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Quinta Vivência: Significados da Violência Sexual para as Trabalhadoras

Nesta vivência, logo após o relaxamento (anexo 10), solicitei às trabalhadoras que expressassem quais os sentimentos que experimentaram quando Carolina revelou para o grupo a violência sofnda, ao que obtive anuência de todas as participantes.

Para a minha surpresa, formou-se entre nós um diálogo dinâmico, franco e sem censuras, no qual além de trabalharmos a questão do estupro, puderam trazer suas próprias experiências e sentimentos em relação ao assunto.

A primeira a se manifestar foi Luciana que, demonstrando ansiedade, relatou ter sentido “medo” no momento em que foi abordada a questão do estupro, com relação a sua filha, tendo receio que a criança pudesse ser vítima de uma situação semelhante. Esse relato foi extremamente importante, fondamental para que se estabelecesse, logo de início, um ambiente favorável à manifestação das demais trabalhadoras. Isto porque, mais do que 0 medo de que viesse a acontecer algo com sua filha, Luciana afirmou-nos que o principal motivo desse sentimento é o fato de não conseguir conversar sobre temas relacionados à sexualidade com a menina e que, em razão disso, caso a mesma viesse a ser vítima de uma violência sexual, provavelmente não se sentiria à vontade para compartilhar esse sentimento com a mãe. Essa ausência de diálogo entre mãe e filha pode ser notada em uma de suas falas:

-Falar desses assuntos com ela, não tem, eu acho que eu não consigo'^ (Luciana).

Em seguida, Clara vem em seu auxílio, sugerindo que converse sempre com naturalidade com a filha, procurando falar sem preconceitos e sem prejulgamentos. No mesmo sentido, também relatei a experiência com a educação de meus filhos, em que

procurei sempre demonstrar naturalidade frente a seus questionamentos e lhes passar segurança em relação ao meu apoio e amor.

Após os comentários sobre a manifestação de Luciana, outras três trabalhadoras se expressaram, mostrando compaixão à Carolina. Madalena, Luísa e Clara narraram algumas experiências suas ou de conhecidas envolvendo assédio sexual. Naquele momento, com a participação das demais, foram discutidos os sentimentos gerados em situações deste tipo, como a vergonha de denunciar e o medo de não contar com o apoio dos familiares.

Nas colocações que foram feitas, todas, de alguma forma, evidenciaram que provavelmente, naquela época, teriam uma reação idêntica à de Carolina, não compartilhando com ninguém os acontecimentos, por considerarem que a incompreensão da sociedade e da família era ainda maior que nos dias de hoje.

Um outro comentário importante foi o de Rita, que emocionada expressou o seu pesar, chorando e falando da seguinte forma;

■ Quando a Carolina falou, eu senti uma tristeza tão grande, tão grande, talvez isso até vá magoar ela. Agora que eu posso falar uma coisa que é para ela esquecer e ela volta a se lembrar... Uma coisa assim tão ruim ^

(Rita).

A importância desse comentário se deve principalmente ao fato de Rita não ter participado do encontro em que foi apresentado o referencial do Cuidado Transdimensional bem como alguns de seus conceitos. Diante disto, aproveitei para explicar-lhe e reforçar para as demais trabalhadoras o processo de morte-renascimento, sem nos preocuparmos em fazê-las decorar a sua denominação, mas procurando fazer com que compreendessem realmente o processo e a sua importância. Nesse sentido, aproveito para transcrever as palavras que utilizei nessa explicação:

' Rita, quando algum acontecimento nos fa z sofrer, não falar sobre ele fa z com que aqueles sentimentos gerados continuem a nos fazer sofrer sempre que tentemos esquecê-lo. Podemos irm anar isso da seguinte forma: quando algum acontecimento nos causa um impacto profundo e nos fa z sofrer, ocasionando sentimentos como mágoa, vergonha, culpa e raiva, o medo que temos de lembrar-nos deste acontecimento é como se fossem amarras que nos ligassem àquele fato, causando-nos mais sofrimento. E quando conseguimos falar sobre aqueles acontecimentos, e compreendemos o significado que teve para nossas vidas, essas amarras vão se soltando, levando junto o sofrimento que causavam, e ficamos com

o aprendizado. Esse aprendizado nos toma pessoas mais fortalecidas e podemos enfrentar mais facilmente os desafios da vida (Karla).

A seguir Maria questionou o grupo sobre a causa do sentimento de vergonha gerado nas mulheres que as impede de denunciar uma ocorrência de abuso sexual. As trabalhadoras que se dispuseram a comentar o assunto relacionaram essa vergonha ao fato da mulher ser considerada, muitas vezes, como a causadora da situação como também ao menosprezo das autoridades masculinas nas delegacias em que são feitas as queixas, e ao medo de não receber a compreensão e o apoio de parentes e amigos.

Naquele momento também senti a necessidade de intervir na discussão. Abordei, então, a complexidade do tema, que é comum a uma grande parcela de mulheres e crianças em nossa sociedade, inclusive entre nós mesmas, em que vários exemplos foram relatados. Nesse sentido, lembrei que, pela condição de mulher, fomos educadas e ainda educamos nossas filhas com uma série de restrições que nos ditam o nosso papel na sociedade: um papel de submissão e inferioridade em relação aos homens. Abordei sobre a necessidade de se abolirem os preconceitos em relação às mulheres e que a impunidade dos homens que cometem violência contra as mulheres somente diminuirá se forem feitas denúncias nos locais apropriados.

Após estes esclarecimentos, solicitei à Carolina que expressasse o que estava sentindo:

'Ah! Eu estou assim aliviada, não vou dizer que eu acho. Eu tenho certeza, sabe? Até em casa mesmo eu vou em frente, estou conseguindo me liberar, sentir mais prazer até em relação a minha sexualidade'' (Carolina).

No final realizei outro renascimento (anexo 11), para valorizar o “ser mulher” de cada uma delas, através da aplicação de energia amorosa pelo toque entre as mesmas. Antes de nos despedirmos, realizamos uma avaliação do encontro, na qual fícou expressa de forma verbal e não verbal a satisfação das participantes pelo processo de cuidado que estávamos desenvolvendo.

Sexta Vivência: Significados de Cuidado de Si e do Outro na Vida Adulta