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Como o posicionamento feminista vê a mulher

3.5 Porque eu sou é homem Os lugares comuns sobre o homem atual

(...) esses enunciados têm um “direito” e um “avesso” indissociáveis: deve-se decifrá-los sobre seu “direito” (relacionando-os a sua própria formação discursiva), mas também sobre seu “avesso”, na medida em que estão voltados para a rejeição do discurso de seu Outro.

(Dominique Maingueneau, “Gênese dos Discursos”).

Em uma discussão a respeito dos reflexos e dos impactos gerados pelo machismo sobre o homem contemporâneo, Nolasco (1995) chama a atenção para o fato de as principais referências para a construção do modelo de comportamento dos homens ainda serem o trabalho e o desempenho sexual: “A mesma expectativa de positividade de desempenho pode ser observada nos domínios profissional e sexual”, compara (NOLASCO, 1995, p. 67).

Para os homens, o trabalho teria, nas palavras do autor, uma espécie de “dimensão cartográfica”, já que definiria a linha divisória entre o espaço público e o espaço privado. Além disso, teria também uma dupla função para a vida masculina: seria o eixo por meio do qual se estruturariam seu modo de agir e de pensar e inscreveria sua subjetividade no campo da disciplina, do método e da violência. Nesse sentido, o autor observa que, para reafirmar sua postura soberana, é comum que os homens adotem atitudes agressivas e até mesmo violentas63:

Pela maneira como os homens expressam, no trabalho, os jogos de poder, percebemos que a tensão é gerada tanto pela competitividade quanto pelo desejo de serem reconhecidos como os primeiros. A premissa de que vivem prestes a ser atacados faz com que adotem comportamentos defensivos, deslocando esta ameaça para situações competitivas vividas no trabalho (...) A violência move e

63

Comparando tais atitudes violentas àquelas praticadas em guerras, o autor faz uma interessante observação a respeito dos termos utilizados para referir-se ao ato de trabalhar: “Para os homens, a linguagem do trabalho tem sido a linguagem das guerras e da expressão da soberania, utilizada para minimizar o sentimento de fragilidade e impotência que sentem diante da finitude da vida. ‘Lutar’, ‘vencer’, ‘batalhar’ são termos comumente usados para referirem ao trabalho, contextualizando-os no panorama de pequenas guerras, ações violentas e massificantes” (ibid., p. 63).

sustenta a balança de poder entre os homens, na medida em que funciona como dispositivo para reverter ou manter determinada correlação de forças que lhes é solicitada socialmente. O apelo é para que ocupem posições de prestígio e nelas sejam soberanos. (ibid, p. 60-61)

O trabalho define a primeira marca de masculinidade, conforme bem observa Nolasco, que ressalta o status de independência financeira que a atividade profissional confere ao homem. Desde pequenos, os garotos crescem assimilando a ideia de que, por meio do trabalho, serão reconhecidos como homens. Inclusive, o fio condutor para o sucesso, conforme assevera o autor, seria a preparação para o trabalho e também para a

iniciação sexual. No que diz respeito a essa última área, é também desde cedo que os

meninos convivem com o discurso da incitação sexual: espera-se que tenham muitas

namoradas, iniciem o mais precocemente possível a vida sexual e sejam ótimos amantes.

Por outro lado, com relação às mulheres, as características esperadas são: a passividade, a

submissão e a quietude. Tal diferenciação de papéis é realçada o tempo todo, seja pela

família, seja pela escola, enfim, por toda a sociedade:

O cotidiano dos meninos está permeado por observações tais como: “isto é brinquedo de menina”, “menino não chora”, “menino não abraça nem beija outro menino, só os maricas”, “você transou com ela? Não? É muito bobo!”, “você é um medroso, parece mulher”. Enfim, uma gama de afirmações (...) fará crer aos meninos que existe um homem viril, corajoso, esperto, conquistador, forte, imune a fragilidades, inseguranças e angústias. (ibid., p. 42)

Mantendo o paralelo entre o trabalho e o campo sexual, Nolasco observa ainda que a necessidade de dominação, de ascendência e de controle de um sobre o outro é um parâmetro em ambas as áreas: “Ativo-passivo, patrão-empregado, homem-mulher são percebidos e apreendidos pelos homens como pares de opostos, muito mais do que expressão de dinâmicas subjetivas e culturais” (ibid., p. 67). Dessa forma, no que diz respeito ao campo sexual, observa que os homens limitam seu prazer a dominar e a

subjugar, “reproduzindo no âmbito privado o que se passa na esfera pública” (ibid., p. 71).

É lugar comum, portanto, a figura do homem dominador, no que se refere aos

campos sexual e profissional. Como vimos, a ele estão associadas características que

permeado por marcas de força, poder e dominação”, sintetiza Nolasco (idem, ibidem). Entretanto, o lugar comum em pauta é posto em questão pelas piadas feministas, que representam os homens como incompetentes tanto no campo profissional, quanto principalmente na área sexual. Inicialmente, vejamos um exemplo do primeiro caso:

Descoberta científica

Duas mulheres conversando:

- Os cientistas descobriram algo que consegue fazer o trabalho de cinco homens.

- É mesmo? E o que é? - Uma mulher.

Em piadas como essa, os homens são representados, conforme já mostramos anteriormente (sessão 3.2), como profissionalmente incompetentes – ou bem menos competentes que a mulher. Não são retratados, portanto, por meio de traços, como os que vimos com base em Nolasco (1995), que indiquem competitividade, prestígio, desejo de serem reconhecidos como os primeiros, etc... Afinal, seriam necessários cinco homens para fazer o trabalho de uma única mulher! Tal estereótipo de incompetente é ainda mais abundantemente encontrado nas piadas feministas com relação à área sexual:

A maioria dos homens é do tipo DVD (Deita, Vira e Dorme). Raro é encontrar homem do tipo VHS (Várias Horas de Sexo).

A brincadeira com as siglas DVD (Digital Video Disc ou Digital Versatile

Disc) e VHS (Video Home System) assume conotações sexistas: não estão relacionadas a

(que explora a cenografia de “frase célebre”) põe isso em questão e veicula o estereótipo de

homens incompetentes. Nesse sentido, tudo aquilo que geralmente está relacionado ao bom

desempenho sexual também é ridicularizado pelas piadas:

O que os homens têm no meio das pernas?

Um morto e duas testemunhas.

A respeito dos órgãos genitais masculinos, Nolasco (1995, p. 41) observa que é tamanha a importância que os homens dão a eles “que se referem aos mesmos não como parte do corpo, mas como um outro”. Na piada acima, tal representação é exagerada, uma vez que sugere não apenas “um outro” e, sim, “três outros”: um morto e duas testemunhas! Dessa forma, a piada ridiculariza o homem e, longe de elogiar o desempenho masculino, na verdade, ela o coloca em questão.

Antes mesmo da expectativa de positividade de desempenho nos domínios profissional e sexual, Nolasco observa que a visão de mundo que os homens vão construindo inicia-se com a crença de sua superioridade como gênero. Nesse sentido, o autor chama a atenção para o fato de que, desde pequenos, os meninos são alimentados por fantasias de onipotência e senhorilidade: “Os meninos crescem estimulados a contar vantagens e méritos. O padrão masculino inicia-os em um mundo onde acreditam ser os melhores só por serem homens” (ibid., p. 43). Tal lugar comum, entretanto, é colocado em questão por piadas feministas como a que segue:

Por que os homens são como os animais?

Porque apesar de serem desarrumados, insensíveis e potencialmente violentos dão excelentes animais de estimação!

Esse exemplo explicita que as piadas feministas ridicularizam os homens caracterizando-os não apenas com base em uma inferioridade como gênero: eles seriam

inferiores em todos os sentidos! Com efeito, na piada acima, além de estereotipados

segundo representações comumente atribuídas ao gênero masculino – desarrumados, insensíveis e potencialmente violentos –, os homens são rebaixados a animais. Eis outros exemplos bastante representativos:

Por que até as pilhas são melhores que os homens?

Porque elas têm um lado positivo.

Por que os homens não se deitam na areia da praia?

Porque têm medo de que os gatos os enterrem.

Qual a semelhança entre um homem um espermatozoide?

Ambos têm uma chance em um milhão de se tornarem seres humanos.

Uma das poucas piadas femininas que se baseiam em jogos de palavras, a primeira do conjunto acima explora os sentidos de “lado positivo”: pode referir-se, no contexto em questão, tanto ao cátodo (pólo positivo de uma pilha) quanto a uma forma favorável de ver os homens – que, na verdade, não existiria, já que até as pilhas seriam melhores do que eles... A segunda piada, por meio de uma inferência, compara os homens a excrementos (afinal, é isso o que os gatos costumam enterrar na areia...); na terceira, embora não sejam comparados a animais ou a objetos, eles também não são representados como seres humanos (se o homem tem uma chance – muito rara – de se tornar um ser humano, é porque, evidentemente, ele não o é).

Como já identificamos quais são os estereótipos básicos envolvidos nas piadas feministas, temos, portanto, subsídios para compreender o funcionamento da estereotipia nesses textos. É este o objetivo do próximo tópico.