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As terras baixas que compõem o cenário dos dois principais rios formadores do Tapajós se configuram como uma região de marcada influência cultural tupi. A análise das categorias diante das quais os Kaiabi elaboram sua relação com o passado, combinada aos registros escritos, indica que a historicidade indígena é formulada no interior do conjunto simbólico tupi, na medida em que ressalta a ambivalência da relação com o Outro, concebida como absolutamente necessária para a afirmação da identidade, ainda que seja consideravelmente arriscada. Em termos gerais, as sociedades do tronco tupi são caracterizadas como povos agricultores, que tendem a ocupar áreas cobertas por floretas, fundando aldeias grandes e de caráter permanente, avançando pelo território em ritmo lento, buscando regularmente manter algum tipo de relação com suas ocupações anteriores (Laraia, 1986; Noelli, 1996).

A organização social vem sendo qualificada por alguns antropólogos como patrilinear, poligínica e patrilocal, com ocorrências não raras de uxorilocalidade e casos mais incomuns de existência de metades exogâmicas e antropofagia (Laraia, 1986). A busca pela "Terra sem Males", com há muito mostrou Alfred Métraux (1950) fazendo alusão aos tupi do litoral, apesar das características messiânicas, não estava diretamente ligada à chegada dos europeus. Recebeu mais de uma interpretação, como a de Pierre Clastres (1988), que seria uma forma de evitar a formação de uma nova organização política centrada num crescente poder do chefe da comunidade. A liderança na aldeia costuma estar vinculada exclusivamente ao carisma e à capacidade agregadora do chefe. O casamento entre primos cruzados, juntamente com as obrigações inerentes à relação entre sogro e genro se constituem como práticas centrais de consolidação da unidade social mais importante: a família extensa (Fernandes 1970; Schaden 1962). A cisão radical entre os domínios político e religioso é um traço tupi-guarani marcante, segundo Hélène Clastres (1978). Tais povos são conhecidos pela baixa elaboração de sua morfologia social e política, combinada a um rico e complexo universo cosmológico. Com relação às sociedades tupi-guarani, podemos ainda acrescentar a predominante tendência às manifestações performativas, em particular o xamanismo, e dinâmicas abertas a incorporações e elaboração de eventos exteriores contingentes (Viveiros de Castro, 1986).

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Os Kaiabi se constituem num dos mais importantes grupos tupi centrais, falantes de uma das línguas pertencentes à família lingüística tupi-guarani. A enorme dispersão dos povos tupi-guarani por uma imensa área geográfica, conjugada com um longo isolamento, provocou diferentes transformações em seus sistemas de crenças. Alfred Métraux (1950) sugeriu que a área original de dispersão dos tupi-guarani estaria compreendida entre a margem direita do Amazonas, o Paraguai, o Tocantins e o Madeira. Devido às difíceis vias de acesso às terras anteriormente ocupadas pelos Kaiabi e pelo pouco interesse que manifestavam no contato com os representantes da sociedade nacional, eram dentro de seu território, quase completamente desconhecidos da nossa etnologia. Contudo, se sabe que o rio Teles Pires está indissociavelmente ligado à criação mítica e à afirmação territorial dos Kaiabi. Não se tem notícia de outros índios que houvessem disputado esse rio com eles. Sua presença sempre foi registrada em seu alto, médio e baixo cursos, e, ainda outra parte no rio dos Peixes, afluente do Arinos.

Partindo então de uma incursão em fontes que tratam do modo de habitação e organização espacial dos Kaiabi, pretendemos aqui fornecer a base etnológica para todo esse trabalho, nos orientando sempre pelo viés territorial. Ainda que alguns desses costumes tenham sido transformados em razão dos contatos com as frentes econômicas, é possível reconhecer em muitas atitudes mais recentes dos Kaiabi, um acesso renovado à memória coletiva do grupo e aos componentes emocionais e ecológicos referentes ao território que consideram sagrado. Portanto, esse capítulo deve ser entendido como uma apresentação dos Kaiabi, de sua intrincada cosmologia e das relações e artifícios que vem estabelecendo com o ambiente envolvente desde muitos anos.

Orientação espacial

Se existe um ponto central de percepção do espaço territorial para os Kaiabi é o wyri ou household. O wyri, enquanto instituição social, está materialmente representado pela casa ou maloca de duas águas (o’koo), de planta baixa retangular, que invariavelmente é edificada por homens e habitada por uma família extensa (Grunberg, 2004: 119). Constitui-se como o centro do sistema topográfico do qual os Kaiabi organizam suas atividades e normalmente se localizavam de 4 a 7 km uma da outra (Oakdale, 2005: 46). Além da casa, existem outros círculos concêntricos que dela vão se

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afastando, passando pela roça, até alcançar a floresta mais distante. A floresta não é considerada um espaço selvagem oposto à área socializada da casa. Na prática, apesar da aparente homogeneidade, a floresta é também considerada como dividida em espaços concêntricos e repleta de espaços de sociabilidade. À medida que gradualmente ganham distância do centro, formado pela casa, os espaços externos se tornam menos socializados e menos hospitaleiros, podendo apresentar mais perigos. As áreas de coleta intensiva situadas bem próximas à casa, fazem o primeiro círculo concêntrico da floresta. As roças podem se situar dentro das áreas de coleta ou em pontos mais afastados, podendo levar algumas horas de caminhada para serem alcançadas. Há outras grandes extensões dedicadas à caça e pesca diárias, que coincidem com outras unidades familiares vizinhas. Mais distantes e menos familiares existem áreas de expedição de caça, que os homens podem levar vários dias até alcançarem seus limites. Há ainda os territórios de parentes mais distantes e afins que os Kaiabi têm o costume de visitar. Os chamados espaços domesticados, assim o são na medida em que estão ocupados por parentes, afins ou mesmo outras etnias mais próximas como os Apiaká ou Bakairi, evidenciando também uma relação forte entre parentesco e território. Além desses espaços familiares mais distantes se estende um terreno ameaçador e hostil, onde mesmo os caçadores não se aventuram de chegar (território de perambulação). Não se tratam de espaços a serem explorados de maneira corriqueira, sendo utilizados somente por aqueles que saem já preparados para os riscos e ameaças de perder sua humanidade.

Na exploração de áreas mais afastadas do wyri, os rios adquirem importância fundamental nessa orientação e definição do espaço tido como espaço de sociabilidade e espaço de perigo para os Kaiabi. As direções acima e abaixo nada tem a ver com os pontos cardeais norte e sul, mas seguem o fluxo do rio, sendo as cabeceiras situadas acima e a embocadura abaixo. Os principais rios, igarapés, corredeiras, cachoeiras, lagos, montanhas, tem nome. Sempre há também um nome genérico e um nome específico normalmente designado por alguma característica própria do lugar. A abundância de um animal ou vegetação nas suas margens, algum tipo de configuração visual peculiar, ou ainda alguma batalha que ali ocorreu são boas razões para escolher nomes para os cursos d’água e locais que margeiam os rios. Assim, o conhecimento dessa toponímia vai direto ao encontro do conhecimento prático do território por aqueles que caminham. As áreas geográficas familiares ou potencialmente familiares se constituem como um lugar destinado a ser habitado pelos “humanos”. Partindo do wyri,

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que é tido como o lugar de maior segurança, até as áreas de perambulação, que apresentam maior perigo, os nomes são estabelecidos e prontamente inseridos numa rede de relações e narrativas que devem retornar à aldeia, proporcionando um movimento contínuo da sociedade entre o Outro e o Mesmo (Oakdale, 2005: 159).

O território passa, então, a ser composto por uma variedade de lugares com características particulares, que vão além dos recursos materiais necessários à sobrevivência do grupo. Funcionando como uma espécie de Terceiros no sentido peirceano, os nomes possibilitam que a memória do passado se faça viva, sempre que os Kaiabi mencionem ou passem por um lugar com qualidades específicas. O caso do velho Sikito, que vive do Posto Pavuru no Xingu, é bem emblemático, nesse aspecto. Depois de muito tempo vivendo no Xingu, sem precisar ir à cidade, Sikito foi acompanhar sua mulher num tratamento de saúde em Sinop. Chegando lá, ele conta que reconheceu imediatamente o local das antigas aldeias Kaiabi e sentiu muita tristeza ao relembrar que foi dali que ele e seus parentes foram retirados para serem transferidos para o Parque do Xingu. Seus netos contam que ele se emocionou bastante ao ver toda a região antes habitada pelos Kaiabi, convertida em campos de soja. Eu perguntei a ele como conseguiu identificar esse local como região de morada dos Kaiabi, apesar de praticamente não existir mais floretas em volta de Sinop. Ele me respondeu que só de observar o rio Teles Pires pôde reconhecer que um pouco mais acima de Sinop (rio acima) ficava a cachoeira do Makupa’iam (cachoeira da curvina), onde era a primeira habitação dos Kaiabi, depois de já terem descido um pouco o rio fugindo dos primeiros seringueiros.

A partir desses recursos de dar nomes e vivenciar os lugares, o território como um todo passa ser delimitado por uma rede hidrográfica, que em última instância determina a visão global do espaço territorial. Desse modo, o espaço territorial Kaiabi é arranjado de forma que a terra é moldada por uma sucessão de rios e igarapés que fluem na direção central, vindo tanto da direita como da esquerda, seguindo o fluxo de descida (Norte) do rio Teles Pires (Wiracing’y – rio da garça branca). Os cursos d’água que fluem da direita ou da esquerda são reconhecidos na sua relação com o Teles Pires como referência e correspondem analogamente e de modo invertido aos pontos cardeais leste e oeste, posto que norte corresponde ao sentido rio abaixo. Em suas longas caminhadas que costumavam empreender por toda essa região Tapajós-Xingu, o sol em combinação com esses rios que fluíam para o Teles Pires, sempre serviram como

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principal eixo orientador para os caminhantes Kaiabi. Tamanaú (ancião da aldeia Ilha Grande no Xingu) conta que quando os guerreiros ou caçadores caminhavam pela floresta, eles sempre orientavam pela posição do sol, já sabendo intuitivamente a localização dos rios menores e principalmente do Teles Pires. Outros artifícios como fazerem incisões nos troncos das árvores com machados, quebrar galhos de espécies mais raras, os ajudavam a não ficarem pedidos na selva, acrescenta seu irmão Kuruné, que vive no Teles Pires. Essa era umas das razões pelas quais os Kaiabi tinham que parar de caminhar quando chegava a noite. Tanto por não terem um conhecimento mais acurado de como se orientar pelas estrelas, como também pela dificuldade de visualizar com clareza o céu, caminhando dentro da mata fechada. Assim, as principais categorias para definir as direções são rio acima e rio abaixo, tomando sempre o Teles Pires como eixo. Como povo marcadamente caminhante, as distâncias entre os Kaiabi são medidas de acordo com os dias de caminhada e as medidas de tempo mais longas são associadas com as luas.

Mito e história

Boa parte dessas informações a respeito da orientação espacial e de relacionamento com o ambiente propriamente dito, não encontra sentido algum desconectada da força de sua tradição oral e de sua eficácia ao atualizar seus principais valores através de histórias e narrativas míticas. Pela ênfase na tradição oral utilizada para reproduzir sua história, o artifício de dar nomes aos lugares, serve como importante recurso mnemônico que auxilia os Kaiabi a não apenas se lembrarem de seu passado, mas também a manterem viva até hoje a relação afetiva com a região do Teles Pires, conectando suas práticas presentes com aquelas vividas por seus ancestrais ou por seus heróis mitológicos. Assim, para melhor compreendermos a forma de organização territorial dos Kaiabi, bem como a força da ligação que manifestam com o Teles Pires, é importante recorrer inicialmente à algumas informações sobre seu sistema cosmológico.

Os Kaiabi concebem o cosmos como dividido em camadas sobrepostas, habitadas por uma infinidade de seres não apenas humanos, mas que vivem de forma muito parecida com os humanos. Há muitos tipos diferentes destes seres. Há os diversos 'chefes de animais', os perigosos anyang e mama'é que roubam as almas dos homens, os heróis culturais (demiurgos) que ensinaram aos Kaiabi tudo que sabem hoje em dia, e os

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deuses Mait, os grandes pajés, que atualmente vivem no céu. Todos esses seres povoam os mitos e narrativas através dos quais os Kaiabi compreendem e atuam no universo em que vivem. Outra noção bastante importante na relação que os Kaiabi estabelecem com o cosmos e que define de modo contundente a idéia de pessoa, é que todo ser humano, assim como muitos animais, possui uma i’ang, conceito que podemos traduzir aproximadamente por "alma". Os homens não são dotados automaticamente de uma i’ang ao nascerem. Eles a recebem junto com o nome, o que os incorpora de fato à sociedade em que vivem. A i’ang possui o estatuto de algo extremamente instável e que necessita de ser afirmada em diversos tipos de situações, normalmente voltadas para o conhecimento do mundo e da elaboração da alteridade, como explicarei melhor a seguir.

Nessa relação constante entre pessoa e cosmos, os Kaiabi estruturam seu mundo ao reconhecerem que antigamente havia duas terras (Awa) antes da terra atual. A primeira foi destruída por uma enchente e passou a existir somente no mundo de baixo ou no fundo dos rios. A segunda terra subiu quando a primeira desceu e ficou lá no alto onde o céu se forma, chamado mundo de cima (Iwak). Esse segundo mundo de existência pode ocorrer quando o céu cai sobre a terra, reunificando os dois planos, mas destruindo tudo que fica embaixo. Nessa época em que céu e terra eram unificados viviam misturados com as pessoas humanas seres muito poderosos, chamados de Mait. As pessoas que viviam entre os poderosos Mait eram os ancestrais dos Kaiabi. Nessa época, os Kaiabi podiam desfrutar de muitos dos poderes desses seres, como o machado que trabalhava sozinho fazendo todas as tarefas da roça, sem seus donos terem que se preocupar. Nós atualmente vivemos num terceiro mundo de existência, entre o fundo dos rios e o céu. Segundo os Kaiabi, seres mitológicos com poderes extraordinários, de outras épocas desapareceram, mas, não deixaram de existir.

Contudo, devido a um mal comportamento dos Kaiabi, os Mait resolveram se mudar para o céu, quando uma nova separação entre céu e terra passou a existir. Esses seres atualmente habitam uma realidade diferente da nossa e de lá observam tudo que estamos fazendo. Os xamãs, que viajam nos sonhos para outros mundos podem dizer onde eles estão e contar sobre sua existência atual. Segundo as histórias antigas, quando o céu e terra não ficavam em níveis diferentes, humanos, animais, objetos e espíritos não se diferenciavam uns dos outros. No momento atual, vestígios e seres dessa terra unificada vivem escondidos na floresta, nas beiras do rio, no horizonte e nas montanhas, esperando para voltar algum dia a viver junto com os humanos novamente. Para acessar

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mais diretamente essas concepções e como esta mais recente separação entre humanos e Mait aconteceu, o mito de como Tuiararé – um dos Mait mais poderosos – criou os Kaiabi é bastante revelador.

Tuiararé (A origem dos Kaiabi)9

No começo de tudo Tuiararé vivia na aldeia com seus parentes, mas só havia Tuiararé e a mãe dele. Não tinha mulher, só tinha mãe. Tuiararé estava fazendo peneira e pensando que já era tempo de se casar. Um dia Tuiararé saiu para o mato para colher taquari, bambuzinho e embirra. Fez um grande feixe, e no meio escondeu uma lagartixa que ia ser sua mulher. Ele não queria que a mãe visse.

Quando chegou em casa, Tuiararé pôs o feixe da taquara embaixo da rede. De noite, a lagartixa virava mulher e ia pra rede de Tuiararé dormir com ele. Quando o dia começava a clarear, a mulher virava lagartixa outra vez e se escondia debaixo da sujeira que Tuiararé ia ajuntando cada vez mais. Ele sempre estava pedindo pra mãe não varrer o lixo.“Mãe, deixa tudo do jeito que está; não limpa a casa não; deixa o cisco assim mesmo do jeito que está”.

A mãe não sabia de nada. Um dia depois que Tuiararé saiu, a velha pensou: “Por que meu filho não quer que eu varra a casa? Está tudo tão sujo. Eu vou mesmo limpar um pouco. Vou jogar fora uma parte desse monte de restos de taquara e embirra. É muito lixo. Quando mexeu no monte de sujeira, ela velha e viu o bichinho que morava lá debaixo do lixo. Como ela não sabia de nada, matou logo a lagartixa e jogou fora. Ela pensava que era bicho mesmo.

Tuiararé logo que chegou perguntou pra mãe: “por que você varreu o cisco? Você matou a minha mulher. Por isso é que eu não queria que você varresse a casa”. A velha respondeu: “Você não falou nada pra mim! Se eu soubesse não tinha limpado a casa”. Toda noite, na rede, quando ia dormir Tuiararé ficava pensando em arrumar outra mulher. Um dia ele fez mulher com cera tirada das flechas. Depois chamou a mãe e disse: “Não deixe minha mulher fazer nada, não deixe ela sair no sol, chegar perto do fogo, buscar água no rio. Tudo que precisar, você faz sozinha”.

Certa vez a velha cansada de trabalhar, sozinha pediu à mulher do filho que fosse buscar água pra ela dizendo: “Não sei porque meu filho não quer que você me ajude. Eu já estou muito cansada”. E disse mais: “Aproveita enquanto meu filho não está aqui, pra me ajudar”. A mulher do filho pegou a cabaça e foi buscar água. A mãe de Tuiararé não saiu de casa, ficou só esperando. Como a mulher do filho estava demorando, ela foi atrás saber o que estava acontecendo e encontrou a nora derretendo no meio do caminho. Depois a velha voltou pra casa e esperou o filho.

Chegando em casa,Tuiararé perguntou logo onde estava a mulher. A mãe dele respondeu que tinha mandado a nora buscar água, porque não sabia que ela não

9 Por este ser talvez o mito mais extenso da cosmologia Kaiabi, são poucos os velhos que têm condições de memória apurada para narrá-lo na íntegra, até porque as variações entre os narradores são consideráveis. Desse modo, a linha narrativa me foi contada pelo cacique Atú na aldeia Kururuzinho, no Teles Pires, e alguns detalhes mais relevantes foram acrescidos a partir do velho Tamanaú e também de Chico, em entrevistas realizadas no Parque do Xingu. Informações complementares também foram adicionadas a partir do livro “Os Kayabi do São Manoel” (1989) dos irmãos Villas-Boas e do livro de Grümberg “Os Kaiabi do Brasil Central” (2004). Por fim, apresentei essa versão ao cacique Atú, quando ele sugeriu outras modificações que já se encontram aqui inseridas.

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agüentava sol. “Mãe, por que você faz assim com as minhas mulheres? A primeira você matou. A segunda não podia trabalhar e você deu serviço pra ela. Mandou ela buscar água. Por que você faz assim? A minha mulher não era gente, era de cera. Ela não podia tomar sol”. Agora vou procurar gente de verdade, gente de longe”. Depois de falar assim, Tuiararé começou a arrumar suas coisas para viajar.

Não muito longe de sua aldeia Tuiararé encontrou outra gente. O pessoal mandou ele esperar comida. Era só beiju que eles tinham. Tuiararé comeu bastante e dormiu na aldeia dessa gente. No outro dia Tuiararé levantou cedo, e resmungou baixinho: “Essa gente parece caitetu, só come mandioca”. A filha do chefe queria casar com Tuiararé, mas ele não gostou dela. Quando o dia clareou duma vez, ele começou a arrumar as suas coisas pra continuar viagem. Já andando, começou a falar com ele mesmo: “Essa gente, é gente de verdade, mas parece porco, porque só come mandioca. Por isso o nome deles agora é taiteto (caititu)”.

Mais à frente Tuiararé encontrou outro caminho cortando seu. “Tem gente pra lá, disse ele, e eu vou visitar”. Chegando à aldeia, os moradores mandaram logo ele sentar: “Senta aí. Vamos conversar um pouco”. Tuiararé sentou e começou a conversar. Perto, num canto da casa, tinha uma velha socando milho. Tuiararé ouviu ela dizer: “Esse homem é muito falador. O melhor é matar e comer logo. Ele fala muito”. Tuiararé, ouvindo, deu até logo e se afastou rápido. Os homens da aldeia pegaram flechas e bordunas e correram atrás de Tuiararé, mas não o alcançaram.