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Challenges Game: um jogo dinamizador do processo de ensino Ricardo Monteiro

Universidade de Aveiro ricardommonteiro@ua.pt Helena Barbosa Universidade de Aveiro helenab@ua.pt

Resumo - O jogo enquanto recurso de mediação do processo de ensino e aprendizagem possibilita uma diversidade de estratégias que permitem estimular a criatividade e a motivação nos alunos e professores. O jogo aqui designado por “Challenges Game” surge pela inexistência de jogos com uma flexibilidade que possibilitem ao professor explorar áreas/temáticas diferentes, fomentem o processo colaborativo no ensino e estimulem o pensamento crítico e criativo. A sua aplicabilidade ocorreu através da ação didática e pedagógica numa turma do Curso Profissional de Técnicos de Design, assumindo- se como recurso dinamizador do trabalho final do módulo de Madeiras e Derivados. Foi com base nas reflexões realizadas sobre os registos com os principais acontecimentos das atuações dos alunos nas aulas provenientes da ação do jogo e da análise dos trabalhos que resultaram do mesmo, que se conseguiram reunir dados relevantes para as conclusões finais. Demonstrou-se assim a sua eficácia enquanto recurso promotor de estratégias de ensino que fomentam o trabalho colaborativo, potenciam a criatividade e a motivação nos alunos. Contudo, ambiciona-se a sua aplicação noutros contextos educativos e com outros intervenientes, como forma de verificação deste “modelo” na exploração de diversas temáticas.

Palavras-chave: Jogo; Processo Criativo; Motivação.

Contextualização do estudo

O jogo enquanto recurso dinamizador do processo de ensino e de aprendizagem assume atualmente, pelas suas características, um papel relevante nas práticas de ensino em contexto de sala de aula. Apesar de este se encontrar associado à brincadeira, ao lazer, ao lúdico, são vários os estudos que mencionam uma perspetiva mais formal da sua ação.

Segundo Fittipaldi (2007), o jogo em contexto educativo assume principal importância, enquanto agente dinamizador, quando possibilita ao aluno

“desempenhar um papel ativo, levando-o a pensar num determinado problema; ativar os conhecimentos já adquiridos; levantar hipóteses e colocá-las à prova; confrontar ideias, comparar diferentes formas de resolver o problema; e (re)significar conceitos” (Fittipaldi, 2007: 55).

O professor assume assim o papel de orientador da aprendizagem e ao aluno é-lhe conferido um papel não só ativo como interativo, passando para o jogo uma importância na promoção de

“mudanças nas formas de pensar, sentir e agir” (Fittipaldi, 2007: 48).

Por outro lado, o mesmo autor confere ao jogo importante relevância no sentido em que permite ao professor

“apreender a lógica do raciocínio do aluno; identificar e analisar o que levou o aluno a acertar ou a errar; verificar como o aluno faz para resolver problemas; identificar que habilidades o aluno já possui; identificar quais os conceitos que já adquiriu; e repensar a ação docente” (Fittipaldi, 2007: 56).

Observações realizadas através da disciplina Práticas de Ensino Supervisionadas (PES), no âmbito do programa de mestrado em ensino de artes visuais, permitiram encontrar um conjunto de anotações onde se verificavam, por parte dos alunos, alguma desorientação no desenvolvimento das propostas de trabalho, passividade e dificuldade na gestão das atividades de grupo, falta de criatividade, motivação e empenho na realização das tarefas em sala de aula.

Foi propósito da investigação conceber, implementar e analisar uma ação didática suportada por um recurso específico – o jogo “Challenges Game”8, e assim encontrar um dinamizador do processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, apresenta-se uma metodologia centrada na investigação-ação, permitindo um papel ativo por parte do investigador e reformulações ao longo do estudo. Este representa um processo construtivo que se inicia com a observação e se desenvolve com a exploração do jogo enquanto proposta de trabalho. As reflexões foram sustentadas nas observações efetuadas ao longo das aulas, nas atitudes e comportamentos dos alunos e nos resultados práticos alcançados. Para esse efeito foram utilizados como instrumentos de recolha de dados as anotações realizadas ao longo da prática educativa, testemunhos dos alunos aquando da aplicação do jogo e os trabalhos que resultaram de todas as etapas do mesmo.

Neste seguimento, foram sujeitos participantes neste estudo os alunos do 10.º ano do Curso Profissional de Técnicos de Design de uma escola secundária de Vila Nova de Gaia, através da disciplina de Materiais e Tecnologias. A turma era composta por dezassete alunos (oito do sexo masculino e nove do sexo feminino) em que o nível etário se situava entre os catorze e os dezoito anos. Nesta turma foram desenvolvidas todas as atividades que posteriormente serviram de análise e de reflexão.

A função educativa do jogo

Vários estudos apresentam uma perspetiva mais formal da atividade - jogo em contexto educativo, apesar de este se encontrar muitas vezes ligado ao lazer e ao lúdico. Miranda (2002) questiona

“se a educação se processa por meio do permanente ato de reorganizar e reconstruir nossas experiências, por que hoje ainda atribuímos um valor ainda insuficiente ao lúdico, que consiste em experimentar com prazer e alegria?” (Miranda, 2002:22).

Considere-se este, um dos principais desafios do presente estudo: proporcionar aos alunos um ambiente de aprendizagem promotor de experiências que valorizem o aspeto lúdico enquanto

8 O jogo “Challenges Game” surge no âmbito de uma experiência educativa, sendo concebido especificamente

processo de ensino. Segundo Miranda (2002), “a atividade lúdica é, essencialmente, um grande laboratório onde ocorrem experiências inteligentes e reflexivas” (2002:22).

A análise de diferentes definições que vários autores atribuem ao jogo revela principal relevância para a conceção do jogo “Challenges Game”, uma vez que foi fundamental assumir o compromisso de proporcionar aos jogadores (alunos) uma atividade livre e desafiante, definida por regras e enquadrada num determinado espaço e tempo. De salientar algumas considerações, através das quais, diferentes autores procuram definir jogo. Huizinga (2000), descreve como uma atividade voluntária, enaltecendo-o para uma esfera temporária de atividade com orientação própria, limitado pelo tempo e pelo espaço, podendo ser replicado, estabelece ordens e regras absolutas. Por sua vez, Mota (2009) cita Fetcher (s/d), que realça a necessidade de existirem jogadores, os quais obrigatoriamente terão de seguir as regras, os resultados possíveis são conhecidos e cada jogador tem os recursos necessários para os atingir, existindo um sistema de informação. Alves (2010) aborda outra perspetiva, referindo-se ao jogo segundo Gadamer (2007), que destaca a sua imprevisibilidade, exigindo dinâmicas construtivas, em que o resultado não é produto final advindo da aplicação de uma técnica sobre algo e, por fim, o motor principal do jogo reside na própria interação entre elementos.

Nesse sentido, através do jogo não se pretendeu realizar uma atividade imposta, todo o processo foi evolutivo e todos os alunos aceitaram participar no jogo enquanto proposta de trabalho da disciplina. Procurou-se clarificar todas as regras, assim como a definição de todas as práticas, quer em termos espaciais, quer temporais. Pretendeu-se responsabilizar e promover o empenho dos alunos através de recursos que incutiram a organização e fomentaram a responsabilização. Por outro lado, as práticas didáticas que assumem um carácter rotineiro podem, por vezes, não ser as mais eficazes, procurando-se na atividade jogo, a sua condição imprevisível, construtiva e interativa, proporcionando situações que promovem de forma mais vincada a criatividade.

O jogo assume assim, neste estudo, maior relevância enquanto instrumento dinamizador do processo de ensino, possibilitando ao aluno: o instinto competitivo; um motor libertador de energia; a capacidade de resolução de problemas; a aquisição de competências culturais; trabalhar emoções e comportamentos; uma forma de sociabilizar; e o favorecimento no crescimento e no desenvolvimento.

Importa destacar o papel do jogo enquanto motor que permite ao aluno

“desempenhar um papel ativo, levando-o a pensar num determinado problema; ativar os conhecimentos já adquiridos; levantar hipóteses e colocá-las à prova; confrontar ideias, comparar diferentes formas de resolver o problema; e resignificar conceitos”. (Fittipaldi, 2007:55)

Por outro lado, também para o professor, o jogo apresenta-se como um instrumento relevante, no sentido em que permite

“apreender a lógica do raciocínio do aluno; identificar e analisar o que levou o aluno a acertar ou a errar; verificar como o aluno faz para resolver problemas; identificar que habilidades o

aluno já possui; identificar quais os conceitos que já adquiriu; e repensar a ação docente”. (Fittipaldi, 2007:56)

Não sendo fundamental a categorização do jogo “Challenges Game”, de referir que se pretende que se aproxime conceptualmente dos “jogos pedagógicos”, pelo seu carácter didático, procurando que motive os alunos para a aprendizagem e para a sua participação na construção do saber, importância sublinhada por Mota (2009).

Grando (2000), por sua vez, realça para a importância da consciencialização dos procedimentos fundamentais para a utilização do jogo em contexto de sala de aulas. Através da tabela 1 descrevem-se, de forma ordenada, todos os momentos que compõem a ação do jogo e que foram contemplados para a dinamização do jogo apresentado.

Momento de jogo Descrição dos momentos de jogo

1º Familiarização com o material do jogo;

Apresentação do jogo pelo orientador da ação (professor). Contacto e identificação dos materiais que compõem o jogo pelos jogadores (alunos).

2º Reconhecimento das regras;

Explicação do jogo pelo orientador da ação. Leitura das regras.

Simulação de jogadas.

3º O “Jogo pelo jogo”; Momento do jogo pelo jogo, em que se possibilita ao aluno jogar para garantir a compreensão das regras.

4º Intervenção pedagógica verbal;

Os jogadores passam a jogar com a intervenção verbal do orientador da ação. Pretende-se provocar os jogadores, através de perguntas e observações realizadas pelo orientador da ação. Neste momento importa analisar os procedimentos das jogadas.

5º Registo do jogo;

Criar formas de registo é fundamental para que as ações possam ser analisadas, refletidas e verificadas. Estas podem ocorrer dependendo do tipo de jogo. É uma forma de sistematização e formalização dos procedimentos.

6º Intervenção escrita

Os jogadores, ao escreverem as situações-problema, possibilitam um aperfeiçoamento das suas formas de jogar, permitindo melhorar o seu desempenho.

7º Jogar com competência

É muito importante que o jogador após a análise, a reflexão e o registo, retorne à ação do jogo de modo a executar muitas das estratégias encontradas na resolução de problemas.

Tabela 1. Momentos de jogo (Grando, 2000).

Considerou-se também fundamental para a conceção e implementação do jogo “Challenges Game” o conhecimento das vantagens e desvantagens na dinamização de jogos. Apesar destas não serem consequência umas das outras, ou seja, poderem acontecer em simultâneo, a sua consciencialização revelou-se fundamental para que na ação do jogo os riscos da sua aplicabilidade fossem os mais reduzidos. Grando (2000) salientou como vantagens: a memorização de conceitos com motivação por parte do aluno; a possibilidade de desenvolvimento de conceitos com um nível de compreensão mais exigente; a implementação de estratégias diferentes de resolução de problemas; a promoção da autonomia e a autoavaliação; o fomento da interdisciplinaridade; o incentivo à participação ativa do aluno na construção do autoconhecimento; a incrementação da socialização e do trabalho colaborativo; o jogo por si poder ser um fator de motivação; favorecer a

criatividade, pensamento crítico, a competição, a participação e o prazer de aprender; poder complementar na recuperação de alunos com níveis de aprendizagem diferentes; permitir ao professor identificar, diagnosticar e verificar possíveis dificuldades de aprendizagem nos alunos (Grando, 2000:35). Relativamente às desvantagens, a mesma autora destaca: a deficiente utilização do jogo na sala de aula que poderá levar o aluno a não compreender o objetivo da prática e ficar motivado apenas pelo jogo; o tempo utilizado na dinamização pode absorver tempo previamente destinado a outros conteúdos; a ideia de que todos os conteúdos devem ser ensinados através do jogo pode levar ao exagero da prática; as interferências constantes na dinâmica do jogo poderão levar à perda do seu sentido lúdico; a exigência, por parte do professor, que o aluno jogue, destruindo a voluntariedade natural do jogo; a escassez de material de apoio para o uso do jogo no ensino (Grando, 2000:35).

Também outros procedimentos se impõem para que se evitem surpresas desagradáveis na dinamização da atividade, como: testar o jogo antes de o aplicar junto dos alunos; realizar uma apresentação do jogo aos alunos, assim como dos conteúdos presentes nele; efetuar a verificação das regras, devendo ser o mínimo complexas; preparar algumas atividades que estejam relacionadas com os conteúdos desenvolvidos nos jogos; e criar uma pontuação, uma vez que dará um sentido de competição ao jogo (Fialho, 2008:12301).

A partir dos pressupostos enunciados procurou-se valorizar o potencial do jogo no contexto do ensino. Para o efeito, o jogo “Challenges Game” é um recurso dinamizador do processo criativo em ambientes de aprendizagem. As suas características conferem ao professor a possibilidade de criar um conjunto de temas tendo como suporte os conteúdos predefinidos para a disciplina, e aos alunos cabe-lhes a tarefa de pesquisar, refletir e desenvolver diferentes resoluções.

Prática de Ensino: para a aplicação do jogo "Challenges Game"

A ação pedagógica deste estudo assenta em estratégias que promovem a criatividade, considerando que o seu estímulo conduz a uma consolidação da mesma. De realçar o gozo implícito ao ato de jogar, assumindo-se como um impulsionador da criatividade, devendo ser também assumido pelos professores em contexto de aprendizagem. Segundo Tschimmel (2010), “o pensamento criativo pode ser desenvolvido e treinado, tal como os restantes músculos do corpo”. Considera-se fundamental explorar novos temas, desenvolver o pensamento crítico, não classificar ao longo do processo como certo ou errado as tarefas dos alunos. O erro opera como um fator motivador para ultrapassar possíveis obstáculos. Paralelamente, o carácter subjetivo presente no desenvolvimento dos temas para o jogo e o trabalho colaborativo assumiu-se como um impulsionador da criatividade, incutindo assim também a troca de ideias, a entreajuda, e valores como o respeito e a compreensão. Acreditou-se no poder questionador nos alunos, e esse foi um dos propulsores da autonomia e da motivação.

O plano de trabalho foi elaborado sobre o programa da disciplina de Materiais e Tecnologias, mais especificamente o módulo 4 – Madeiras e Derivados, com uma duração prevista de seis semanas. Como estratégias de ensino e aprendizagem foram contempladas demonstrações realizadas pelo professor, explicações através do diálogo com os alunos e com a ajuda de figuras e/ou imagens,

realização de fichas de trabalho para identificação e caracterização de materiais e processos e dinamização do jogo “Challenges Game” como proposta de trabalho final.

Para a compreensão do cumprimento da planificação predefinida descreve-se de forma sucinta, através da tabela 2, as 6 aulas realizadas. De salientar que cada aula se refere a um conjunto de cinco sessões de 45 minutos, com exceção da aula VI que contemplou apenas duas sessões de 45 minutos.

Aula Atividades

aula I

Contextualizou-se o módulo.

Abordou-se os conteúdos, objetivos e competências do módulo. Introduziu-se a temática em estudo – Madeiras e Derivados.

aula II Iniciou-se com uma breve revisão.

Desenvolveu-se a temática em estudo – Ferramentas de utilização sobre madeiras.

aula III Sucedeu-se o início da dinamização do jogo “Challenges Game”.

aula IV Seguiu-se a dinâmica de jogo desenvolvendo-se como previsto nas instruções.

aula V Realizou-se o ponto de situação.

Os alunos encontravam-se numa fase final do jogo.

aula VI Finalizou-se o jogo com as apresentações/defesas das resoluções aos desafios.

Tabela 2. Descrição das aulas.

Não basta realizar um jogo para que os alunos aprendam ou consolidem conteúdos programáticos. O professor pode utilizar um jogo, mas este tem de ser selecionado e aplicado de forma a atrair e sensibilizar os alunos, cabendo ao docente dinamizá-lo e conduzi-lo para que se produzam os resultados pretendidos.

Importa descrever os principais objetivos do jogo “Challenges Game”:  assumir um papel orientador do ensino e das aprendizagens;  dinamizar o processo criativo nos alunos e professores;

 proporcionar uma participação ativa e colaborativa de todos os intervenientes na aula. A sua aplicabilidade depende da participação e empenho de todos. Ao professor exige-se a capacidade de selecionar os temas e orientar os alunos na exploração e desenvolvimento das resoluções; aos alunos o compromisso de encarar os temas como propostas desafiantes e apresentarem uma postura dinâmica, colaborativa e de agentes criativos. No “Challenges Game” é essencial que todos assumam a premissa que o resultado final não é o propósito, será sim uma consequência de todo o processo realizado ao longo do jogo.

O jogo é composto por uma folha de registo dos temas; folha de calendarização; trinta e seis cartas (figura 1); dois dados (figura 2); folhas de registo individual e de grupo; e folha de pontuação.

Figura 1. Cartas do jogo “Challenges Game”.

Figura 2. Dados do jogo.

A dinâmica do jogo encontra-se assente num conjunto de instruções (tabela 3) que definem os procedimentos para o desenvolvimento do jogo.

O jogo encontra-se dividido em duas partes, uma primeira com cariz teórico, cabendo ao professor desenvolvê-la e adequá-la aos propósitos do jogo e uma segunda parte direcionada ao aluno, mais reflexiva e prática.