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AS PIADAS DE LOIRA: CLAREANDO AS IDEIAS

2.1 Apresentação do corpus

Inicialmente, fizemos um levantamento de centenas de piadas de loira. Para isso, utilizamos como principal ferramenta de pesquisa a internet. É óbvio que não foi feito um levantamento de “todas” as piadas sobre loiras. O que se procurou fazer, de fato, foi buscar amostras significativas dessas piadas, de modo que fosse possível compreender os traços dominantes da representação da mulher (loira) no domínio humorístico. Ou seja, priorizamos a relevância, a qualidade, e não a quantidade dos dados.

Ressaltamos também que o corpus inclui várias piadas que podem ser consideradas grosseiras. Essa característica mostrou-se produtiva no que diz respeito à análise da representação da loira – além de confirmar a tese de que as piadas veiculam discursos reprimidos (FREUD, 1905:1996). Por isso, privilegiaram-se, muitas vezes, piadas desse tipo, em detrimento de outras mais “bem comportadas”.

As piadas analisadas neste trabalho circulam em sites de humor, tais como

Humor Tadela, Piadas.com.br, Envie Alegria, Piadas Online6, entre outros. Também foram consultadas coletâneas de piadas como, por exemplo, Duas mil adivinhas do Brasil (São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2000), organizada por Luís Henrique Correa e Piadas

Oxigenadas: as melhores e mais inteligentes das loiras (São Paulo: Matrix, 2008),

organizada por Paulo Tadeu. Constatou-se que todas as piadas sobre loiras veiculadas no meio impresso podem ser encontradas na internet.

Ainda sobre a circulação desse material, ressalta-se que ele circula em vários

países – inclusive naqueles nos quais a maioria das mulheres é loira. Observou-se que, na

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http://www.humortadela.com.br; http://www.piadas.com.br; http://www.enviealegria.com.br; http://www.piadasonline.com.br.

maior parte das vezes, trata-se de versões da “mesma” piada, em diferentes línguas. A título de exemplo, considere-se a piada abaixo, veiculada em um site de língua alemã7:

Wie nennt man eine Blondine an der Uni?

Putzfrau!8

Em português, tem-se a seguinte piada “correspondente”:

Como se chama uma loira em uma instituição de cientistas?

Visitante.

Tanto na piada em alemão quanto na “versão” em língua portuguesa, a loira é representada como não sendo intelectualmente capaz de ocupar posições como a de aluna universitária ou a de cientista – posições cujo imaginário está frequentemente associado à inteligência. Dessa forma, ela só entraria em uma universidade para trabalhar como faxineira (profissão que não requereria muito estudo) do estabelecimento de ensino ou, em uma reunião de cientistas, como visita.

No que se refere aos temas, pode-se dividir as piadas de loira em dois grandes grupos:

GRUPO A GRUPO B

Piadas que tematizam uma suposta falta

de inteligência da loira.

Piadas que têm por tema a disponibilidade

sexual que essas mulheres teriam.

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http://witze.net

8

Como se chama uma loira na universidade?Faxineira. Agradecemos a Dörthe Uphoff pela gentileza em

Essa estereotipia – ser muito parva e ser altamente promíscua – pode ser considerada uma regularidade, já que, em todas as piadas, ou a loira é burra ou é “fácil” – ou ainda, é burra e é “fácil”(um exemplo é a piada analisada na sessão 1.3: Por que a loira

só transa com anões? Porque, depois que ela ficou sabendo da Aids, começou a reduzir os parceiros). A fim de exemplificar o grupo “A” (em que a loira está representada como não

sendo inteligente), será analisada a seguinte piada:

Que reflexo!

Um bebê cai da janela de um prédio. Uma loira que ia passando pela calçada vê a criança caindo e, imediatamente, sai correndo e coloca-se bem debaixo do bebê, a tempo de ampará-lo em seus braços, conseguindo assim salvar a criança. A loira é aplaudida por todos que assistiram à cena. Um senhor não se contém e a elogia: “Puxa, parabéns! Que reflexo maravilhoso!”. E a loira: “Gostou? É Wellaton!”.

“Gostou? É Wellaton!” é o gatilho da piada. O leitor/ouvinte surpreende-se ao perceber um outro sentido possível para a palavra “reflexo”: a loira pensou que o homem estava elogiando o reflexo das suas madeixas (“Wellaton” designa uma marca de tintura capilar), quando, na verdade, ele se referia à reação que possibilitou salvar o bebê. Com efeito, a ambiguidade da palavra em questão permite a transposição do script (RASKIN, 1985) que se pode chamar SALVAMENTO para o outro, o NÃO-SALVAMENTO, que está relacionado aos cuidados com os cabelos (sobre a transposição de scripts, ver a sessão 1.2). Entretanto, apesar dessa possível ambiguidade, a situação em que o elogio é enunciado não deixa dúvida a respeito de que “Que reflexo maravilhoso!” é uma referência à reação corporal que a loira teve. É um exagero supor que alguém seja capaz de pensar que o homem está elogiando a tonalidade dos cabelos numa situação dessas. Mas a loira é capaz! Assim, a piada veicula o estereótipo de que essa mulher é (muito) parva. De fato, como já observamos (cf. capítulo 1), na grande maioria das piadas em que é estereotipada

como não sendo nada inteligente, a loira não interpreta o sentido mais relacionado (pragmaticamente) com a situação em que uma certa palavra ou expressão é enunciada. Ou seja, seu funcionamento é geralmente muito semelhante ao que descrevemos com relação à piada Que reflexo!

Vejamos, agora, um exemplo de piada pertencente ao grupo “B”, isto é, que tematize uma suposta disponibilidade sexual:

Por que os caixões das loiras têm forma de “y”?

Porque, sempre que elas se deitam, suas pernas se abrem.

Nessa piada, o gesto “abrir de pernas” representa, metonimicamente, o ato sexual: sempre que as loiras se deitam, suas pernas se abrem. Sempre, mesmo depois de mortas (o que pode ser inferido devido ao fato de a pergunta incidir sobre o formato de caixões). O advérbio em questão reforça, portanto, o efeito de exagero (sobre esse recurso, ver o capítulo 1). Desta forma, as loiras são retratadas como se tivessem uma certa

tendência ninfomaníaca, que, inclusive, seria natural a elas. Tão natural, que fazer sexo,

para essas mulheres, chegaria a ser algo automático, mecânico9 – daí que suas pernas continuassem a se abrir mecanicamente quando elas estivessem mortas.

Nesta sessão, afirmamos, com base na amostra analisada, que a loira é sempre representada, nas piadas, como uma mulher sexualmente disponível e/ou como uma mulher sem inteligência. Nesse sentido, é interessante que ela não tenha sido estereotipada, por exemplo, como orgulhosa (afinal, é considerada um símbolo de beleza e sensualidade). De fato, não é à toa que a inteligência da loira e/ou sua sexualidade foram os aspectos escolhidos para serem ridicularizados – e não outros. Há um motivo para a veiculação de

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Evidentemente, é um absurdo achar que a mulher ninfomaníaca tem relações sexuais “o tempo todo”. Tal interpretação é exagerada – e é justamente com base nessa interpretação que funciona o estereótipo segundo o qual, nas piadas de loira, a mulher seria sexualmente disponível. O exagero na representação da loira como ninfomaníaca será discutido na sessão 2.4.1 deste trabalho.

um determinado estereótipo, assim como a circulação de um discurso hostil visa a um propósito (cf. FREUD, 1905:1996).

Compreender a estereotipia nas piadas de loira é o objetivo das próximas sessões. Tal estudo é imprescindível para que se possa entender como e por que a loira está representada nesses textos, pois, conforme enfatizam Amossy & Pierrot (2001, p. 39), o estereótipo é “una creencia, una opinión, una representación relativa a un grupo y sus miembros (...) es la imagem colectiva que circula”.