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CAPÍTULO 2 – CAMINHOS METODOLÓGICOS

2.4 Apresentação e análise dos dados

A apresentação dos dados para análise deu-se através da seleção de dois macroeventos de letramento. De acordo com Heath (1982), o evento de letramento, enquanto ferramenta conceitual, é qualquer ocasião na qual um material escrito integra a interação e os processos interpretativos de sujeitos. Nesse mesmo sentido, para Barton e Hamilton (2000, p. 8, tradução nossa), os eventos de letramento são “episódios observáveis que surgem a partir de práticas e são moldados por elas”.

Castanheira e Street (2014) afirmam que os conceitos de eventos e de práticas de letramento estão intimamente conectados. Segundo Street (2012), as práticas de letramento lidam com os eventos, mas conecta-os às questões de ordem social e cultural, sendo, portanto, uma concepção mais abrangente para a discussão da leitura e

da escrita. Este autor exemplifica que é possível tirar uma fotografia de um evento, mas não de uma prática, pois esta envolve dialogar com os sujeitos e relacionar as experiências instantâneas de leitura e de escrita destes às outras atividades das quais eles participam. Os eventos, por sua vez, podem ser observados e podemos traçar os contornos característicos que os compõem. Sendo assim, conforme apresenta Castanheira e Street (2014), as práticas interpretam os eventos buscando compreender quais são os significados que pessoas, de um determinado grupo social, conferem à leitura e à escrita.

Como mencionado, nesta pesquisa, apresentamos os dados como eventos de letramentos, pois acreditamos na utilidade deste conceito que “capacita pesquisadores, e também praticantes, a focalizar uma situação particular onde as coisas estão acontecendo e pode-se vê-las enquanto acontecem” (STREET, 2012, p. 75). Desse modo, além de ser um modelo de análise para o pesquisador, os eventos de letramento possibilitam, conforme Castanheira e Street (2014), a caracterização de quando, como e onde os sujeitos dialogam, leem ou escrevem a partir da escrita. Ainda na visão destes pesquisadores, tais eventos acontecem nos mais variados lugares sociais, com diferentes características e funções. Exemplo de eventos e letramento são momentos quando o professor passa uma anotação no quadro, quando um aluno lê um texto do livro didático, quando discentes produzem um texto etc.

Neste estudo, focalizamos nesses fatos observáveis, a partir de uma materialidade textual, que ocorreram, de modo principal, a partir de dois gêneros discursivos: o marcador de página e a tirinha. Optamos por denominá-los como macroeventos de letramentos, por verificarmos que, em um evento como a produção de um marcador de página, por exemplo, houve um trabalho com outros gêneros discursivos como a escrita e a leitura de anotações no quadro. Isso evidencia que, para se chegar a um evento de letramento como a produção de um marcador, professora e alunos envolveram-se em outros eventos que constituíram o processo de aprendizagem de tal gênero. Portanto, enquanto dados analisáveis, estes dois macroeventos de letramento foram apresentados e discutidos no terceiro capítulo e, no quarto, analisados, a partir de três categorias de análise: i. concepções docente, ii. recursos didático- pedagógicos e iii. abordagem e estratégias discursivas.

De acordo com Vianna (2003), a observação não exclui o emprego de outras técnicas de coleta de dados, inclusive na hora de se levantar dados, ela é mais rica que as entrevistas e os questionários se usados de forma isolada, por exemplo. Sendo assim,

os dados obtidos através da observação podem ser triangulados com os de outras técnicas, como entrevistas, assim como podem ser comparados a partir de outras teorias e outras pesquisas já realizadas.

Por essa razão, na análise dos dados, essa tríplice categorização que propomos foi cotejada a partir de dados obtidos via entrevista semiestruturada realizada com a docente, isto é, através de outra fonte metodológica de dados, assim como a partir das observações que realizamos no intervalo de tempo no qual estivemos na escola. Além disso, retomamos, de alguma forma, algumas das pesquisas acadêmicas às quais tivemos acesso – sejam aquelas do levantamento bibliográfico (descrito no primeiro capítulo) realizado no Portal da CAPES, sejam as encontradas em outras fontes.

Segundo Flick (2009), nas pesquisas qualitativas, a triangulação é uma estratégia metodológica na qual se torna necessário tomar diferentes perspectivas sobre uma questão investigada e, por isso, ela pode proporcionar maior qualidade à investigação. No caso da triangulação de diferentes métodos qualitativos, de acordo com Flick (2009, p. 91):

Isso pode ser feito combinando-se métodos direcionados ao conhecimento – cotidiano, especializado ou biográfico – dos participantes com métodos que estejam abordando as práticas observáveis – individuais ou interativas – dos membros. Se assumimos essa indicação de triangulação, não faz muito sentido combinar duas formas de entrevistas em um estudo, porque ambas podem abordar diferentes aspectos do conhecimento, mas não irão além do nível do conhecimento na coleta de dados. Seria o caso se as entrevistas fossem complementadas por um método como a observação ou uma análise de interação.

Nesse sentido, nesta pesquisa, os dados da observação são triangulados através dos da entrevista semiestruturada, a fim de que esta combinação possibilite confrontar o que observamos da prática da professora e o que esta diz sobre seu trabalho docente. Dessa maneira, uma nova perspectiva é introduzida que permite comparar – convergente ou divergentemente – os resultados obtidos. A respeito disso, Flick (2009) menciona que com a triangulação não se deve esperar resultados iguais através de metodologias diferentes, mas complementares ou até mesmo divergentes, já que cada método carrega em si maneiras específicas de lidar com o fenômeno em estudo.

Ainda a respeito da análise dos dados, concebemos, conforme afirma Luna (2004, p. 32), que “O referencial teórico de um pesquisador é um filtro pelo qual ele enxerga a realidade, sugerindo perguntas e indicando possibilidades”. Portanto, nosso olhar interpretativo e analítico para tais dados foi guiado à luz das teorias apresentadas

no primeiro capítulo, como aquelas relativas aos (multi) letramentos, à multimodalidade e aos gêneros discursivos em (inter) ação no ensino de Língua Portuguesa.