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CAPÍTULO IV- CASOS CLÍNICOS

4.1 Paciente 1

4.1.2 Interpretação hematológica

O resumo dos resultados do hemograma e exame do esfregaço sanguíneo figura na tabela 32.

Ambas as alterações identificadas no hemograma no primeiro dia (desvio à esquerda sem neutrofilia e trombocitopenia) são sugestivas da presença de um processo infamatório. Os desvios à esquerda em resposta aos glucocorticoides endógenos são tipicamente leves (inferiores a 1.000 /µL) [5], pelo que é mais plausível que o desvio à esquerda moderado (1.411 /µL) seja consequência de um processo inflamatório. Além disso, baseado no grau de trombocitopenia, o qual é moderado, pode-se admitir que haja uma componente imunomediada na destruição das plaquetas. A presença de macroplaquetas indica trombopoiese ativa [14], pelo que a causa de trombocitopenia inevitavelmente não reside na disfunção da medula óssea.

As alterações na morfologia dos eritrócitos identificadas aquando do exame do esfregaço sanguíneo são compatíveis com inflamação e hemólise. As alterações sugestivas de inflamação incluem: rouleaux (associado ao aumento de proteínas inflamatórias, podendo

haver hiperproteinemia e hiperglobulinemia concorrentes), acantócitos, queratócitos, esferócitos e esquizócitos (a presença concomitante destas alterações pode estar associada a vasculite). As alterações sugestivas de hemólise incluem: esferócitos e esquizócitos [2, 4, 5]. A presença de dacriócitos pode ser indicativa de afeção mieloproliferativa [2].

A leitura do eritrograma no dia 11 era indicativa de uma anemia leve não regenerativa, normocrómica, normocítica contudo, acrescentando os dados obtidos da análise do esfregaço, mais concretamente policromasia (3+), macrocitose (4+), hipocromasia (2+) e anisocitose, concluiu-se que a anemia era regenerativa.

Relativamente à concentração plaquetária, esta havia sofrido um aumento significativo desde o primeiro dia, provavelmente em resposta à terapêutica com prednisolona, confirmando-se a componente imunomediada na destruição plaquetária.

Quanto às alterações detetadas no leucograma determinado pelo equipamento automático, verificou-se que as mesmas não eram concordantes com os valores determinados com base na contagem diferencial de leucócitos. A resposta à causa desta discordância está patente na análise do respetivo esfregaço sanguíneo. Mais concretamente, foram detetadas no esfregaço sanguíneo numerosas células vermelhas nucleadas, pelo que o número absoluto de leucócitos determinado pelo equipamento automático (o qual se baseia na impedância) estaria inevitavelmente sobrestimado. A linfocitose e a monocitose são questionáveis pela mesma razão. A tecnologia baseada na impedância faz a distinção das células com base na presença e ausência de núcleo celular e, adicionalmente, com base no diâmetro celular [5]. Deste modo, para além das células vermelhas nucleadas poderem ser confundidas com leucócitos, os metarubricitos e alguns rubricitos são frequentemente assumidos como linfócitos, e os prorubricitos, rubriblastos e alguns rubricitos são considerados monócitos. A neutrofilia identificada após ajuste dos valores com base na contagem diferencial de leucócitos, assim como a diminuição do grau de rouleaux podem ser devidos à terapêutica com prednisolona.

Embora a presença de células vermelhas nucleadas no sangue periférico possa ser indicativa de forte resposta regenerativa face à anemia [2, 4], perante uma anemia leve, não seria esperado ser tão marcada (quer em termos numéricos quer em termos de envolver estádios bastante imaturos, podendo ser observados desde metarubricitos até alguns eritroblastos). Além disso, tratando-se de um gato de status FIV e FeLV desconhecido não se pode descartar a possibilidade da presença de células vermelhas nucleadas ser devida a infeção concorrente com um retrovírus o qual predispõe a neoplasia eritóide [4].

No dia 24, duas semanas após iniciar o tratamento com doxiciclina, tanto o hematócrito como a concentração plaquetária atingiram valores dentro dos intervalos de referência, o que confirma a eficácia da terapêutica. As alterações na morfologia dos eritrócitos foram semelhantes às detetadas aquando da avaliação anterior, à exceção que não foram encontradas células vermelhas nucleadas.

No dia 45, constatou-se que tanto o hematócrito como o VCM e RDW tinham vindo a aumentar, e o CHCM a diminuir, desde o dia 11, pelo que de uma anemia normocítica normocrómica, passou-se para uma policitemia com macrocitose, hipocromasia e anisocitose.

Como a determinação do hematócrito é feita com base no VCM e na contagem de eritrócitos (HCT = VCM x número de eritrócitos ÷ 10), um aumento em qualquer um desses parâmetros irá repercutir-se num aumento do hematócrito [4]. Neste caso em particular, o número de eritrócitos, embora compreendido no intervalo de referência, aproxima-se do limite superior (9,35x106 /µL, intervalo de referência 5,0-10,0 x 106 /µL) e o VCM está acima do

intervalo de referência, pelo que ambos contribuem para o aumento do hematócrito.

Uma policitemia relativa pode ser encontrada em animais com leucocitose fisiológica concomitante, uma vez que as catecolaminas estimulam a contração esplénica, a qual resulta na ejeção de sangue rico em eritrócitos para a circulação sistémica. Contudo, esta resposta não é espectável em gatos, uma vez que estes carecem naturalmente de fibras musculares no baço e de sinusoides esplénicos [5]. Os animais desidratados também podem mostrar uma policitemia relativa porém, não era o caso deste paciente.

Assim, a origem da policitemia neste paciente reside no aumento da taxa de produção e libertação de eritrócitos.

Sykes (2010) refere que também as infeções por M. haemofelis estão associadas com valores elevados do VCM, sugerindo o aumento da taxa de produção e libertação de eritrócitos induzido pelo hemoplasma [40].

O número de poiquilócitos também tinha vindo a diminuir gradualmente, o que é um sinal de recuperação.

A alteração mais significativa em termos do tipo de poiquilócitos presentes no sangue periférico foi o surgimento de eliptócitos (2+), detetados aquando da avaliação do esfregaço sanguíneo no dia 45. Esta alteração reforça a ideia de possível desenvolvimento de neoplasia eritroide associada ao FeLV, uma vez que nos gatos está descrita a presença de eliptócitos em casos de afeções mieloproliferativas [2].

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