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Apresentação da proposta de pesquisa no estabelecimento escolar Do contato com diretora da escola e outros atores escolares

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 80-86)

Em março de 2008, fomos ao estabelecimento escolar para propor a realização da pesquisa. Num primeiro momento, conversamos com a diretora da escola. Dissemos, naquela ocasião, que o objetivo da pesquisa girava em torno de impasses e turbulências presentes no cotidiano escolar. Investigaríamos momentos de invenção e participação autônoma no contexto escolar. Para tanto, pedimos autorização para observar o cotidiano escolar e ouvir professores, alunos, agentes escolares, agentes operacionais e direção da escola.

Perguntamos sobre a possibilidade de participar de reuniões com o corpo docente para discutir alguns temas referentes ao cotidiano escolar. Explicamos as condições éticas ao sigilo, anonimato e participação voluntária (vide anexo 4). A diretora concedeu autorização à realização da pesquisa e se colocou à disposição:

As portas estão abertas, pode utilizar a escola como celeiro de pesquisa; mesmo que o resultado não seja positivo, acho importante que utilize a escola como referência para pesquisa (diretora).

Em seguida, conversamos informalmente com alguns professores e com o vice- diretor sobre nosso objetivo em realizar uma pesquisa naquele estabelecimento. Após ouvir-nos discorrer sobre o projeto de pesquisa, uma professora perguntou se éramos idealistas. Demonstramos incompreensão frente àquela pergunta. Em seguida, ouvimos a seguinte afirmação: “Você é idealista, quem é idealista não deixa de ser nunca! Você é idealista”.

Minutos depois, na presença de aluna que aguardava o momento para receber uma punição, um membro do corpo diretivo nos falou: “Você vai perder noites de sono, estudar tanto para ajudar esse povo, será que eles merecem?” Após ouvir esta fala, sentimo-nos incomodados, mostramos a ele nossas inquietações e preocupações pertinentes ao campo da educação, formação de alunos, práticas de ensino etc.

Nossa entrada na escola se deu em meio a um clima de agitação. As conversas eram sempre interrompidas por outras pessoas em busca de ajuda para a resolução de algum problema. De modo geral, nosso contato inicial com os participantes da pesquisa ocorreu no rumoroso ambiente escolar.

Do contato com a coordenadora pedagógica

Entramos em contato com uma coordenadora pedagógica responsável pelo período noturno. Apresentamo-nos como ex-professor da escola e atual pesquisador em processo de formação. Discorremos sobre os objetivos da pesquisa e

pergunteamos pela possibilidade de participar de um HTPC19, para efetuar a

apresentação da pesquisa à equipe docente. Também dissemos que gostaríamos de participar de outras reuniões de HTPC, a fim de promover espaços de discussões em torno de elementos do cotidiano escolar detectados no processo de pesquisa. Finalmente, combinamos um dia para apresentação da pesquisa à equipe docente.

Da apresentação da proposta de pesquisa aos professores em HTPC Após nos reapresentarmos à coordenadora pedagógica, expliquei, pela segunda vez, quais seriam os objetivos do projeto de pesquisa20. Dissemos que estávamos ali para apresentar os objetivos da pesquisa ao grupo de professores, conforme havíamos combinado na semana anterior. Mas fomos avisados sobre excesso de pendências entre professores e, portanto, sobre a impossibilidade de efetuar a apresentação do projeto naquela reunião de HTPC. Mesmo assim, insistimos e conseguimos combinar uma breve apresentação aos professores. Vinte minutos depois, recebemos autorização para falar com a equipe.

No início da apresentação, muitos professores conversavam. Aguardamos por alguns segundos, depois dissemos que gostaríamos de utilizar dez minutos da reunião para apresentar um projeto a todos os presentes. Em tom irônico, uma professora comentou: “Um minuto já foi”. Após o comentário, os professores fizeram

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Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC): espaço reservado para troca de experiências entre professores e pedagogos. O significado da HTPC é dado pela Portaria CENP nº 1/96 - L.C. nº 836/97. Segundo esta portaria, os objetivos da HTPC são: I. Construir e implementar o projeto pedagógico da escola; II. articular as ações educacionais desenvolvidas pelos diferentes segmentos da escola, visando a melhoria do processo ensino-aprendizagem; III. identificar as alternativas pedagógicas que concorrem para a redução dos índices de evasão e repetência; IV. possibilitar a reflexão sobre a prática docente; V. favorecer o intercâmbio de experiências; VI. promover o aperfeiçoamento individual e coletivo dos educadores; VII. Acompanhar e avaliar, de forma sistemática, o processo ensino-aprendizagem.

silêncio. Ao iniciar a apresentação, entregamos um pequeno roteiro a cada dupla de professores e, em seguida, apresentamos a proposta de pesquisa.

Alguns professores se retiraram da sala, esclarecemos dúvidas referentes ao problema e método de pesquisa aos que ali permaneceram. Dissemos que acompanharíamos situações no/do cotidiano escolar, para compartilhar impressões e análises com eles.

No início de nossa fala havia cerca de vinte professores no local. No transcorrer da apresentação, houve um esvaziamento. Ao final, constatamos a presença de oito professores, dos quais apenas cinco interagiam conosco por meio de olhares atentos e perguntas sobre a pesquisa. Conseguimos autorização verbal de quatro professores para acompanhar algumas aulas por eles ministradas.

Nossa entrada na escola parece ter sofrido o impacto do ritmo acelerado dos processos de trabalho na escola, onde tudo acontece tão rapidamente que não sobra tempo para trocas mais fecundas. Além disso, as estratégias utilizadas na apresentação da pesquisa não permitiram uma ruptura diante da ligeira cadência escolar. Temos a impressão de que esta proposta de pesquisa, da maneira como foi apresentada, foi posta no mesmo lugar das já demasiadas “tarefas” escolares.

Provavelmente, se utilizássemos uma estratégia menos diretiva, na qual os professores pudessem participar mais ativamente, a receptividade do trabalho seria outra. Os professores já sofrem com excesso de atividades que, muitas vezes, não lhes proporcionam retorno satisfatório.

Sobre a contratação

Na apresentação da proposta de pesquisa à direção, coordenação pedagógica e equipe docente, garantimos sigilo absoluto aos participantes da pesquisa. Discorremos acerca da importância em acompanhar vários momentos do cotidiano escolar, dentro e fora das salas de aula. Combinamos efetuar a escolha de três ou quatro situações reveladoras, sucedidas durante o processo, sendo estas positivas ou não, para utilizá-las em reuniões com grupo de professores em HTPC. Por fim, levantamos a previsão para a realização de um último encontro, para discutir análises e considerações sobre a pesquisa com diversos atores da escola.

Os encontros não foram realizados devido a mudanças nos planos da pesquisa. Neles, abordaríamos assuntos levantados durante as rodas de conversa e entrevistas, tais como: excesso de tarefas na prática docente, tensões na relação entre a escola e a ONG parceira, dentre outros assuntos recorrentes no cotidiano escolar. No entanto, ao receber a proposta para os encontros com professores, em meados de agosto de 2008, a diretora não autorizou a realização dos encontros com o grupo docente.

Sabemos das perdas provenientes desta intervenção, pois perdemos a oportunidade de abrir coletivamente aquilo que Lourau (1993) chamou de “caixa- preta”, para falar sobre assuntos e temas que não foram abordados nas rodas de conversas e contatos informais com os participantes da pesquisa. A finalidade dos encontros era restituir o saber produzido durante a etapa de observação participante nos encontros com professores21. Também perdemos a possibilidade de promover, entre os professores, discussões sobre temas pertinentes ao cotidiano escolar. Uma

21 Para Lourau (1993), restituir é falar de coisas que, muitas vezes, são deixadas à margem. É enunciar fatos. Vale ressalvar que o conceito de restituição ultrapassa a idéia de feed back, de devolutiva. Restituição não é prática exclusiva do pesquisador. Os participantes podem, através dos efeitos suscitados no transcorrer da pesquisa, portanto, no processo de intervenção, produzir outras restituições, processo que Lourau chamou de “socialização da pesquisa” (LOURAU, 1993, p. 56).

vez que os mesmos se queixam da falta de oportunidades para discutir e fazer circular a fala durante as reuniões de HTPC. Nosso objetivo era viabilizar novos processos de análise, disparar novas questões ao corpo docente.

Apesar do impedimento da nossa participação nas reuniões, compartilhamos nossas leituras acerca do cotidiano escolar durante as visitas de observação participante, nas rodas de conversa, no trabalho com grupo de jovens alunos, em conversas nos corredores, enfim, no transcorrer da pesquisa. Partilhamos impressões, incômodos, inquietações, por fim, restituímos. Este ato de restituir não deve ser entendido como “caridade”, favor etc. Nas palavras de Lourau (1993), restituir “[...] é uma atividade intrínseca à pesquisa” (LOURAU, 1993, p. 56).

Entendemos que o processo de investigação é co-produzido entre diversos atores envolvidos na pesquisa. Reconhecemos que, sem a participação ativa de alunos, professores, coordenadores pedagógicos, direção de escola e agentes escolares, não haveria pesquisa. Portanto, um pesquisador ciente de seu ato político e de sua implicação no campo de análise compartilha dados da pesquisa e levanta questões pertinentes ao processo de investigação.

Lourau (2004) não emprega a palavra implicação como sinônimo de “compromisso, participação, investimento e motivação” (LOURAU, 2004, p. 246). O termo é utilizado para designar uma postura adotada por intelectual e/ou pesquisador diante da sociedade, diante do objeto de investigação. O pesquisador implicado é

[...] definido como aquele que analisa as implicações de suas pertenças e referências institucionais, analisando também o lugar que ocupa na divisão social do trabalho, da qual é um legitimador. Portanto, analisa-se o lugar que se ocupa nas relações sociais em geral e não apenas no âmbito da intervenção que está sendo realizada; os diferentes lugares que se ocupa no cotidiano e em outros locais da vida profissional (COIMBRA, 1995, p.66).

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 80-86)