apropriação tecnológica e a interação dos participantes com mapas, Tablets e tecnologia locativa.

A partir da Biologia do Conhecer, podemos pensar o conhecimento – e, logo, a aprendizagem – não como uma representação de informações provenientes de um mundo já dado, mas como uma performance corporal. Para Maturana e Varela (1997; 2004) a distinção entre máquinas e seres vivos remete as formas de organização dos mesmos. Um sistema vivo caracteriza-se por sua autonomia e dinamicidade, configurando-se a partir de um tipo de organização particular denominada organização autopoiética. Com isso, os autores apontavam para o entendimento de que os seres vivos (autopoiéticos) se “auto-produzem”, ao passo que as máquinas (alopoiéticas) são “produzidas por outros” (Maturana e Varela, 1997).

Cada organização autopoiética constitui-se como uma unidade composta pelo conjunto de componentes e relações que formam sua estrutura. A máquina autopoiética é concebida como um sistema estruturalmente fechado e as interações com o meio podem causar perturbações e desencadear mudanças de estrutura (Maturana e Varela, 1997). O efeito das pertubações não é determinado externamente, mas internamente pela estrutura e dinâmica do próprio organismo, sendo ‘o meio’ e o sujeito fontes um para o outro de múltiplas perturbações (Maturana e Varela, 2004).

Quando as pertubações e compensações adquirem um caráter recorrente ou estável, o resultado é uma história de mudanças estruturais mútuas e concordantes que chamamos de acoplamento

estrutural. Tal acoplamento não opera por causalidade, mas por implicação recíproca entre processos heterogêneos” (Maturana e Varela, 1997).

A estrutura dos seres vivos é plástica (maleável; moldável) e dinâmica e o viver um fluir dinâmico de mudanças estruturais; assim o organismo e meio se desenvolvem em acoplamento estrutural. A cognição é considerada como processo de constante transformação e criação de si e do mundo. No presente estudo, nosso foco recairá para as coordenações de açoes com o jogo locativo entendendo com Kastrup (1999) que a cognição é ação que conduz à modificação permanente da estrutura do organismo, pois o conhecimento é ação efetiva que permite ao ser vivo continuar sua existência na exata medida que constrói o mundo conhecido.

“Após a introdução inicial realizada pelas oficineiras sobre no que consistia o jogo, qual seu funcionamento e objetivos, as crianças começaram a caminhar com o Tablet em mãos tentando descobrir de que forma seu deslocamento afetava a representação no mapa do jogo apresentado no Tablet. Uma das meninas segurava o Tablet e apoiava-o contra o abdomem enquanto caminhava. Entretanto, ao segurá-lo contra si, sem intenção alguma acabava pressionando o botão de desligar a tela do Tablet. A tela então escurecia e já não era mais possível ver a imagem do mapa do jogo. A menina parava e mostrava para a oficineira a tela escurecida. Esta dinâmica se repetiu algumas vezes até que a oficineira percebeu a menina pressionava o botão de desligar a tela enquanto segurava o Tablet apoiado no corpo. Depois disso, a menina continuou a desligar a tela algumas vezes pelo mesmo motivo, mas logo após voltava a pressionar o botão para religar a tela do Tablet. As ocorrências foram gradualmente diminuindo, pois passou a haver uma tentativa de cuidado para que mesmo segurando o Tablet apoiado ao abdomem, o botão não fosse pressionado” (Diário de Campo, Nov. de 2013).

É possível perceber no trecho acima que a atenção da oficinante vai gradualmente expadindo- se e incluindo o tablet na ação de caminhar e explorar e espaço do jardim. A inclusão do tablet no campo de atenção, permite o desenvolvimento de um novo caminhar cuidando para não desligar o equipamento. É a partir dessa aprendizagem que a experiência do jogo locativo pode passar a fazer sentido, ela se apresenta como condição de possibilidade para o aprendizado declarativo relacionado ao jogo, como as plantas e regiões dispostas no Jardim botânico. As ações corpóreas e visuais constroem-se mutuamente.

A cognição corresponde a um movimento constante de permanente autoprodução, a um processo incessante que constituí sujeito e objeto (mundo) simultaneamente (Baum e Maraschin, 2011). O sujeito e a realidade se constituem continuamente a partir daquilo que o afeta ou lhe é relevante, sendo percebido como constituinte de seu mundo (Rocha e Kastrup, 2007). Francisco Varela (2004) denomina Enação este modo de entender a cognição, como um sistema que configura o mundo e que ao mesmo tempo se autoproduz a partir de uma perspectiva inventiva.

Nessa direção, aprender não significa um processo de acumulação de representações do meio. Mas um contínuo processo de transformação de si através de uma mudança contínua na capacidade cognitiva de enatua-lo Ao observar a interação das crianças e adolescentes com a tecnologia, verificou-se que houve diferença na apropriação da mesma entre os grupos de

participantes. Em um dos grupos a maioria das crianças e adolescentes demonstraram possuir conhecimento prévio do Google Earth, não apresentando dificuldades referentes a encontrar os recursos disponíveis no software. A câmera dos Tablets também foi utilizada com bastante facilidade para fotografar e gravar vídeos.

A partir do convívio prévio com os participantes é possível inferir que esses conhecimentos têm relação com o fato de que muitos dos participantes possuem celular smartphone com acesso a internet e quase a totalidade tem computador em casa. Desta forma, mesmo que alguns nunca tivessem manuseado um Tablet, a tecnologia digital lhes era familiar. Esse dado corrobora a firmação de Dunleavy, Dede, e Mitchell (2009) ao sugerir que os estudantes envolvem-se mais facilmente em tarefas que utilizam ferramentas semelhantes às do cotidiano para aprender. Enquanto que o uso continuará a ser motivador (independente do conteúdo) devido ao efeito de novidade que recoloca o uso da tecnologia em uma nova prática. As oficinas, portanto, podem ser uma oportunidade para um primeiro contato com a tecnologia móvel e o sistema de localização, bem como uma reconfiguração ou refinamento desse conhecimento.

Navegar por um espaço não se dá simplesmente através de sua representação adequada. É preciso coordenar a ação com objetos técnicos como mapas e GPS. Esses objetos recolocam as possibilidades do espaço e reconfiguram constantemente as condições do deslocamento. O que os resultados iniciais sugerem é a necessidade da construção de um corpo que possa ser afetado pela tecnologia de um modo que o espaço de deslocamento seja construído nesse agenciamento. Por exemplo, uma das dificuldades encontradas na oficina pelos jogadores esteve relacionada a necessidade de aprendizagem de movimentos corporais específicos para a utilização dos dispositivos móveis, principalmente, no que se refere a manusear os mapas do Google Earth com o sistema de Touch Screen (tela sensível ao toque). Alguns participantes apresentaram bom conhecimento a respeito de leitura de mapas e das funcionalidades do software, mas quando buscavam aproximar ou afastar a imagem através do toque na tela do Tablet, provocavam movimentos da imagem mais intensos que o esperado ou mesmo a rotação da imagem na tela, perdendo referências com os pontos cardeais estabelecidas anteriormente.

Pozzana (2009) a partir de leituras do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty estabelece relações entre a noção de ‘corpo’ presente na obra do autor com a teoria desenvolvida por Francisco Varela no âmbito das ciências da cognição. Para Merleau-Ponty a percepção é uma atividade que acontece segundo uma certa disposição corporal: uma íntima implicação corpo-alma-mundo. O corpo é abertura ao mundo e um centro de ação. Nas palavras de Merleau-Ponty (1999) ‘O homem está no mundo, é no mundo que ele se conhece’.

Para Varela (2004; Varela et al. 1992) o conhecimento é da ordem da ação, de uma ação corporificada. O corpo em ação conhece e o conhecimento faz corpo, num movimento circular e criador (Fonseca et al, 2012). Segundo Pozzana (2009, pg 78), ‘o termo corporificado é tomado por Varela na pontuação de que: 1) a cognição depende de um corpo com diversas capacidades sensório-motoras; 2) tais capacidades são atreladas ao contexto biológico e cultural.’

Portanto, a percepção não seria uma captura de um mundo externo mas uma ação virtual. Desta forma, ‘a enação é um tipo de ação guiada por processos sensoriais locais, estando relacionada a

uma “cognição corporificada, encarnada, (...) resultante de experiências que não se inscrevem na mente, mas no corpo’ (Kastrup 1999, pg 132). Tal como podemos perceber no seguinte trecho:

“O desafio de encontrar a ONG, suas casas e sua escola tornou-se uma divertida ‘caminhada’ pelo bairro. A explicação de Rafael12 de como encontrou a ONG e os demais pontos, foi muito interessante. Custou, mas o menino conseguiu, e a voluntária que estava ali o ajudou. Ele conseguiu encontrar uma rua de referência, e sua explicação foi como se ele estivesse caminhando pelas ruas: ‘primeiro eu encontrei esse lugar, depois caminhei até aqui, aí encontrei a ONG. Depois andei por aqui e encontrei minha casa. Ah, essa casa é do Thiaguinho, ele está no outro grupo.’” (Diário de campo, Out de 2013).

A capacidade para ação não se dá pela extração visual de características do meio, o que a situação anterior sugere é que a cognição deve ser entendida como uma ação corporalizada. Ou seja, os processos sensório-motores são inseparáveis da cognição vivida, e a própria experiência surge de um corpo com esses processos.

Nessa perspectiva, o conhecimento é o resultado de uma contínua interpretação que emerge, ou se destaca, de um fundo ou campo de entendimento, esse, por sua vez, enraizado nas estruturas de nossa corporalidade biológica, mas vivido e experienciado dentro de um domínio de ações consensuais. Todas as ações são realizadas em relação a esse domínio, e só ganham sentido em relação a ele. E é desse modo que para Rafael localizar-se precisou retomar a experiencia corporal de caminhar pelo bairro. Seu conhecimento não poderia ser descrito apenas através do nome de ruas e distancias percorridas, mas relacionava-se com toda a relação sensório-motora de percorrer o bairro. O êxito de uma ação dependeu, nesse caso, das competências motoras adquiridas.

O uso da tecnologia nas oficinas permitiu o estabelecimento dessas performances em um fundo consensual acerca do modo de funcionamento do ambiente. A experiência com o mapa retoma experiências anteriores de trânsito no bairro e permite o compartilhamento e a reconfiguração dessas experiências. Esse domínio não é nem subjetivo, ou seja, não pertence a um sujeito em particular, tampouco é objetivo, independente do sujeito (Baum, 2012). Isso se explica facilmente quando relembramos que o estado atual do organismo específica o domínio de perturbações. O sujeito não existe em um espaço externo independente dele. O histórico de acoplamentos gera um espaço continuamente mutante de perturbações que selecionarão seus estados (Maturana e Varela, 2004).

Conclusões

A partir da experiência com o jogo locativo foi possível a criação de uma conexão, entre o concreto (espaço físico) e o virtual. A oficina amplia essa experiência ao constituir um terceiro plano, o do coletivo. Assim temos três planos que se conectam: concreto do território, o virtual no Ipad e o