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Fonte: Grünberg (2004) Cartografia: Frederico Oliveira

84 A Expedição de Pyrineus

Seguindo, portanto, as determinações de Rondon, para uma exploração mais efetiva do rio Teles Pires, a expedição liderada por Pyrineus de Souza partiu, em fevereiro de 1915, quando alcançaram as margens do rio Paranatinga. Nesse trajeto até o rio, Pyrineus já observara muitas habitações bem estabelecidas de seringueiros, casas bem construídas e lavouras grandes, trabalhadas pelos índios Bakairi. Havia os Bakairi Xinguanos e os Bakairi do Teles Pires. Eles comerciavam entre si arcos, panelas de barro e cestos, sendo os Bakairi do Teles Pires, considerados mansos. De acordo com Pyrineus, os Bakairi contam de um sangrento combate em que lutaram e venceram os Kaiabi pelo controle do Salto Magessi, pois era um lugar reputado como muito piscoso39. Os Bakairi, nessa época viviam na região do Arinos e do Paranatinga. Tinham contato com os seringueiros, mas não havia ainda contato dos seringueiros com os Kaiabi, uma vez que já se tinha notícias de que eram índios bravios e por isso os seringueiros evitavam de trabalhar nas cabeceiras dos córregos, onde se imaginava que ficavam as aldeias Kaiabi (Pyrineus de Souza, 1916: 69). A partir dessa informação e das informações de outros viajantes que passaram pelo Teles Pires, é possível inferir que os Kaiabi realmente não tinham por costume estabelecer aldeias às margens de grandes rios como o Teles Pires ou Xingu, da forma como fazem atualmente.

Primeiramente, a expedição fez o levantamento do Paranatinga, para depois chegar ao Teles Pires propriamente dito40. Pyrineus relata que a 32 km do Teles Pires ou 400 km das nascentes do Paranatinga, o rio faz barra pela margem esquerda com o ribeirão Morocó. Encontra-se ali o último barracão de seringueiros mato-grossenses e de propriedade da firma Orlando & Irmão (1916: 11). Os primeiros rastros dos Kaiabi foram avistados pouco abaixo, antes de alcançarem a foz do rio Verde. A 636 km das cabeceiras do rio Paranatinga, apareciam os primeiros índios Kaiabi no dia 8 de maio de 1915. Eram quatro homens que subiam o rio Teles Pires embarcados em uma canoa de casca: “Diante da presença, tiveram grande surpresa e medo; rápidos abicaram a canoa à margem direita, que estava, mais próxima, em emaranhado saranzal, descarregando-a

39 O Salto Magessi localizado acima da foz do rio Verde era também um local de influência dos Kaiabi, evidenciando que esses índios andavam até o alto curso do Teles Pires. Após esse combate, os Kaiabi teriam se retirado, descendo um pouco o rio e se estabelecendo mais próximos à barra do rio Verde. 40 O Paranatinga mudava seu nome para Teles Pires ou São Manoel após o encontro com as águas do rio Verde.

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muito às pressas falando sempre: Caiabi, apinacó, apinin, muié, etc” (:73). Como a mata onde eles entraram era muito fechada, a expedição achou prudente não parar e se dirigiram então para um campo de capim mais aberto que avistaram à volta do rio, chamando-os para lá por sinais e mostrando-lhes machados, facões e contas. Reembarcaram-se na casca e seguiram o grupo, mantendo certa distância e perguntando: Caiabí apinacó? Caiabi apinin? Akilí. Esta última palavra já era conhecida da expedição a partir dos Bakairi; quer dizer vem, chamando os para se aproximar41. Ficaram chamando os índios e mostrando os facões e machados. Então, três índios aproximaram-se do barranco onde tinham sido deixados os presentes e com muito medo pegaram os instrumentos. Ficaram visivelmente satisfeitos e mais confiantes, enquanto o outro índio tinha ficado escondido no mato com arcos e flechas, garantido a retirada dos companheiros. Os índios estavam completamente nus, trazendo o pênis amarrado com um cordão grosso na extremidade do prepúcio (: 73-74).

A partir do dia 9, começaram a descer cuidadosamente o rio quando alcançaram a barra do rio Verde, a 656 km das nascentes do Paranatinga. Os encontros se tornaram mais freqüentes, com os índios se aproximando com menos desembaraço e oferecendo presentes como colares, brincos e espigas de milho para trocar por machados e contas, que recebiam com notável entusiasmo. Os Kaiabi tinham o corpo pintado com urucum e na altura da boca tinham duas listras pretas paralelas, largas, feitas com tinta de jenipapo. Terminadas essas trocas os Kaiabi se embrenharam na mata novamente, dando a entender que retornariam com mais companheiros (: 77).

Quando os expedicionários aportaram, sem saber, próximos a um grande aldeamento dos Kaiabi, foram recebidos por um grupo superior a cem, entre homens e crianças, todos “bizarramente” enfeitados e com vistosos chapéus e diademas de pena de gavião, de garça branca, de arara, de mutum e de jacamim. “Os homens estavam desarmados, pelos gestos e atitudes se mostravam amistosos e tinham se enfeitado para receber e não atacar o grupo” (:77). Tiraram várias fotografias e trocaram presentes que trouxeram para o Museu Nacional. Essas fotografias infelizmente se perderam após um alagamento da equipe. Além de colares, a equipe recebeu também cestos de amendoim. Infelizmente, pelas dificuldades de transporte e pecuniárias, não tinham levado machados suficientes para distribuir a toda aquela gente, mas procuraram agradar a

41 Provavelmente por essa razão os Kaiabi seriam classificados erroneamente, a partir desse encontro, enquanto falantes de uma língua do tronco caribe, assim como os Bakairi.

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todos. Desse momento em diante, os Kaiabi se tornaram companheiros de viagem da equipe, se mostrando sempre bem humorados e dispostos a auxiliar nas dificuldades enfrentadas. Os índios acompanharam o grupo quase todo esse dia e praticamente os obrigavam a comer da comida deles, principalmente o beiju e o amendoim. Quando ofereciam a eles a comida da expedição, eles terminantemente se recusavam alegando que tinham o dente a doer, mas pareciam estar mais preocupados e com medo de serem envenenados. (: 80-81).

Pelos relatos de Pyrineus fica evidente a fascinação que os Kaiabi manifestavam pelos objetos metálicos e a ânsia que apresentavam para trocar alguma coisa pelos machados e facões. Apesar da constante presença amistosa dos índios, a situação parecia ir ficando mais tensa à medida que os machados e facões iam se acabando. Segundo Pyrineus, alguns índios velhos, como também índias velhas fingiam ajudá-los a arrastar as canoas somente com o fim de tirar qualquer ferro que encontrassem à mão. Em outro momento ele comenta que “todos os canoeiros esconderam seus facões; somente nós trazíamos à cinta a nossa faca, e o revólver, que eles respeitavam a ponto de não tocarem na faca, olhada com cobiça pelos mais velhos. Outros dois companheiros tinham suas armas a tiracolo, pois desse modo os índios não ousavam mexer em cousa alguma” (: 81-82).

Em uma praia de areia à margem direita, cerca de duzentos índios – homens, mulheres e crianças – estavam reunidos e diziam Api’nakó e Api’ni. Por algum mal entendido, Pyrineus e seu grupo ficaram com a falsa impressão de que essas duas palavras significavam machado e facão na língua Kaiabi, mas na realidade Api’nakó e Api’nin são formas respeitosas que os Kaiabi utilizam para falar quando estão se dirigindo a um homem mais velho; quer dizer algo como “aqui está senhor”. Não tendo mais machados e facões, distribuíram contas, prometendo que voltariam para atender a todos eles; acreditaram e se conformaram, repetindo nos dedos o número de dias que a expedição gastaria para voltar. À noite os índios retiraram-se para suas aldeias e o grupo pernoitou em uma ponta de pedra com redobrada vigilância, porque observaram que os Kaiabi já não mais os agradavam e obsequiavam com a alegria que mostraram a princípio. Supunham que tinham ainda machados, pois apalpavam toda a bagagem e muitos se mostravam desconfiados e não acreditavam que voltariam para presenteá-los.

Há que se destacar que em nenhum momento a expedição foi convidada a visitar as aldeias dos Kaiabi, evidenciando cada vez a reserva que estes índios mantinham no

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contato com os brancos42. Tornava-se cada vez mais claro que o único interesse dos Kaiabi pelos expedicionários estava voltado exclusivamente aos presentes, mais especificamente aos machados e facões. Depois que a equipe transpôs as cachoeiras Curupi e 13 de Maio, os índios desapareceram rapidamente e uma flecha, partindo do mato, veio cair bem junto a uma das canoas, que era a última a sair. No dia 14 de maio passaram sem parar – pois não tinham mais presentes – ao meio dia por uma grande roça, junto à cachoeira que batizaram de Apinacó, a 7 km da cachoeira 13 de Maio.

É possível, pois, reconhecer a partir desse relato que a expedição estava atravessando o que deveria significar o centro de convergência das várias aldeias Kaiabi, que era essa porção do Médio Teles Pires, alguns quilômetros abaixo da foz do rio Verde. Inclusive, pelos breves dados demográficos relatados por Pyrineus, deveriam ter encontrado pelo menos com 400 indivíduos, sem contar aqueles que ficaram nas aldeias ou preferiram eventualmente se esconder na mata. Por esses relatos é bem provável que se possa sugerir a ocupação espacial ao longo do Teles Pires, com a predominância de unidades familiares, centradas na família extensa. Contudo, a partir de aparições em número tão grande e de forma bem sincronizada e mesmo que a expedição não tenha visitado as aldeias, não é de se descartar a tendência de que os Kaiabi também se organizassem em aldeias maiores, mesmo antes do contato direto com os brancos. O que realmente se sabia, até pelas informações prestadas por Grünberg (1970) é que antes da transferência para o Xingu, as casas Kaiabi eram bem grandes, pois abrigavam todos os membros de uma família extensa. Essas casas mediam em torno de 12 metros de largura por 24 de comprimento e sua cobertura de palha ia até o chão.

Já percebendo que não mais receberiam presentes dos brancos, os Kaiabi começaram a aparecer com seus arcos e flechas, em atitude hostil, completamente nus, sem qualquer tipo de ornamento. Para afugentá-los, a expedição deu um tiro de dinamite que parece tê-los enraivecido ainda mais. A gritaria continuava assustadora pela mata a fora, em ambas as margens. Durante a noite os índios tentaram emboscar o grupo de

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Esta informação sobre as dimensões, localizações e configurações das aldeias Kaiabi antes do contato é uma lacuna que infelizmente não pode ser preenchida com muita segurança. Não há registro algum de representante da sociedade nacional ou etnólogo que tenha visitado suas aldeias antes de serem atraídos e “pacificados” pelas primeiras iniciativas dos SPI. Contudo, a partir de informações da cosmologia Kaiabi e de entrevistas realizadas por Grünberg em seu trabalho de campo em 1966, de outras pesquisas, incluindo a minha, é possível se ter uma idéia de como os Kaiabi se estabeleciam em aldeamentos para seguirem sua vida cotidiana.

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Pyrineus, porém sem sucesso. Nesse trajeto, até a expedição deixar a área dos Kaiabi e após se acabarem os machados e facões, as relações sempre foram muito tensas, com várias ameaças por parte dos índios, saraivadas de flechas, explosões de dinamite e em alguns momentos a equipe conseguia ainda trocar algumas contas por amendoins. Após passarem a chamada “Cachoeira da Emboscada”, a expedição de Pyrineus não viu mais nenhum Kaiabi e seguiram descendo Teles Pires, rumo ao Sete Quedas. Segundo ele, tratava-se de uma tribo, guerreira, bastante numerosa e consideravelmente dispersa pelo território (: 91).

Baseado no relato de Pyrineus fica evidente que o único interesse que os Kaiabi apresentavam em relação aos brancos era em seus machados e facões de metal, que certamente já não eram novidade, em função muito provavelmente do contato intermitente com os seringueiros e das redes de trocas existentes com outras etnias, em especial os Apiaká e os Bakairi. Assim, realmente essas histórias de que na primeira oportunidade, os índios se rendem imediatamente à superioridade tecnológica dos brancos, sequer faz algum sentido no caso dos Kaiabi. De fato, parecia haver algum respeito pelos expedicionários, pelo menos no início das interações. Considerando o fato dos Kaiabi se referirem aos brancos por Api’nakó e Api’nin, que designam pronomes de tratamento para pessoas mais velhas e de mais sabedoria, os brancos deveriam ser associados a pessoas de respeito, imagino que principalmente por estarem portando muitos machados e facões. Somado a isso, os Kaiabi concebem os brancos como seres vindos de um mundo acima do seu. Logo, é de se esperar que manifestassem certo receio e cortesia num primeiro tratamento. Porém, após terem conseguido aquilo que queriam, ou seja, os machados e também que os brancos comessem de sua comida, pode-se supor que o grau de distanciamento já seria bem menor, o que permitiria aos Kaiabi tentar matá-los para então levar suas cabeças para a aldeia. Num texto de Berta Ribeiro (1987: 278) sobre os desenhos Kaiabi, aparece uma fala muito espontânea que exemplifica bem essa relação. Segundo o interlocutor da autora: “Primeiro nós dá presente pra ele, que é pra amansar, depois nós toca a borduna nele”. Ainda nessa linha da pacificação, podemos também interpretar que pela proximidade do mundo dos brancos com o mundo dos Mait43, os brancos possuíam instrumentos como machados e

facões bastante potentes, próximos àqueles que existiam em tempos míticos, que trabalhavam a roça sem que os Kaiabi precisassem se esforçar. Assim, se aproximando

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desses seres e conseguindo utensílios que pertenciam a eles, pode ser considerada uma atitude de coragem, de aproximação de seus heróis míticos e de pacificação ao mesmo tempo.

Certamente a expedição de Pyrineus de Souza, que passou pouco mais de uma semana em território Kaiabi, não serve ainda como um exemplo de sobreposição de cosmografias ou sequer significa um distúrbio ao sistema sócio-ecológico dos Kaiabi. Pelo contrário, a presença dos brancos serviu muito mais para os Kaiabi articularem sem maiores esforços as regras e padrões sociais no que toca o encontro com outros grupos. A expedição fazia parte das iniciativas de vanguarda do governo brasileiro e já representava o interesse cada vez maior pelo Centro-Oeste do país e na ligação das duas porções até então sem comunicação da região Amazônica. Contudo, a política brasileira ainda era dominada em boa medida pelos patriarcas do café e mais especificamente pelos governos de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Assim, apesar de haver alternativas significativas para desenvolver a região central do país, como a criação de ferrovias, as oligarquias cafeicultoras em decadência tinham pleno controle do aparelho estatal e aplicavam os recursos na forma que achavam mais conveniente para seus interesses. Com a instituição do Convênio de Taubaté de 1906 até 1924, os preços do café eram mantidos artificialmente altos, garantindo-se os lucros dos cafeicultores. Como principal conseqüência dessa política temos o aumento da dependência financeira do Brasil em relação à Inglaterra, devido à necessidade de obter vultosos empréstimos dos banqueiros ingleses para serem empregados nas operações de compra das enormes safras de café. Dessa forma, nas primeiras décadas do século XX, o governo enfrentou os obstáculos de uma economia frágil e dependente, que só iria participar de forma mais decisiva na ocupação da Amazônia em meados do século XX. Será, então, de fora do país que viria o grande estímulo para o contato dos Kaiabi com a primeira frente de expansão a entrar de forma contundente em seu território e alterar sensivelmente seu modo de vida e sua territorialidade.

Cosmografia mercantil da borracha

Apesar da reconhecida aptidão extrativa desde o século XVII, seria mais especificamente com a borracha que a Amazônia se tornaria um ator chave na economia mundial (Little, 2001: 27). No século XIX, as inovações tecnológicas estimularam a

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demanda industrial pela borracha. Em 1839, a Goodyear descobriu como trabalhar o látex natural, de forma a manter sua consistência, apesar de mudanças na temperatura. Conhecido como vulcanização, o processo transformava a borracha não apenas num um item inovador, mas num valorizado commodity em escala internacional de mercado. O comércio da borracha teria condições de se expandir com a introdução de navios a vapor, em 1853, que reduzia o tempo de transporte e com a invenção de John Dunlop (1888), do pneumático. Inicialmente os pneus foram usados nas bicicletas e mais tarde, a demanda por látex natural veio através das fábricas de automóveis, que passavam a utilizar esse material na criação de pneus e acessórios (Schmink & Wood, 1992: 42).

Embora a borracha fosse produzida a partir de uma variedade de árvores encontradas nos países tropicais da América, nenhuma delas era capaz de produzir uma borracha de alta qualidade como a seringueira (Hevea brasiliensis), encontrada majoritariamente na bacia amazônica e no território brasileiro. O sistema de transporte pelos regatões, que já trabalhavam com produtos florestais, permitiu que em meados do século XIX se intensificasse a extração do látex na Amazônia. De 1825 a 1850 a produção estava concentrada principalmente em volta de Belém e distritos próximos. Diferentemente dos arranjos administrativos e territoriais que se desenvolveriam mais tarde, nesse período inicial os seringueiros trabalhavam de forma independente, coletando a borracha de lugares aparentemente sem dono, enquanto suas mulheres e crianças cultivavam lavouras de subsistência em planícies alagadas. Quando a demanda pela borracha aumentou, entre 1850 e 1870, a estrutura preexistente de comerciantes itinerantes se transformou numa rede hierárquica mais organizada, dominada por casas de exportação de borracha, sediadas em Belém e Manaus. A partir dessa época, muitos seringueiros foram recrutados por essas empresas, sem permissão de trazerem suas famílias ou se engajarem em roças de subsistência, atividade que poderia distraí-los do trabalho extrativo. Esse novo tipo de arranjo fez com que os trabalhadores se tornassem mais dependentes dos postos de comércio, que se instalavam próximos aos locais de coleta do látex.

Em 1872, foi enviada a Paris, para controle de qualidade, a primeira borracha nativa explorada em Mato Grosso. As primeiras empreitadas para o estabelecimento de seringais na Amazônia meridional, em 1873/74, foram em sua maioria mal sucedidas, pelo contato hostil com os índios e problemas com doenças como a malária principalmente. As casas de comércio de Cuiabá começavam a patrocinar expedições

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para pesquisar a viabilidade de exportação das gomas, que se encontravam em territórios indígenas até o início do século XX. Havia duas frentes de penetração que se direcionavam à Amazônia meridional; uma primeira vinha de Belém e já alcançava os principais afluentes do Alto Tapajós (Coudreau, 1977). Seguindo exemplos bem sucedidos do norte amazônico, logo houve uma grande concentração de seringueiros na região Arinos-Juruena, principalmente no Baixo Juruena, o que teria resultado na quase total extinção dos Apiaká como tribo. Até 1910, uma parte desses índios se retraiu para o sudeste, na região do médio Teles Pires. (Grünberg, 2004: 47). A segunda área de penetração de seringueiros, partindo de Cuiabá e Diamantino, foi o Alto Teles Pires com duas ramificações, o Paranatinga e o rio Verde e seus afluentes. A maior parte dos Kaiabi vivia, ainda durante esses contatos não regulares, na beira do Paranatinga e rio Verde. Em 1899, os seringueiros avançaram sistematicamente em direção ao norte, ao longo das matas ribeirinhas do Alto Paranatinga e rio Verde. Os Kaiabi, que ali habitavam, resistiram agressivamente e mataram alguns seringueiros e levaram suas cabeças degoladas para a aldeia. Registraram-se ainda ataques de Kaiabi às zonas de ocupação brasileiras. (: 47-48). Em 1900, o comerciante cuiabano José Benedito Gomes Pedroso empreendeu uma expedição ao Alto Teles Pires, com a finalidade principal de pacificar os Kaiabi. Poucos são os dados etnográficos dessa expedição, mas num breve relato ele dá conta que os índios apareciam, trocavam presentes e iam embora, ou procuravam expulsar os invasores tão logo os presentes iam acabando (: 48). Em 1910, Os Kaiabi mataram o gerente de um seringal e uma subseqüente expedição punitiva matou muitos Kaiabi e raptou seus filhos (: 50). Esses primeiros contatos nada amistosos com os expedicionários e seringueiros já explicam com propriedade porque a expedição de Pyrineus de Souza havia encontrado os Kaiabi abaixo da foz do rio Verde com o Teles Pires, cinco anos mais tarde.

A criação de extensivos seringais estabeleceu uma nova entidade territorial na Amazônia brasileira que iria dominar amplamente a região até o declínio do ciclo desenvolvimentista global, que culminaria na Segunda Guerra Mundial (Little, 2001: 29). Uma vez que a necessidade dos seringueiros por armas de fogo, ferramentas e