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CAPÍTULO IV- CASOS CLÍNICOS

4.1 Paciente 1

4.1.1 Apresentação do caso

Um gato siamês, macho castrado, com quatro anos de idade, foi apresentado no Hospital Veterinário de Loulé (Loulé, Portugal) com alterações neurológicas e uma história de desaparecimento há cerca de um a dois meses atrás. O gato tinha livre acesso ao interior e exterior da sua casa e havia sido vacinado no ano anterior para o vírus da rinotraqueíte felina, calicivírus felino e vírus da panleucopénia felina, não fazendo controlo de ectoparasitas e endoparasitas desde essa data. O status FIV e FeLV era desconhecido, nunca tendo sido testado.

No exame físico apresentou temperatura, pulso, frequência respiratória, tempo de repleção capilar e cor das membranas mucosas dentro dos limites normais. Apresentava-se ligeiramente desidratado, com uma percentagem de desidratação estimada entre cinco e oito porcento, e baixa condição corporal, pontuada em três numa escala de nove valores (3/9). No exame neurológico mostrou ataxia, défice propriocetivo nos membros posteriores, circling para a

esquerda, nistagmus e ausência dos reflexos pupilar e de ameaça.

As alterações identificadas no hemograma foram trombocitopenia moderada (67.000 /µL, intervalo de referência 300.000-800.000 /µL) e aumento do número absoluto de neutrófilos em banda (1.411 /µL, intervalo de referência 0-300 /µL) sem neutrofilia. O exame do esfregaço sanguíneo identificou rouleaux moderado, hipocromasia ocasional, acantócitos (4+), queratócitos (2+), esferócitos (ocasional), esquizócitos (2+), dacriócitos (ocasional), entre outros poiquilócitos (ocasional) (figura 29); a trombocitopenia foi confirmada por contagem manual e foi estimada a percentagem de macroplaquetas em 20%.

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Figura 30- Esfregaço de sangue de felídeo. Presença de rubricito. Poiquilocitose e anisocitose. (Hemacolor® X400).

Os resultados das bioquímicas séricas incluíram aumento moderado do enzima FA (940 U/L, intervalo de referência 23-118 U/L), hiperbilirrubinemia (1,9 mg/dL, intervalo de referência 0,1-0,4 mg/dL), hiperglicemia (187 mg/dL, intervalo de referência 71-148 mg/dL) e diminuição ligeira na creatinina (0,6 mg/dL, intervalo de referência 0,8-1,8 mg/dL).

O paciente foi hospitalizado nesse dia, tendo sido reidratado com fluídos intravenosos (Lactato de Ringer) e medicado com metilprednisolona (1 mg/Kg, por via intravenosa lenta, uma vez por dia, durante dois dias), ranitidina (2,5 mg/Kg, por via intravenosa lenta, duas vezes por dia, durante dois dias) e enrofloxacina (5 mg/Kg, por via intravenosa, uma vez por dia).

Dois dias após a apresentação inicial, o paciente encontrava-se alerta e com apetite, e os sinais neurológicos haviam sido atenuados embora ainda evidentes (menos atáxico, ainda com défice propriocetivo nos membros posteriores mas, já a conseguir ir à sua caixa de areia, circling inconstante, sem nistagmus, reflexo pupilar mínimo e ausência do reflexo de ameaça). Nesse dia, foi-lhe concedida alta médica tendo-lhe sido prescrito enrofloxacina (5,8 mg/Kg, administrados por via oral, cada 24 horas) e prednisolona (1,2 mg/Kg, administrados por via oral, cada 12 horas) até novas indicações.

No dia 11 (10 dias após a apresentação inicial), o paciente mostrava indícios de recuperação embora, bastante lenta. Apresentava-se mais ativo mas, com

Figura 31- Esfregaço de sangue de felídeo. Presença de eritroblasto. Poiquilocitose e anisocitose. (Hemacolor® X400).

Figura 32- Esfregaço de sangue de felídeo. Presença de dois neutrófilos e linfócito (no meio). Poiquilocitose e anisocitose. (Hemacolor® X400).

Figura 33- Esfregaço de sangue de felídeo. Presença de basófilo. (Hemacolor® X1000).

a mesma descoordenação motora. O défice propriocetivo estava menos pronunciado, não manifestava circling, tinha o reflexo pupilar normal porém, o reflexo de ameaça era diminuto. Tinha também hiporexia e as membranas mucosas pálidas.

Por essa ocasião, o hemograma e esfregaço sanguíneo foram repetidos. Da leitura direta do hemograma identificou-se: anemia ligeira, normocrómica, normocítica (hematócrito 20,8%, intervalo de referência 24-46%; CHCM 34,1 g/dL, intervalo de referência 30-38 g/dL; VCM 45,9 fL, intervalo de referência 39-52 fL), trombocitopenia leve (296.000 /µL, intervalo de referência 300.000-800.000 /µL), leucocitose (29.700 /µL, intervalo de referência 5.500-19.500 /µL), linfocitose (15.600 /µL, intervalo de referência 1.500-7.000), monocitose (1.600 /µL, intervalo de referência 0-850 /µL). Contudo, após a contagem diferencial de leucócitos manual e respetiva determinação do leucograma com base nestes valores e no número absoluto de leucócitos obtido previamente, verificou-se que o número de linfócitos e monócitos encontravam-se dentro dos intervalos de referência (linfócitos 5.643 /µL, intervalo de referência 1.500-7.000 /µL; monócitos 297 /µL, intervalo de referência 0-850 /µL), identificando-se apenas uma neutrofilia com desvio regenerativo à esquerda (neutrófilos maduros 20.048 /µL, intervalo de referência 2.500-12.500 /µL; neutrófilos em banda 2.822 /µL, intervalo de referência 0-300 /µL). A restante análise do esfregaço sanguíneo revelou rouleaux ligeiro, anisocitose, hipocromasia (2+), policromasia (3+), macrocitose (4+), acantócitos (4+), queratócitos (2+), esquizócitos (3+), dacriócitos (2+), outros poiquilócitos (1+), e células vermelhas nucleadas (2+), as quais incluíram metarubricitos, rubricitos, prorubricitos e eritroblastos (figuras 3, 23, 30, 31, 32); a trombocitopenia foi confirmada no esfregaço sanguíneo, não tendo sido detetadas macroplaquetas. As figuras 3, 23, 30, 31 e 32 são referentes ao dia 11.

Perante estes resultados, a enrofloxacina foi descontinuada, tendo sido introduzidas a doxiciclina (5 mg/Kg, administrados por via oral, cada 12 horas, durante 28 dias) e a mirtazapina (3,75 mg/ gato, administrados por via oral, cada três dias, num total de três administrações). A dosagem da prednisolona foi aumentada para 1,7 mg/Kg, administrados por via oral, duas vezes por dia.

Quando voltou para reavaliação, no dia 16, o paciente encontrava-se mais ativo, menos atáxico, o défice propriocetivo era menos evidente e o reflexo de ameaça, embora ainda diminuído, tinha sofrido uma melhoria ligeira. O apetite havia voltado e as membranas mucosas ainda aparentavam estar pálidas.

O desmame do glucocorticoide foi iniciado no dia 17, de acordo com a seguinte posologia: 0,6 mg/Kg, por via oral, duas vezes por dia, durante sete dias; 0,9 mg/Kg, por via oral, uma vez por dia, durante cinco dias; 0,3 mg/Kg, por via oral, duas vezes por dia, durante cinco dias; 0,3 mg/Kg, por via oral, uma vez por dia, durante quatro dias). A restante terapêutica não sofreu alterações.

No dia 24, o paciente continuava a dar sinais de evolução positiva. A sintomatologia nervosa (referida anteriormente) era claramente menos notória, embora ainda patente.

Os valores do hematócrito e concentração plaquetária tinham aumentado, atingindo os respetivos intervalos de referência (hematócrito 30,7%, intervalo de referência 24-46%; plaquetas 708.000 /µL, intervalo de referência 300.000-800.000 /µL), e a única alteração identificada no leucograma era um ligeiro desvio à esquerda (neutrófilos em banda 320 /µL, intervalo de referência 0-300 /µL). O exame do esfregaço sanguíneo revelou rouleaux ligeiro, anisocitose, hipocromasia (1+), policromasia (2+), macrocitose (1+), acantócitos (3+), queratócitos (3+), esquizócitos (3+), dacriócitos (2+) e outros poiquilócitos (ocasional) (figura 4); a contagem de plaquetas foi confirmada manualmente, tendo sido identificadas algumas macroplaquetas, cujo valor percentual rondou os 0,74%.

Adicionalmente, foi determinada a concentração sérica do enzima FA, a qual estava ligeiramente aumentada (281 U/L, intervalo de referência 9-53 U/L).

No dia 45, uma semana após término da doxiciclina e da prednisolona, a ataxia, ainda que presente, era muito menos evidente. O reflexo de ameaça continuou diminuído.

As alterações constantes no hemograma foram: policitemia (hematócrito 53,6%, intervalo de referência 24-46%), macrocitose (VCM 57,4 fL, intervalo de referência 39-52 fL), hipocromasia (CHCM 29,2 g/dL, intervalo de referência 30-38 g/dL) e anisocitose (RDW 18,5%, intervalo de referência 14,0-18,0%). No esfregaço sanguíneo foram identificados macrocitose (2+), acantócitos (3+), queratócitos (2+), esquizócitos (ocasional), eliptócitos (2+) e dacriócitos (ocasional) (figura 33); o número de plaquetas foi confirmado por contagem manual, tendo sido identificada uma população bastante representativa de macroplaquetas (37, 74%).

A concentração de FA sérica tinha diminuído relativamente ao último controlo analítico mas, ainda apresentava um aumento ligeiro (175 U/L, intervalo de referência 9-53 U/L).

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