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Considerações Finais

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 151-157)

Em tempo de “concluirmos” este trabalho, perguntamo-nos: quais são as possíveis contribuições desta pesquisa? O que ela produziu, do ponto de vista da compreensão acerca dos processos que envolvem práticas assujeitadoras e/ou

práticas alterativas?

Sobre os processos acompanhados

Em nossa imersão no campo buscamos identificar e analisar práticas escolares em uma modulação ora de assujeitamento de subjetividade, ora de práticas de produção de subjetividade. Acompanhamos as práticas de sala de aula, bem como as que envolveram o “dispositivo grêmio”, ocorrências durante os intervalos e na sala de professores, entre outras práticas. Desse ponto de vista, pudemos lançar um olhar sobre as práticas em seu processo de produção. Fomos levados ao encontro de pontos de sujeição, porém, também encontramos formas de rupturas, momentos de desestabilização do instituído. Aproximamos-nos da complexidade dos processos vividos na escola.

Nessa perspectiva, simplesmente culpar a direção e os professores por utilizarem determinadas práticas escolares, é buscar respostas imediatas e simplistas a partir de rotulações tão comuns no espaço escolar. O que parece a causa de algum problema é efeito do complexo campo de forças que enreda a escola, influenciando suas práticas e seus atores.

Formas de distanciamento mantidas por professores, coordenadores e membros do corpo diretivo em relação ao alunado parecem funcionar como um modo de resistir à situação de crise que atravessa a escola. Vimos como as condições de trabalho na escola, enredadas neste contexto de crise, interferem nos

modos de operar as práticas escolares. Problemas como: tarefismos, isolamento e

fragilidade pedagógica permeiam o “pensar-fazer” escolar.

Rotular, culpabilizar, distanciar-se são ações que parecem pautar-se em uma busca por soluções imediatas para os inúmeros impasses que surgem na comunidade escolar e parecem trazer alívio a quem procura as causas destes.

Pensemos no caso de um professor que, a despeito de estar inserido numa instituição mais bem equipada, com mais recursos para exercer o trabalho pedagógico, sofre com processos de assujeitamento decorrentes da hierarquia presente na administração escolar. Nesse caso, recorrer a autoritarismos comuns na escola perde a conotação única de causa de problemas, já que, em certa medida, configura-se também como efeito.

Em relação à ênfase nos processos de disciplinamento, podemos dizer que ela não se dá por acaso ou pela simples vontade da direção escolar. Há todo um contexto no qual a escola está inserida. O histórico da escola, segundo o relato da diretora, como vimos no capítulo 4, evidencia um momento de tensão na relação comunidade-escola e indica que os conflitos entre moradores da comunidade e a escola foram solucionados a partir da adoção de uma direção “linha-dura”.

Vale ressaltar que a preocupação excessiva com os processos de disciplinamento ultrapassa o histórico desta escola, remetendo-nos às primeiras versões do dispositivo escolar. Basta lembrarmo-nos dos processos de moralização infantil e disciplinamento vinculado às primeiras versões de escola, nos idos do século XIX, conforme discorremos no capítulo 1.

Podemos enxergar ganhos e perdas no modo rígido pelo qual a escola é dirigida. Consideramos que o estabelecimento e o emprego de regras, limites ou cerceamentos são fundamentais ao funcionamento da escola, do mesmo modo que

a possibilidade de participação em processos de reestruturação e restauração das prescrições e das regras de comportamento. As relações de poder não são “naturalmente” prejudiciais, “o poder não é o mal”. As práticas disciplinares são importantes, desde que possam ser revistas e reinventadas com a participação de toda a comunidade escolar. Qualquer normatividade deve ser passível de críticas.

Regulamentação e espaço para a ação são de suma importância para os processos educacionais. Torna-se necessário, porém, pensarmos em organizações que viabilizem a formação de alunos críticos, criativos e autônomos. O contrato pedagógico deve permitir que o aluno transforme e se transforme com autonomia, em uma relação de autogoverno, num trabalho ético.

Conforme Carvalho (1996) nos aponta, o disciplinamento, quando empregado no sentido de um “saber-fazer”, pode permitir escolhas, ação, criação e invenção no espaço escolar. Na realidade, os objetivos propostos pela escola caminham nesta direção. Para tanto, a relação específica professor-aluno mostra-se crucial, pois professores são os educadores que atuam no contato mais direto com os alunos, sobretudo nas salas de aula. No entanto, vimos que há distintas formas de distanciamento e desencontros nessa relação.

Uma construção negociada entre essas partes (educadores e alunos) se faz necessária. Professores precisam renunciar aos modelos idealizados de aluno, de professor e da própria relação professor-aluno, com a finalidade de investir nos vínculos concretos. Trata-se de uma importante aproximação com a realidade (Aquino, 1996). Apenas inserir conteúdos na lousa, sem antes fazer um acordo entre as partes que compõem essa relação, impede encontros e fortalece o distanciamento e o esvaziamento desta.

geralmente pressupõe entendimentos e acertos entre duas partes, precedidas de negociações que desemboquem em um mínimo de vantagens para ambos os lados” (RATTO, 2007, p. 224). A permeabilidade para a mudança parece imprescindível, o professor deve ser flexível diante do múltiplo que se atualiza no cotidiano escolar. O aluno concreto é atravessado pela multiplicidade do real, não há um modelo único de aluno e, portanto, o professor deve ser flexível. Esse ponto de vista: “[...] obriga- nos a sondar novas estratégias, experimentações de diferentes ordens” (AQUINO, 1996, p. 54).

Assim, este trabalho nos mostra que, se há uma crise permanente no sistema escolar, há também diversos caminhos possíveis para serem percorridos no sentido do enfrentamento e da superação.

Para finalizar podemos dizer que esta proposta almejou contribuir com o incremento de práticas de transformação na escola. Além disso, “mapeamos” o cotidiano escolar, olhamos para a promoção do disciplinamento na escola, presenciamos e analisamos situações pertinentes à tensão que há entre modos de assujeitamento e práticas mais autônomas.

Sobre o processo de pesquisa

Na proposta inicial deste trabalho, pretendíamos restituir aos professores os resultados obtidos no processo de pesquisa, abrindo possibilidades de uma análise conjunta. As ações de restituição ocorreriam durante reuniões de HTPC. O objetivo central dessas discussões com o grupo de professores seria o de poder colocar os analisadores em processo de reflexão coletiva.

A direção da escola, entretanto, se interpôs no processo e impediu a realização dessa restituição, ao longo do processo. Além disso, nossa apresentação da proposta de pesquisa na escola parece ter causado incômodo nos professores.

Não bastasse o excesso de tarefas que já lhes são atribuídas, tais discussões em HTPC entrariam como mais um acréscimo ao trabalho docente.

Embora não tenhamos realizado as intervenções pretendidas durante as reuniões de HTPC, a nossa interferência no campo de pesquisa se deu nos contatos informais, nas rodas de conversa, nas pequenas discussões com professores durante os momentos de intervalo, entre outras estratégias já relatadas no capítulo 3. As entrevistas individuais realizadas ao final do processo de pesquisa permitiram o contato com visões distintas da mesma escola, o que se constituiu como fator enriquecedor da análise. E a pesquisa deve ser entregue e discutida a partir dos interesses da escola.

O grupo de alunos que participou do projeto Além da Imagem viabilizou uma intervenção em termos mais coletivos, o que não foi possível com os professores nos HTPCs. Ainda assim, o trabalho ficou restrito aos participantes do projeto, pois não havia tempo suficiente para divulgar o blog aos demais alunos. Gostaríamos também de ter conseguido convocar um número maior de alunos para discussões em torno das problemáticas da escola.

Reconhecemos que esse amplo campo de observação nos trouxe a dificuldade de trabalhar com um material muito extenso. Poderíamos ter escolhido estratégias que facilitassem uma aproximação mais direta em relação à “polarização” assujeitamento X autonomia, como fez, por exemplo, Ratto (2004) ao pesquisar processos de assujeitamento na escola a partir de sua investigação com

Livros de Ocorrência44.

Contudo, nossa iniciativa de seguir alguns pressupostos da Pesquisa –

44 Na tese intitulada Livros de ocorrência: disciplina, normalização e subjetivação, Ratto (2004) analisou questões disciplinares a partir de narrativas presentes em livros de ocorrências utilizados em uma escola pública de Curitiba.

Intervenção permitiu-nos constatar que, de fato, o momento da pesquisa é também o momento da produção do objeto e daquele que está implicado no processo. Isto é o mesmo que dizer que o pesquisador transforma para conhecer e se transforma ao conhecer. O trabalho com observação participante pareceu interessante, ainda que dificultado pela imersão em um campo amplo e multifacetado, pois nos abriu uma visão menos formalizada e direcionada acerca da realidade investigada.

No âmbito desta pesquisa, optamos por fazer um sobrevôo “panorâmico” pelo cotidiano escolar sem eleger um foco de atenção específico. Esta é uma dentre várias estratégias possíveis de ingresso no campo de pesquisa. Uma possibilidade de desdobramento futuro deste trabalho, e que pode trazer resultados interessantes, seria proceder a uma análise mais sistemática em torno da relação professor-aluno. Pensamos que uma nova pesquisa deveria priorizar o acompanhamento de situações ocorridas nas salas de aula, o que pode nos trazer maior entendimento sobre a dinâmica escolar e suas eternas crises.

Esta pesquisa, então, abre novas perspectivas de se fazerem outras incursões no campo escolar. Pensamos que avançar nas investigações em torno de problemáticas relacionadas à escola pública e seus possíveis processos de subjetivação pode ser tarefa das mais gratificantes, ainda que árduas e complexas, especialmente pelo potencial de transformação política e social que tais iniciativas engendram.

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 151-157)