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Luísa

Luísa ficou órfã de mãe aos seis meses e sua infancia foi muito difícil. Seu pai e sua madrasta a educaram com muita rigidez e disciplina, sem demonstrações de carinho e amor. Havia falta de diálogo e conseqüente imposição de regras que não podiam ser questionadas por ela. Na adolescência, a falta de comunicação intensificou os desafios da puberdade, a ausência de esclarecimentos sobre sexualidade, a transformação da menina em mulher acontecida no silêncio, a menarca sendo recebida como doença e sendo ocultada “para não incomodar”, a vigilância acentuada com relação às amizades e namoros. Luísa reflete que seu pai agia de forma a preparar os/as filhos/as para seguirem seus rumos na vida, serem independentes e saberem distinguir o certo e o errado. Considera que a forma de agir do pai foi influenciada pela perda da esposa, pelas dificuldades enfi'entadas na própria infância e pelo longo tempo vivido no seminário.

Maria

Maria falou pouco sobre a sua infância^ referindo-se a ela como um período feliz. Cuidava da casa e dos irmãos mais novos durante as tardes e brincava muito. Foi com satisfação que nos contou que na adolescência dava aulas de catequese nas tardes de sábado. Teve a oportunidade de viver uma grande paixão e, apesar dos conselhos

contrários de sua mãe, casou cedo. Sofreu uma desilusão e seu primeiro casamento fr)i desfeito. Diz ser vaidosa e que hoje se arruma bem e compra jóias para compensar o pouco tempo que teve de adolescência. Reflete que apesar de ter sofrido em seu casamento e ter criado suas filhas sem o auxílio do pai, essa experiência foi resultado de uma escolha sua. Nos últimos anos vive com um companheiro.

Clara

Clara destaca a proteção que seus pais lhe dedicaram na infância e a dor da perda do pai que faleceu quando ela ainda era criança. Clara ajudou sua mãe a superar a perda e auxiliou nos serviços domésticos, assim como ajudou a suas irmãs e irmãos, tendo também sido ajudada por eles. Reconhece o esforço feito pela mãe para criar os/as filhos/as sozinha. Nas suas férias pescava e andava a cavalo em um sítio e relaciona estes lazeres como um cuidado para a tristeza devido à saudade que a família sentia do pai. Clara afirma também que, antes de falecer, seu pai estimulava os/as filhos/as a estudarem, um valor que hoje passa aos/as seus/suas filhos/as. Com onze anos foi trabalhar na casa de uma tia, onde lavava roupa, fazia pão e cuidava de seus primos pequenos; tanto trabalhava como brincava. Na escola teve aulas sobre a puberdade e, ao menstruar pela primeira vez, foi ao médico devido às fortes dores de cabeça. A família era muito unida e a proteção da mãe era evidente. Clara considera que a mesma não explicava o porquê de algumas proibições pois não tinha entendimento necessário para tal.

Carolina

Carolina teve inúmeros irmãos, seu pai era alcoolista e presenciou muitas desavenças em casa. Para evitar que os/as filhos/as a vissem sendo agredida fisicamente, a mãe trancava-a junto com seus irmãos e irmãs em um quarto. Naquelas ocasiões não podiam manifestar nenhuma reação, correndo o risco de também serem agredidos fisicamente. Carolina tinha como resposta aos apelos de afeto e atenção que fazia a sua mãe, a falta de tempo. Uma vez esteve hospitalizada e queria ficar mais dias no hospital porque a comida era gostosa, diferente. Em sua adolescência, Carolina, para auxiliar nas despesas da casa, trabalhou como doméstica. Refere que sentia medo de sua patroa e trabalhava demais. Uma vez escondeu-se na casa de uma irmã já casada para não voltar a

esse trabalho. Porém a mãe queria que ela trabalhasse e a obrigou a voltar. Já um pouco maior, foi trabalhar em outro local, onde tinha um quartinho só para ela, e que quando estava lá se sentia feliz. Estudava a noite e foi vítima de estupro, tendo escondido este fato de todos até alguns dias atrás. As lesões que sofreu alegou terem sido resultado de uma queda. Seus pais e irmãos eram violentos e Carolina ficou com medo da reação deles. No final de sua adolescência casou-se com um rapaz para agradar sua mãe; tendo se separado logo depois.

Rita

Rita foi uma criança manhosa, muito apegada ao pai e sensível ao amor que ele sentia por ela. A perda do pai, do seu afeto e proteção, ainda criança, lhe causou muita tristeza. Sua ligação com a mãe não teve esta conotação forte de amor e carinho e sim de disciplina, em que a agressão física também se achava presente. Morava afastada da cidade e trabalhava na roça. As brincadeiras infantis se prolongaram na adolescência em meio à natureza e eram preferidas às saídas nas tardes de domingo para dançar. As amizades eram muitas após os 20 anos, quando se mudou para perto da cidade e estudou em cursos supletivos.

Ana

Ana é irmã de Clara. Após a morte do pai a família inteira ficou doente e alguns de seus irmãos e irmãs foram hospitalizados. Ana ficou então na casa de sua avó e sentia muita falta deles. Desde pequena, Ana cuidava de seus irmãos e irmãs menores e era chamada por eles de mãe. Considerava-se responsável por esse cuidado e ficava magoada quando eles/as eram feridos por alguém; sentia-se ao mesmo tempo mãe e irmã deles. 0 tempo de Ana era mais para cuidar dos outros do que dela mesma. No início de sua adolescência deixou os cuidados de sua casa e foi trabalhar como doméstica, ficando cotn pouco tempo para estudar. Nos finais de semana, em casa, não tinha muita liberdade para sair por causa da superproteção de sua mãe. Iniciou seu namoro em uma festa da escola. Sua menarca aconteceu tardiamente, depois de todas as irmãs, e foi muito esperada. Ana gostava de apreciar seu corpo de menina transformando-se em corpo de mulher.

Madalena

Madalena ajudava a mãe a cuidar de seu irmão mais novo e foi hospitalizada com hepatite. Naquela ocasião sentiu muita falta da família por não ter podido receber visitas. Manifestações de afeto não eram muito freqüentes em seu lar. Ao ficar “mocinha” sentiu- se envergonhada por sua mãe avisar a todos, inclusive aos vizinhos, não tendo quem a esclarecesse em relação à sexualidade. Foi aprendendo aos poucos com as colegas e descobrindo o que era proibido.

Luciana

Luciana tem lembranças de sua infância a partir de seus seis anos, mas as percebe de uma maneira confusa e complicada, principalmente na sua relação com os pais. Vivia dividida emocionalmente com as desavenças entre eles. De sua mãe ficou a falta de afinidade e a impressão de não ter sido amada, devido à falta que sentia dos seus carinhos e abraços; de seu pai ficou a preocupação em lhe demonstrar o seu amor, pois se identificava com ele na necessidade de afeto. Na adolescência, Luciana andava sempre de batom e era bastante vaidosa. Aos quatorze anos conseguiu seu primeiro emprego no comércio. Ocultou a menarca por bastante tempo. Até hoje não tem afinidade com a mãe; sua relação de afeto é pobre e Luciana sente falta disso. Estudou até o início do 2° grau, quando começou a namorar seu marido, que conheceu em um baile.

Segunda Vivência: Significados do Cuidado de Si e do Outro na Infância