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2 SUBSÍDIOS TEÓRICOS

2.5 Apresentação da questão de pesquisa

Como já foi comentado anteriormente, a sala de aula de matemática se constitui como um ambiente social, de interação entre os sujeitos, onde os conhecimentos da matemática escolar são significados. Os alunos são portadores de histórias, vivências e experiências. Eles interagem diariamente com outras pessoas, em ambientes diversos, por meio da comunicação verbal. Nas salas de aula de turmas da EJA essas características ficam mais visíveis, pois os alunos “são pessoas que trazem saberes próprios construídos a partir de suas relações vividas” (GOMES, 2012). Esses alunos possuem uma bagagem-cultural diferente das crianças e dos adolescentes e muitos (dependendo do tempo de afastamento da escola) possuem reminiscências da época em que frequentavam a escola. Alunos da EJA são jovens, adultos, trabalhadores, pais e mães de família ou pessoas integrantes de uma comunidade cultural, participantes de interações sociais variadas que contribuem para a constituição das experiências de vida dessas pessoas.

Segundo Fonseca (2012), alunos dessa modalidade vivenciaram uma escolarização básica incompleta ou não iniciada, pois, por algum motivo particular ou social foram excluídos do ambiente escolar. Além disso, jovens e adultos são trabalhadores, consumidores, interlocutores de discursos produzidos durante a realização de atividades do seu cotidiano. Esses jovens e

adultos possuem uma familiaridade com algumas das operações básicas da matemática, como a adição e a subtração. Demandas do dia-a-dia exigem a habilidade de manejo dessas operações, mesmo que sem o conhecimento formal (ou escolar) desses conceitos (por exemplo, algoritmos, nome dos termos das operações e nome das operações). A mobilização dessas ideias, muitas vezes, ocorre no exercício das demandas da sociedade sem que os sujeitos reflitam sobre o procedimento que estão utilizando.

Carvalho (1997) classifica os conhecimentos prévios dos alunos em dois tipos: “práticos”, advindos de situações vividas fora da sala de aula, e o “escolar”, adquirido por meio de experiências anteriores em sala de aula (CARVALHO, 1997). Esse segundo tipo também é discutido por Fonseca (2001b) ao relacionar as memórias e as reminiscências presentes nos discursos e as enunciações produzidos pelos alunos.

Algumas peculiaridades em relação ao manejo das operações básicas podem ser percebidas no público adulto, segundo Carvalho (1995) e Gomes (2012). Do mesmo modo, durante algumas experiências anteriores com turmas da EJA, foi possível notar que os alunos realizavam as atividades utilizando estratégias como o cálculo mental das operações e utilizavam justificações verbais para relacionar seus métodos com atividades do cotidiano. Os alunos buscavam estabelecer conexões entre seus saberes extraescolares e os saberes abordados e estudados em sala de aula, que compõem a matemática escolar.

Ao falar da matemática escolar, estamos nos referindo àquela praticada na escola, composta por um conjunto de conhecimentos, de atividades, de procedimentos e padrões de apresentação e resoluções relativos ao ensino da matemática. Moreira (2004) caracteriza que “matemática escolar referir-se-á ao conjunto dos saberes ‘validados’, associados especificamente ao desenvolvimento do processo de educação escolar básica em matemática” (MOREIRA, 2004, p. 18 apud VILELA, 2007, p. 68). Aquilo que é aceito ou validado como matemática escolar não é fixo – varia segundo os níveis de escolaridade, pela circulação de ideias e usos nos documentos oficiais, livros didáticos, revistas pedagógicas e práticas formativas, e pelas mudanças, ao longo do tempo, das práticas usuais em cada região ou instituição escolar. A despeito dessas variações, é possível identificar permanências e recorrências, especialmente no que se refere aos algoritmos usuais das operações aritméticas, suas formas de escrita, estruturação e procedimentos de resolução, e às atividades consideradas pertinentes para a aprendizagem dessas operações. Entendemos que a matemática escolar engloba aqueles procedimentos considerados válidos pelos professores em um determinado ambiente escolar.

A partir das ideias de negociações na sala de aula apresentadas por Bishop e Goffree (1986), propomos olhar para a sala de aula da EJA, procurando identificar as negociações que acontecem nesse ambiente e que de algum modo se relacionam com o estudo das operações aritméticas. Nessa investigação, não pretendíamos analisar os aspectos linguísticos ou psicológicos dos discursos dos sujeitos, mas as interações entre eles, privilegiando as enunciações produzidas oralmente, ou seja, as falas dos sujeitos, os diálogos entre eles e as manifestações de suas experiências por meio da oralidade. Buscamos enfocar as negociações que dizem respeito à mobilização dos saberes dos alunos em sala de aula e aos modos como professor e alunos lidam com a matemática escolar. Essas interações não se limitam aos diálogos em que as operações aritméticas e outros saberes matemáticos são explicitamente abordados, mas envolvem outros tipos de negociações que ocorrem nas turmas e que dizem respeito ao estudo e à aprendizagem no ambiente escolar.

O trabalho apresenta um estudo dessas negociações em uma turma da primeira etapa do Ensino Fundamental da EJA, com o olhar voltado para o estudo das operações de adição, subtração, multiplicação e divisão. Procuramos investigar as enunciações que permeiam essa sala de aula de matemática, e como essas falas relacionam as noções, a linguagem e as regras da matemática escolar com aquelas construídas por eles nas práticas do cotidiano.

Optamos por observar uma sala de aula em que as aulas ministradas não foram planejadas pela pesquisadora ou em conjunto com a pesquisadora.6 O projeto não foi desenvolvido na escola com a cooperação da professora titular da turma, mas pela observação das aulas e das práticas desenvolvidas rotineiramente na escola pela professora. Um dos motivos para esta escolha foi manter o papel da pesquisadora no ambiente, sem se envolver com a preparação e execução das atividades e podendo observar as negociações com mais detalhes. Também, optamos pesquisar o noite-a-noite7 do modo como ele acontece, isto é, como a escola, os professores e professoras, os alunos e alunas integram e constituem essa sala de aula, sem que houvesse um planejamento prévio das aulas, organizado e estruturado pela professora- pesquisadora para o estudo das operações. Reconhecemos, ao mesmo tempo, que a presença da pesquisadora na sala de aula é um componente da dinâmica e das interações, pois os sujeitos têm consciência de sua presença e de que seu olhar é marcado por sua formação como professora. Portanto, o noite-a-noite investigado é aquele em que a pesquisadora está presente, embora a dinâmica das interações seja construída também em muitos outros momentos.

6 A pesquisadora não era professora dessa escola, tampouco da turma pesquisada.

O interesse pelo estudo das operações aritméticas limitou-nos a poucas instituições que oferecem turmas referentes aos anos iniciais do Ensino Fundamental. No Rio Grande do Sul, a EJA está organizada por Totalidades de Conhecimento, e as Totalidades 1 e 2 caracterizam-se pela oferta de ensino equivalente aos anos iniciais do Ensino Fundamental, do primeiro ao quinto ano. A turma escolhida para a observação é uma das poucas desse nível no município. A direção da escola e a professora aceitaram participar da pesquisa, estando cientes dos objetivos e metodologias desenvolvidas, mas não participaram da construção da pesquisa.

Em nossa abordagem inicial, buscamos observar a negociação de significados matemáticos nessa sala de aula. Durante o andamento da pesquisa, percebemos diferentes tipos de negociações, envolvendo situações e contextos variados, relativos ao papel da professora e dos alunos, aos modos de realizar as atividades e de estudar a matemática escolar e às rotinas da sala de aula e da escola. Ampliamos nosso olhar para a investigação das negociações desenvolvidas nessa sala de aula, focalizando as negociações de sentidos sobre o estudo da matemática ou da escolarização, considerando, ainda, as negociações de significados matemáticos.

Entendemos que pesquisar sobre as negociações de sentido que ocorrem em uma sala de aula da EJA envolve entender o local, os sujeitos dessas interações e como as enunciações orais integram o processo de estudo da matemática escolar. Compreende entender quais sentidos e significados permeiam essas salas de aula, como os sujeitos os negociam dentro do contexto de uma aula de matemática e como as experiências não-escolares dos alunos participam dessas interações.

Assim, tomamos como questão norteadora desta pesquisa: “Como ocorrem as negociações de sentidos relacionados ao estudo das operações aritméticas e as negociações de significados matemáticos em uma sala de aula de EJA?” Em especial, buscamos identificar como os saberes constituídos pelos alunos em atividades extraescolares participam dos processos de negociações de sentidos do estudo da matemática escolar.

A pesquisa foi planejada tendo em vista os objetivos de identificação e análise das negociações, de sentidos e de significados matemáticos que ocorrem na turma pesquisada.